Festa de 15 anos e o adolescente com deficiência: quem convida para dançar?

Mães, pais e educadores precisam começar a transformar o mundo nos seus espaços para acolher e incluir todas as pessoas

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Flores e o número 15 em algarismo romanos decoram cenário de festa de 15 anos
A falta de acolhimento prejudica a autoestima dos adolescentes com deficiência
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Chegou, por aqui, a fase dos aniversários de 15 anos. Semana passada, fui até Vitória (capital do Espírito Santo) levar meus dois filhos mais novos — que estão com 15 e 12 anos — à primeira festa de debutantes deles. Foi um dia importante, um momento especial, porque tive a oportunidade de viajar sozinha com eles, sem a nossa filha mais velha, Luísa, que tem uma doença rara.

Na maternidade atípica, é muito comum que a mãe ou o pai se dediquem quase que exclusivamente ao filho com deficiência — que exige mais cuidados — e acabem sem tempo ou energia para fazer programas só com os irmãos.

Saímos por volta do meio-dia no sábado. Thor e Laila estavam felizes em viver essa experiência. Fomos conversando e ouvindo música na estrada. Passamos no hotel, encontramos os primos, tomamos banho, nos arrumamos e fomos para a festa, que
estava linda! Tudo maravilhoso: DJ, pista animada, comidas gostosas, bebidas e drinks sem álcool, mesa de bolo e doces perfeita, valsa com o pai, avô e irmãos, homenagens de amigos e família, aniversariante radiante!

Eu fiquei de longe observando tudo e como trabalho com famílias, e tenho as relações humanas, diversidade e inclusão como objeto de estudo, fiz algumas observações que achei importante trazer aqui.

Primeiro: achei curioso o fato de a maioria das adolescentes estarem com o mesmo modelo de vestido — tomara que caia, justo, com brilhos e bem curtinho. Segundo: não havia adolescentes negros ou com deficiência na festa. Todos eram brancos e tinham um corpo considerado “padrão”.

Viajei no tempo e voltei lá em 2018, ano em que Luísa foi convidada para algumas festas de 15 anos. Lembrei do quanto minha filha ficava feliz ao receber os convites. Fazia planos, mas depois era sempre difícil encontrar uma roupa ou um sapato que ficassem bem no corpo dela. É que Luísa não cresceu como o esperado. Ela tem hoje 21 anos, 1,40 metros e calça 33.

Quem tem um corpo dissidente — que foge das normas — entende que achar uma roupa ou sapato bonito e que vista bem é uma missão quase impossível. A gente sempre acabava na costureira, fazendo um vestido sob medida. E os sapatos? Nunca encontrávamos algo bonito e confortável para uma adolescente com o pé de criança.

Vencida a barreira da vestimenta, esbarrávamos na falta de acessibilidade das casas de festas. Como deixar minha filha ir sozinha? E se ela precisasse de ajuda para passar entre as mesas apertadas? E se quisesse chegar à pista de dança, que tinha escadas? E para ir ao banheiro? Quem estaria disposto a ajudar, em plena adolescência, quando tudo o que querem é dançar, se divertir e paquerar?

Enquanto minha filha com deficiência estava na infância, eu a pegava no colo e ultrapassava todas as barreiras. Minhas pernas, muitas vezes, foram as pernas dela. Mas chegara a hora — tão temida — de soltar a Luísa no mundo. Um mundo que, infelizmente não foi preparado para recebê-la. Que difícil isso!

Por algumas vezes, Luísa sentiu sono ou dor de cabeça na hora de se arrumar para as festas. No fundo, eu sabia que aquela reação era o medo ou desânimo pelo que ela sabia que teria que enfrentar. Nessas horas, entrava em ação a mãe encorajadora que já estudava sobre parentalidade positiva e sabia que precisava incentivá-la a ir. Com paciência e afeto, enquanto a ajudava a maquiar e arrumar o cabelo, eu dizia:
— “Vai sim, filha! Pelo menos um pouquinho. Se chegar lá e não gostar, me liga que a mamãe vai te buscar na mesma hora.”

Por vezes, ela foi e ficou até de madrugada. Se adaptava, se virava, se divertia do jeito dela, mas também reclamava do ritmo da música – o funk que não conseguia dançar ou pelo fato de “sobrar”. Era muito mais fácil (e confortável) para mim, mantê-la protegida em casa. Mas eu sabia que era muito melhor para ela que fosse para o mundo — e aprendesse com os desafios.

Voltando à festa da semana passada, fiquei lembrando de tudo isso… e também da minha própria adolescência. Eu, que tinha uma beleza padrão, e era desejada pelos meninos da época, tinha dificuldade em ambientes assim, me considerava tímida, sentia vergonha de dançar e de ser eu mesma.

A adolescência é uma fase intensa e desafiadora. O corpo muda, a identidade começa a se formar, e a necessidade de aceitação é enorme. Estudos mostram que o pico da insegurança com a autoimagem ocorre por volta dos 13 a 15 anos, quando o jovem passa a buscar nos pares a validação de quem é e onde pertence.

A pressão por se encaixar em padrões — de comportamento, aparência e desempenho — pode afetar profundamente a autoestima. Agora imagine vivenciar tudo isso carregando um corpo que é constantemente olhado como “errado”, que não aparece nas redes, nas novelas, nas festas, nas vitrines. Um corpo que não encontra roupa que caiba, sapato que sirva, espaço que acolha.

Como será que fica a autoestima dos adolescentes com deficiência, que crescem sem representatividade, tendo que enfrentar as barreiras do capacitismo? Como será que é estar em um mundo que nunca te convida para dançar?

Enquanto mães, pais e educadores, nós podemos começar a transformar o mundo pelo nossos espaços e provocar micro-revoluções. A diversidade se faz presente na escola do seu filho/filha? E no seu trabalho? Como são as festas que você promove? Quem você tira para dançar?

Os convites que fazemos, os olhares e pensamentos que sustentamos, têm o poder de segregar ou incluir. Que possamos lembrar que pertencer é mais do que estar presente. É ser acolhido e incluído com afeto e dignidade. Que possamos ser agentes de transformação social na sociedade em que vivemos.

Mônica Pitanga
Mônica Pitanga é mãe atípica e rara. Formada em Administração de Empresas. Certificada em Parentalidade e Educação Positivas, Inteligência Emocional e Social e Orientação e Aconselhamento Parental pela escola de Porto, em Portugal. Certificada também em Disciplina Positiva pela Positive Discipline Association. Fundadora da ONG Mova-se Juntos pela inclusão.

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