Por que as crianças não têm ‘bons modos’ à mesa

Especialistas explicam que, para além das birras, impaciência e agitação, há outros motivos que levam as crianças a ignorarem práticas de boas maneiras durante as refeições

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Menina de cara feia pega macarronada com um garfo
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Há crianças que durante as refeições não conseguem ficar quietas enquanto comem, e se levantam da mesa a cada 5 minutos. Há também aquelas que resistem a usar talheres, limpam as mãos nas próprias roupas ou na toalha da mesa e se levantam logo que acabam de comer. Muitos pais creem que os filhos fazem isso de birra, porque são impacientes, não têm modos ou querem chamar a atenção. Mas, segundo especialistas, há outras questões importantes a considerar para esses comportamentos. Pode passar despercebido pelos pais, por exemplo, que para se sentar de forma adequada numa mesa é preciso ter uma série de habilidades que as crianças ainda não possuem. Entre elas, consciência corporal, coordenação motora fina, boa força muscular e estabilidade do ombro. 

Segundo o terapeuta ocupacional pediátrico Jaime Spencer, “fisicamente, os músculos das crianças não são fortes o suficiente para permitir que elas fiquem sentadas numa mesa por tanto tempo. E assim elas mudam automaticamente o corpo para ficarem mais confortáveis ​​e colocar outros músculos no comando”, explicou Spencer em matéria para a newsletter produzida por Melinda Wenner Moyer, jornalista especializada em paternidade, ciência e medicina, e colaboradora da revista Scientific American e de jornais como o The New York Times e Washington Post.

Ela ressalta outro aspecto, quase nunca lembrado, em relação ao tamanho dos móveis e dos talheres, que, no geral, são para adultos. Se a cadeira é grande, a criança não apoia os pés no chão, o que é tão desconfortável quanto é, para um adulto, sentar em um banco alto de bar que não oferece nenhum apoio para os pés, e que, entre outras coisas, exige uma força muscular ainda não adquirida pelas crianças, relata o terapeuta ocupacional. 

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Muitos pequenos também têm o hábito de se agachar ou ajoelhar na cadeira, ficando assim posicionados mais altos em relação à mesa, o que facilita na hora de comer. Isso porque a mesa fica numa altura que varia entre o abdômen e o peito de um adulto, mas nas crianças é comum que esteja um pouco abaixo das axilas, fazendo com que tenham de manipular os utensílios usando os braços inteiros, e não apenas as partes abaixo do cotovelo.

“Olhar para os assentos é a primeira coisa que faço quando os pais estão lutando para manter seus filhos à mesa”, disse à Melinda a terapeuta de alimentação Jenny McGlothlin. Ou seja, quando a criança se agacha e se mexe não é porque ela está tentando irritar ou desafiar os pais – ela está tentando melhorar sua posição para que possa realmente comer, comenta a jornalista americana.

Habilidades motoras e questões sensoriais

Outro aspecto que exige atenção diz respeito aos talheres. Para usar uma faca e um garfo, a criança deve ser capaz de coordenar os lados esquerdo e direito do corpo. Porém, o que para os adultos parece um movimento quase automático, para os pequenos, em fase de desenvolvimento das habilidades motoras grossas e finas, fazer com que uma mão faça uma coisa, e a outra mão faça outra, simultaneamente, não é fácil. “Habilidades com facas são difíceis – são algo que as crianças continuam aprendendo durante a adolescência”, disse McGlothlin.

A terapeuta de alimentação explicou que quando as crianças estão com fome, pode acontecer de elas usarem as mãos para comer. Isso porque o talher é uma ferramenta que possibilita pegar a comida, mas se isso vira uma dificuldade, as mãos se tornam uma opção mais rápida para levar o alimento à boca. Além disso, comer é uma experiência sensorial, acrescentou ela, e algumas crianças querem tocar sua comida para ter uma noção de suas propriedades físicas antes de colocá-la na boca.

