O que seus filhos realmente precisam aprender agora?

Manter o processo de aprendizagem é recorrer a um argumento falacioso: as escolas admitem que terão que retomar os conteúdos depois da Pandemia

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Vamos religar conteúdos a Saberes, artigos definidos a nomes de pessoas, lugares, sentimentos e desenhos como o que ilustra esta foto em que aparecem um homem e uma mulher adultos e duas crianças , todos de mãos dadas
Incentivar as crianças a escrever cartas, desenhar, gravar vídeos e pintar as ajuda a expressar o que sentem
Buscador de educadores parentais
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Ainda sinto-me impelida a falar sobre essa loucura conteudista que tomou conta do país e talvez do mundo, traduzida em videoaulas e aulas síncronas sem fim. Todos falam que não podemos interromper o processo de aprendizagem, que as aulas online (com horas e horas em frente ao computador) são a única solução viável durante a Pandemia, incluindo crianças de 2 a 12 anos. Desculpem, não estou convencida. 

Manter o “processo de aprendizagem escolar” é recorrer a um argumento falacioso: as escolas admitem que terão que retomar os conteúdos depois da Pandemia, em especial no que concerne ao Ensino Infantil e o Fundamental 1. Encaremos os fatos: para os pequenos, o processo de aprendizagem escolar já foi suspenso em março. As aulas online, os vídeos e as atividades do Moodle (plataforma de ensino) estão, em sua grande maioria, somente cumprindo um calendário escolar para evitar reposição de aulas, férias antecipadas ou uma retomada real (e realista) do ano letivo em 2021. Ensinar conteúdos escolares para uma criança sem a mediação presencial de um profissional da Educação tende a dar errado. Também já comentei em meu último artigo que os riscos para a saúde infantil de uma superexposição à tela de dispositivos digitais não parece estar sendo seriamente levado em conta pelas instituições de ensino. Logo, os pais estão cobertos de razão de reclamar e questionar esse tipo de ensino.  

Leia também: 14 curtas que nos ensinam a falar de valores e sentimentos com as crianças

Nesse meio tempo, existe outra pergunta que quase ninguém está fazendo ou ousando fazer: 

O que realmente as crianças têm que aprender agora? Será mesmo que poliedros, artigos definidos, tabuada, mitocôndrias e outros conteúdos descontextualizados da realidade vão ajudá-las a enfrentar umas das maiores (se não for a maior) crise social, econômica e cultural de nosso século? Será que agora tudo o que elas aproveitarão para construírem-se enquanto seres humanos é uma imersão na cultura Youtuber por meio de videoaulas?

Toda crise gera oportunidades, principalmente de crescimento e fortalecimento, mas quais oportunidades deveríamos aproveitar?

Como pesquisadora não fico à vontade de simplesmente apontar problemas sem sugerir soluções. Aqui fica minha humilde sugestão: vamos religar conteúdos a  Saberes, conhecimento técnico a sabedoria de vida, artigos definidos a nomes de pessoas, lugares, sentimentos – que vão além de substantivos e outras classes gramaticais – e poliedros regulares à beleza irregular, imprevisível, e ao mesmo tempo ordenada, do cosmos.  

Em minhas leituras revisitei Edgar Morin, demorando-me nas propostas do filósofo e humanista francês relativas à Educação do século XXI. As sugestões de Morin foram feitas em 1999 a pedido da Unesco e publicadas em 2000 no livro os “Sete Saberes necessários para a Educação do Futuro”. Os Saberes, a meu ver, mais atuais do que nunca, são: 

1. As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão

Todo conhecimento possui um certo grau de erro e inverdade pois ele sempre estará ligado ao sujeito (ou sociedade) que o produziu. A verdade absoluta e objetiva, seria por si só, uma mentira. Pais e educadores poderiam aproveitar o momento atual para ajudar os pequenos a conviverem mais tempo com dúvidas. É preciso convidar as crianças para observar o mundo sem a ambição imediata de entendê-lo em sua completude. O conhecimento precisa de paciência e serenidade para criar raízes. Essa postura intelectual e emocional diante da vida pode ser o alicerce que seus filhos e filhas precisam para enfrentar os desafios contemporâneos.  Deixe-os ver as notícias, explique e, sobretudo, ajude-os a duvidar. 

2. Os princípios do conhecimento pertinente

Um conhecimento só seria pertinente quando contextualizado ou religado à sociedade, ao indivíduo e ao planeta de forma sistêmica. Seus filhos ou filhas podem aprender a contar arrumando brinquedos, aprender os poliedros observando as caixas, vasos e outros sólidos da sua casa, aprender a multiplicar colecionando figurinhas, a pensar algoritmicamente planejando a rotina do dia, a argumentar lendo poesia, vendo um quadro no museu virtual ou assistindo a um filme, a escrever enviando cartas para os avós. Ensine-os a aprender por meio de conexões com o mundo, com os outros e, principalmente, com eles mesmos. 

