O fascínio das crianças pelos youtubers

Entenda o que está por trás dessa paixão pelos youtubers, o que isso significa e o que fazer para garantir a segurança dos filhos nesses relacionamentos

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Reprodução de vídeo do youtubers Luccas Neto
O cenário informal e a sensação de proximidade nas gravações favorecem a identificação das crianças com youtubers como Luccas Neto (foto) | Crédito: reprodução de imagem do perfil @luccasneto
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Em média, 3 em cada 10 crianças gostariam de ser youtubers, segundo revelou um estudo da Lego. Outra pesquisa global, da empresa de proteção online McAfee, mostrou que 67% das crianças em todo o mundo assistem a vídeos curtos no YouTube. No Brasil, esse número é ainda maior: 79% disseram que os vídeos são sua principal atividade online. Canais como Spider Slack, Maria Clara & JP, Natan por aí, Felipe Neto, Luccas Neto e Enaldinho aparecem nas listas de youtubers brasileiros mais vistos por crianças e adolescentes. 

Mas, afinal, o que esses perfis têm que fascinam tanto o público infantojuvenil? Por que as crianças criam laços tão fortes com as pessoas nas mídias sociais? Como nós, pais, podemos entender esse fenômeno? Quais seus riscos? E o que fazer para manter um relacionamento seguro e saudável das crianças com o YouTube e os youtubers?

Quem responde abaixo essas questões é Bradley Bond , pesquisador de comunicação da Universidade de San Diego, na Califórnia (EUA), que estuda os relacionamentos dos jovens com personalidades da mídia, inclusive no YouTube, que ele chama de relacionamentos “parassociais”. Ele também estuda as ligações entre exposição na mídia e auto-identidade. 

Bradley conversou com a jornalista Melinda Wenner Moyer, especializada em paternidade e ciência, colaboradora de veículos como a revista Scientific American e jornais como o The New York Times e Washington Post. Abaixo, selecionamos alguns dos principais trechos da entrevista publicada por Melinda em sua newsletter.

A sensação de proximidade das crianças com os youtubers

Estudos sugerem que somos mais propensos a desenvolver um senso de conexão pessoal, o sentimento de ter um amigo, com personagens e celebridades que consideramos que são como nós em algum aspecto. Assim como nossos amigos da vida real, procuramos semelhanças em outras pessoas com quem queremos desenvolver amizades, e fazemos o mesmo com os youtubers, com quem desenvolvemos relacionamentos parassociais.

Os relacionamentos parassociais são os laços socioemocionais unilaterais que criamos com pessoas que conhecemos apenas através das telas. É uma via de mão única, onde nos sentimos muito próximos dessas pessoas, embora não haja uma ligação sócio-emocional mútua.

Podemos ser iguais a eles 

Mas há uma sensação de que os youtubers poderiam ser como nós – que se os conhecêssemos, nos daríamos bem, poderíamos convidá-los para a nossa festa de aniversário. E esse senso de realismo aumenta com as plataformas de mídias sociais, devido a seu formato: o vlogger preferido do seu filho no YouTube fala diretamente para a câmera. E a maioria deles grava de sua própria casa ou de um estúdio personalizado. O gato pode aparecer em segundo plano ou até mesmo protagonizar alguns dos vídeos. Ao longo do tempo, os youtubers vão divulgando informações sobre si mesmos. E há essa sensação de que qualquer um pode estar no YouTube. O que não ocorre com nossas estrelas de cinema favoritas, e nossos atores e atrizes de TV, que são vistos num relacionamento vertical. Nós os admiramos, mas eles estão acima de nós. Já os youtubers são a pessoa ao lado. Quando você vê a sala de estar deles e vê falhas e erros no vídeo, isso os torna incrivelmente realistas – essas pessoas são como eu – e isso aumenta a sensação de que você tem uma conexão socioemocional com eles, eles são seus amigos. 

Eles se apresentam sem filtros

Temos algumas evidências que sugerem que no YouTube em particular, mas também com influenciadores de mídia social no Instagram e no Tiktok, os jovens são realmente propensos a desenvolver essas conexões parassociais, porque esses indivíduos parecem ser exatamente como são. 

Consequências negativas e positivas para as crianças

Eu compararia as relações parassociais com as relações sociais. Ao saber que seu filho desenvolveu uma amizade com o novo garoto na escola, e você é um pai consciente, você procurará saber mais sobre essa criança e sua família, seus gostos e desgostos, que tipo de coisas seu filho faz com aquela outra criança. Portanto, se seu filho tem um youtuber específico ao qual ele está realmente atento, fique atento ao que esse youtuber está postando, para saber a que tipo de conteúdo seu filho está sendo exposto.

Podemos aprender com as relações parassociais assim como aprendemos com as relações sociais, e isso tem demonstrado ter consequências positivas e negativas. Quando celebridades divulgam desafios de saúde mental que vivenciaram, por exemplo, isso tem se mostrado realmente eficaz para desestigmatizar a doença mental, para aumentar as buscas por recursos relacionados à saúde mental. Então eles podem ter efeitos realmente positivos. Quando estamos envolvidos nesses relacionamentos, nos quais sentimos que eles são nossos amigos, é mais provável que imitemos seus comportamentos, imitamos suas atitudes, sejam elas boas ou ruins. Então, eu argumentaria que os riscos dependem do conteúdo.

Como acompanhar os conteúdos frente à falta de tempo dos pais

A maneira mais fácil de fazer isso, na minha opinião, seria assistir aos vídeos “mais populares”. Esses são, provavelmente, os mais influentes e mostrarão quantas pessoas os viram. Ou, se você tiver sua própria conta no YouTube e for amigo de seu filho na plataforma, poderá encontrar os vídeos que seus filhos comentaram. Isso pode lhe dar pelo menos uma noção de que tipos de coisas estão chamando a atenção de seu filho.