E para os pequenos com menor consciência corporal, pode ocorrer de eles não perceberem o rosto sujo de geléia, molho de tomate,  iogurte ou chocolate. Segundo McGlothlin, são crianças que reagem pouco aos estímulos sensoriais, como as que babam muito e podem preferir alimentos apimentados, azedos ou crocantes – alimentos que despertam seu sistema sensorial e os fazem se sentir mais confortáveis. 

Mas há maneiras de tornar as refeições mais fáceis e menos bagunçadas, de acordo com as especialistas.

Móveis ajustados ao tamanho da criança

Assegure que seus filhos se sentem de uma maneira que apoiem o corpo e facilite o alcance e o manuseio da comida. Observe se a criança está sentada na cadeira de forma adequada, na posição 90-90-90: com um ângulo de 90 graus nos quadris, joelhos e tornozelos. Também é importante certificar-se de que a criança esteja sentada alta o suficiente, para que a mesa fique numa altura entre o peito e a cintura. Caso não, pesquise sobre acessórios como almofadas, assentos e apoio para os pés que se ajustam à altura e tamanho das crianças. 

Analise ainda os talheres, que devem ser de tamanho infantil para os menores e. Já crianças maiores, podem usar garfos de salada, que são um pouco menores e mais fáceis de manusear.

Não faça tudo pelos seus filhos

Ao ver o filho cortando uma carne com dificuldade, é natural que os pais queiram assumir a tarefa e rapidamente cortem o alimento por ele. E tudo bem se isso acontecer algumas vezes. Mas é importante dar à criança oportunidades para que aprenda a usar os talheres – ainda que isso possa significar uma bagunça na mesa. Usar garfo e faca “é uma habilidade motora, assim como andar de bicicleta ou tocar piano, e eles precisam praticar”, disse McGlothlin. Outra forma de treinar essa habilidade sem tanta pressão é sugerir que use palitos de dente para alfinetar frutas como o melão. Atividades com pintura, escrita e tesoura também ajudam na coordenação motora fina, diz a terapeuta em alimentação. 

Corrija seus filhos sem deixá-los envergonhados

É preciso tomar cuidado para que as crianças não associem as refeições a situações de estresse e vergonha. Para que esse seja um momento positivo e agradável, McGlothlin sugeriu o uso de uma “linguagem passiva”, por meio de perguntas sugestivas como: será que se você cortar o legume antes de esfaqueá-lo, seria mais fácil? 

A terapeuta também sugere deixar parte dessa conversa para mais tarde, no que ela chama de sanduíche de feedback. Em uma postagem em seu blog sobre o assunto, McGlothlin explicou que isso consiste em dizer à criança algo que ela fez bem, algo para melhorar e, depois, outro comentário positivo. Dessa forma, a crítica fica “espremida” entre dois pontos positivos. Por exemplo: “Você fez um bom trabalho ao usar seu guardanapo no jantar! Seria ótimo se você pudesse manter seus pés para si mesmo enquanto come para não chatear sua irmã. Ela ficou tão feliz que você a ajudou a pegar o leite!” 

Gerencie suas expectativas

É importante que os pais reflitam se não estão esperando demais dos filhos, desejando que dominem habilidades que eles ainda não são capazes de fazê-las. Também é comum que os pais esperem algo dos filhos que sequer explicaram a ele como fazer. Limpar as mãos no guardanapo, e não na roupa, por exemplo. A especialista sugere deixar o guardanapo próximo da criança e dizer a ela que pode usá-lo. “Existem coisas que esperamos das crianças que realmente colocam muita pressão sobre elas, mas isso não é necessariamente algo que elas possam administrar”, disse McGlothlin. 

E se a criança sai correndo da mesa logo depois que termina de comer? Considere liberá-la, sugere a jornalista. “Reserve um minuto para pensar nas pequenas concessões que você pode fazer para tornar as refeições em família uma experiência mais agradável e menos gritante para todos”, finaliza Melinda.

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