3. Ensinar a condição Humana 

Cada pessoa é única. Ao mesmo tempo, ela guarda em si semelhanças com a comunidade na qual nasceu e com a própria espécie humana, incluindo as adaptações biológicas sofridas para garantir a sobrevivência da humanidade no planeta Terra. Para Morin, a tomada de consciência das relações complexas entre sujeito, sociedade e natureza que constituem a condição humana é um dos Saberes que precisa ser ensinado.  Convide seus filhos e filhas a participarem das tarefas da casa como servir a mesa, arrumar o quarto, organizar os brinquedos, secar a louça ou preparar uma salada. Permita que eles aprendam na prática que eles fazem parte de um todo chamado família e essa pertença gera direitos e deveres, momentos de individualidade e coletividade. 

4. Ensinar a identidade terrena 

Pertencemos a uma espécie, a um planeta, a uma comunidade e a uma individualidade. Explique que agora o mundo inteiro, o planeta ao qual seus filhos e filhas pertencem, estão passando por problemas semelhantes. Incentive-os a escrever cartas, desenhar, gravar vídeos, pintar, fazer jogos ou animações (vide sugestões abaixo) ou qualquer outra linguagem que lhes permita elaborar e expressar o que estão sentindo. Fotografe as cartas, desenhos e esculturas para enviar a amigos e avós.  Publique os joguinhos e animações criados por eles. Ajude-os a existir on-line e off-line de forma segura e significativa. Ensine-os a ser, religando-os aos seus mundos interiores (emoções, vontades, sonhos), aos outros e ao planeta. Expressem-se e arrisquem-se juntos! Veja a campanha da UNICEF para inspirar-se: https://www.unicef.org/brazil/sentimentos-no-papel

5. Enfrentar as incertezas 

Ninguém sabe como o mundo ficará depois da Pandemia.  Os adultos podem e devem admitir que não sabem o que vai acontecer. A segurança, o porto seguro é o amor que une a família e não a certeza do que acontecerá. É muito provável que as crianças terão que sair aos poucos, usando máscaras e mantendo o distanciamento. Logo, não adianta dizer que daqui a pouco tudo voltará a ser como antes. Alternativas leves e divertidas para enfrentar as incertezas podem ajudar seus pequenos e pequenas a navegar melhor nessa aventura chamada vida. Alguns artesãos e lojas especializadas idealizaram máscaras de super-heróis divertidas para ajudar as crianças na volta ao mundo pós-quarentena. 

6. Ensinar a compreensão 

Aproveite os dias ao lado das crianças para conversar sobre gratidão, compaixão, autoconhecimento e responsabilidade. Ensinar a compreender é, antes de tudo, aceitar a diferença. Estamos vivendo um problema global, mas cada povo e cada criança vivênciam a crise de uma forma única. Pesquise na internet com seus filhos e filhas sobre como crianças de outros países estão vivenciando isso agora e redescubram juntos a diversidade humana.

7. A ética do gênero humano 

A ética do gênero humano de Morin valoriza as relações entre o indivíduo, a comunidade, a espécie humana e o planeta. O filosofo francês defende a existência de democracias dentro de uma comunidade planetária que considere especificidades locais, culturais e individuais. O conceito de democracia é muito abstrato para crianças pequenas, mas você pode falar do respeito às escolhas coletivas e da importância de inserir-se sempre em um contexto comunitário. Dê o exemplo da família e converse sobre a importância de seguir as regras da casa e da liberdade de renegociá-las quando preciso. Fale sobre a importância de respeitar a si mesmo, aos outros e o planeta, pois estamos todos conectados. A Pandemia é um exemplo concreto de como as nossas escolhas estão diretamente ligadas a nós mesmos, aos outros, ao planeta e ao destino da espécie humana. Ficar em casa agora é um ato de amor a si mesmo, ao próximo, ao planeta e à toda humanidade.  

Sugestões para fazer animações e joguinhos com seus filhos e filhas

No caso de animações e joguinhos sugiro a linguagem Scratch que que é intuitiva, gratuita e fácil de usar (https://scratch.mit.edu/). A plataforma possui muitos tutoriais e é ideal para crianças acima de 8 anos. Para os pequeninos o Scratch Junior seria uma opção mais confortável (https://www.scratchjr.org/). Experimentem, arrisquem-se juntos!   

Sugestões para fazer vídeos usando avatares animados (para proteger a identidade da criança). 

Para fazer vídeos sem mostrar os rostos das crianças existe uma plataforma de inteligência artificial  chamada Voki muito fácil e divertida de usar (vide link). http://www.voki.com/. O Voki também permite que você converse com seus filhos e filhas sobre segurança na internet e importância de manter suas informações privadas (nome, endereço, documentos dos pais etc.) escondidas do domínio público.   No link seguinte você encontrara um tutorial explicando como utilizar essa ferramenta:  

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