É impossível apenas sentar e assistir a todo o conteúdo de um criador de conteúdo específico e ainda continuar o seu dia. Mas existem táticas que você pode usar para obter uma amostra e pelo menos ter uma noção do tipo de coisas a que seus filhos estão expostos.

Casos de morte de youtubers, como o Technoblade

A resposta apropriada é validar as emoções das crianças. Pense na conexão que seu filho tem com alguém que nunca conheceu na vida real como uma parte importante de sua rede social. Portanto, perder essa conexão deve ser tratado da mesma forma que quando o melhor amigo de seu filho se muda para uma nova cidade ou o cachorro da família morre. Abordamos isso através da validação, da escuta, do envolvimento com seu filho.

Uma resposta muito comum, entre os adultos, é dizer: “Por que você está incomodado? Não há razão para você se incomodar com isso. Você nem conhece essa pessoa.” Ou: “Existem outros youtubers que postam a mesma coisa”. Mas isso é como dizer a alguém que você pode facilmente substituir um amigo ou um cachorro da família. As conexões parassociais são genuinamente parte da rede social de alguém. Eles são partes saudáveis ​​da nossa rede social. Nós prosperamos em conexões com outras pessoas, sejam elas cara a cara ou através de telas. E assim, quando perdemos essas conexões, experimentamos uma dor real. Há pesquisas com adultos que sugerem que esse é o caso – que realmente passamos pelos estágios do luto quando perdemos personagens ou celebridades favoritas.

A influência da pandemia sobre esses relacionamentos

Uma pesquisa que eu fiz na pandemia mostrou que as relações parassociais dos adultos se tornaram mais fortes nesse período, particularmente para quem mantinha contato com os amigos (reais) por meio de telas. Aqueles que passaram a fazer uma noite de jogos de amigos no Zoom ou conversas diárias via FaceTime – esses indivíduos tiveram um aumento nos seus relacionamentos parassociais. Isso pode acontecer com os jovens também – com crianças cujo horário escolar era online, que viam seus colegas e professores através de telas.

As causas do aumento das relações parassociais

O que eu argumentei que pode estar acontecendo é que os limites que separam nossas relações parassociais de nossas relações sociais foram borrados durante a pandemia, porque perdemos essa conexão cara a cara. Perdemos o que chamamos de “presença social”. Então o toque físico, o cheiro, as coisas que tornam a interação cara a cara única nas telas, meio que se foram. Quando lidamos com todas as pessoas que são importantes em nossas vidas – nossa família, nossos amigos, nossos professores – por meio de telas, isso confunde cognitivamente as linhas entre alguém que só conhecemos através de telas e alguém que conhecemos pessoalmente.

As relações parassociais entre pré-adolescentes LGBTQ

Isso também ocorreu com crianças que têm algum tipo de identidade marginalizada. Um estudo com pré-adolescentes LGBTQ mostrou que as relações parassociais se tornaram mais fortes durante a pandemia, dada a importância das conexões sociais nesse período de desenvolvimento da identidade para jovens desse perfil. Quando eles perderam essas conexões cara a cara, eles confiaram muito em suas conexões na tela para compensar essa perda.

Como chegar a um equilíbrio entre prós e contras dos youtubers

É preciso distinguir entre o componente socioemocional do relacionamento de uma pessoa e o componente de marketing desses relacionamentos parassociais. As indústrias de publicidade e marketing estão percebendo que, se virmos esses indivíduos como nossos amigos, quem melhor para anunciar um produto para nós? Ou quem melhor para promover uma determinada ideia ou atitude? Acho que pode haver um equilíbrio entre validar o desenvolvimento da identidade de uma criança ou a conexão emocional com um personagem em particular, enquanto ainda tentamos injetar alfabetização midiática no que diz respeito à logística e aos fundamentos de como essas plataformas funcionam. Portanto, isso significa abordar que talvez haja um motivo de marca ou um motivo de marketing para que uma celebridade precise se envolver nesses comportamentos, e você pode falar sobre eles sem insultar sua conexão emocional com esse youtuber. Mas exige que o pai tenha essa informação [sobre o vlogger]. E muitas vezes, as crianças sabem mais sobre a plataforma do que os pais.

Mediação ativa x mediação restritiva

Há uma literatura bastante forte no campo infantil e midiático que examina o que chamamos de “mediação ativa” versus “mediação restritiva”. A mediação restritiva seria criar regras, limites e parâmetros e dizer ao seu filho que ele deve se encaixar neles. A mediação ativa é quando os pais estão envolvidos, e isso pode até ser tão simples quanto discutir por que um determinado programa de televisão pode não ser o mais apropriado e por que esses outros programas podem ser igualmente divertidos e melhores de assistir. No domínio da mídia social, o envolvimento ativo também pode ser definido como jogar junto e tentar entender fazendo e mostrando ao seu filho que essas plataformas podem ser usadas adequadamente e para o bem.

Conscientização do tempo

Muitas vezes, o tempo é uma das coisas que mais preocupam os pais – a quantidade de tempo que seus filhos passam em uma plataforma. Isso é outra coisa que a pesquisa sugere que a mediação ativa pode ajudar a navegar. Você pode dizer: “O que você ganha com esta plataforma? Que outras coisas poderiam satisfazer essa necessidade que você tem?” Fale através dessas coisas, em vez de criar regras. Muitas pesquisas dizem que a mediação ativa é muito mais eficaz do que a mediação restritiva.

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