Parem de romantizar o empreendedorismo materno!

Mães empreendem não porque gostam de passar por percalços, mas porque há um mercado cruel que praticamente não lhes dá outra opção, desabafa a escritora Sheila Trindade

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Bebê brinca em cima da mesa e mãe apoia mãos sobre temporas
Trabalhar com os filhos do lado é um exercício de concentração e foco | Crédito: deposiphotos.com
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Foi comemorado no último dia 19 o Dia do Empreendedorismo Feminino e apesar das lindas histórias de superação que lemos por aí, é necessário não romantizarmos o que de fato é muito bacana, mas difícil pra caramba. Parem de dizer que “a partir de agora é só dedicação e trabalho duro e pronto, tudo estará resolvido”, porque não é bem assim. Eu sei que queremos acreditar que apenas isso basta, mas a coisa é muito mais profunda e complexa. Há doses cavalares de sorte e expertise no que se pretende empreender, e é preciso investimento de tempo e dinheiro. Dizer que é fácil em um post nas redes sociais, que traz 10 passos sobre o assunto, é cruel com quem sonha.

Mas por que mães empreendem?

Em todos os bancos de imagem, a foto é sempre a mesma: uma mãe sentada em seu computador com uma caneca de café, vaso de flores ao lado, uma luminária, um chocalho e um ursinho para combinar com o bebê que está sentado no colo da mãe, que trabalha concentrada.

Sinto em informar que a realidade não é nem perto disso. Choramos escondidas no banheiro depois de uma reunião, passamos noites em claro tendo que acordar no dia seguinte para cuidar da cria. Algumas vezes, intercalamos cuidados noturnos do filho doente com escrita criativa, sabe-se Deus como. Muitas vezes, pensamos em desistir, na verdade, todos os dias pensamos em desistir. Quando nos atrevemos a fazer qualquer coisa relacionada ao trabalho, quando os filhos ainda estão acordados ou em casa, temos que lutar muito pela concentração e foco. A todo instante somos interrompidas, chamadas, persuadidas a deixar nosso posto. E deixamos. Temos que deixar. É uma briga aqui, o perigo de um copo quebrado acolá. É um “tô com fome”, “ele me bateu primeiro” etc.

Desenvolvemos estratégia sobre-humanas de digitar com uma mão só, se concentrar ao som de Galinha Pintadinha, fazer um excelente trabalho mesmo com tantos desafios, com jornada dupla, até tripla. Eu sei, tudo isso é incrível, e pode virar case de
sucesso. Mas ninguém quer ser forte, ninguém quer virar história de superação. Eu quero é ser herdeira.

Mães empreendem não porque gostam de passar por todos esses percalços. Mães empreendem porque lá fora há um mercado cruel que nos exige horário certo sem levar em conta nossa competência e o trabalho realizado em prazo menor do que é posto. Um mercado que nos obriga a deixar nossos filhos com quatro meses em creches para serem cuidados sabe-se lá por quem, que nos faz culpadas por isso, nos transforma em monstros “que só pensam na carreira”. Ignoram nosso direito de amamentar, nos obrigando a tirar leite escondidas no banheiro – e aquele peito doendo cheio é só para lembrar da cria tão longe que deve estar chorando querendo mamar. Dá vontade de chorar também. 

Depois de tanto lutar, decidimos embarcar nesse caminho incerto do empreendedorismo, muitas vezes iludidas por aquela imagem que citei no início do texto. Algumas nem fazem a escolha de “jogar a toalha”. São tocadas da empresa, demitidas sem um pingo de
humanidade. Às que não podem, não conseguem ou não querem empreender, resta correr atrás de um novo emprego. “Mocamos” o filho. Dizemos que temos toda a disponibilidade de horário do mundo. Tentamos conquistar por nossa competência, mas o que vale é se temos ou não filhos e onde iremos deixá-los, como se fôssemos largá-los em casa com uma tigela de água e comida. Como se fôssemos levá-los para o trabalho e fundar uma creche no hall de entrada. As portas estão fechadas e não resta muito a escolher.

Então, não. Não é coincidência esse monte de mulher na feirinha vendendo de tudo um pouco. O filho brincando no canto ou cochilando no colchonete embaixo do balcão. Trabalhar como se não tivéssemos filhos, ser mãe como se não trabalhássemos fora. A conta fecha para você?

*Este texto é de responsabilidade do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.

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