Um relato emocionante sobre ter uma filha com síndrome de Down

    Neste 21 de março, Dia Internacional da Síndrome de Down, compartilhamos o relato de Ana Karine Lorenzi, mãe da Sofia, de quase 1 ano e 6 meses, escrito especialmente para a Canguru

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    Um relato emocionante sobre ter uma filha com síndrome de Down
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    Simplesmente… Sofia – Por Ana Karine Lorenzi*

    Ana Lorenzi e Sofia

    “Sabedoria… essa foi a palavra em que pensei ao escolher o nome de minha terceira filha, Sofia. Após uma gestação de risco, cheia de cuidados, medicamentos e tratamentos invasivos, com dores no corpo e na alma, pensava que a chegada de Sofia seria minha redenção, meu sossego, meu bônus. Eu pensava…

    Nunca desejei ter três filhos. Mas Sofia veio assim mesmo, encomendada por um desejo maior. Quem sabe do cosmos, de compromisso de vidas passadas, talvez de uma latente necessidade de aprendizagem, de evolução… hipóteses, opiniões… para mim, educada pela força da fé, ela veio com a permissão do próprio Deus, que é princípio, meio e fim de todas as coisas. Sabedoria! O verbo divino no feminino é o significado de Sofia.

    Minha filhinha chegou em uma quarta-feira de outubro, em Itabira-MG, diferente de todos os meu planos. Eu nem gosto de quartas-feiras. Assim que nasceu, olhei para ela e algo me chamou a atenção. Achei Sofia diferente de minhas outras filhas. Não tive coragem de falar, de perguntar. Briguei comigo mesma por ficar boicotando a emoção do momento. Ficava atenta ao que falavam e nada fugiu ao protocolo, a não ser: “Dê uma olhadinha na língua”. A frase dita pela pediatra que acompanhava o parto nada significou para mim naquele momento, mas era o primeiro indício do que a vida havia nos reservado.

    Tudo acontecia dentro do esperado, mas eu não conseguia relaxar, não conseguia ficar feliz. Se minhas pernas respondessem eu teria levantado. Não parava de falar, tamanha era minha ansiedade. A noite de Sofia não foi boa, pois ela ficou cansadinha, com dificuldade para respirar, mamar e muito gelada. Eu não entendia nada, somente percebia os olhares das pessoas.

    No primeiro exame da manhã, foi detectada queda na saturação, uma deficiência na condução do oxigênio para os órgãos pelo sangue. Mais exames, mais olhares. Até que me chamaram em uma sala à parte. No caminho, comecei a pensar: “Meu Deus, o que será? Não estão me chamando para dar os parabéns… O que será? Ah, não… eu não… comigo não…”

    Não sei se quis facilitar as coisas, se quis parecer madura e calma, mas procurei fazer a melhor cara do mundo enquanto a médica foi me dizendo algumas palavras que a partir dali fariam parte de minha vida: forame, CIA, problema cardíaco, hipertensão pulmonar, cirurgia, transferência, grave, cariótipo, Síndrome de Down…

    Briguei com todos! Pedi para ficar sozinha, mas ninguém me atendia. Eu queria mesmo que aquilo não fosse verdade, mas a verdade estava nítida. Eu via os sinais, tinha certeza, morria de medo, mas tinha certeza. Lá no fundo, queria crer que não.

    Sofia foi transferida para o Biocor, em Belo Horizonte. A transferência em si foi algo que eu jamais havia imaginado. Os trâmites burocráticos para conseguir a vaga, para fazer a ficha, depósitos… Eu havia me tornado um número, minha filha, estatística. Tudo normal para o hospital, para os profissionais, mas, para mim, não. Eu queria ser vista diferente, queria contar minha história, queria saber se teríamos chance. 

    E se ela superasse o problema cardíaco?
    E se ela não fosse Down?
    E se ela fosse “normal”?

    Eu precisava pensar em cada problema de uma vez e demorei um pouco para fazer essa dissociação. Os médicos cardiologistas avaliavam Sofia e não falavam em Síndrome de Down. Para eles, isso não era importante. O importante era que o quadro cardíaco evoluísse e ela saísse do risco. E ela saiu! A pequena grande guerreira chegou ao hospital do coração com indicação cirúrgica, mas foi logo contrariando esse primeiro diagnóstico. Durante um sofisticado exame, as médicas avaliavam e se olhavam, uma falava com a outra em códigos ou uma linguagem que eu não compreendia. Veio a coordenadora da cardiopediatria. O exame continuava sem que eu entendesse nada. Até que a médica disse: “Não será preciso cirurgia. A abertura do coração fechou. Deus operou a Sofia!” A notícia era perfeita! Deus havia operado um milagre. Fiquei feliz! Fiquei tão feliz que pensei: “É muito eu pedir que ela não seja Down?”

    Essa resposta demorou alguns dias até que o resultado do cariótipo, exame de segmentação genética que confirma a Síndrome de Down, ficasse pronto. O resultado é demorado, saiu em cerca de 30 dias. Hoje penso que seja uma forma até “didática” da Ciência. A demora do resultado vai exercitando a aceitação da família. Claro que esse é apenas o devaneio de um coração aflito de mãe. Imaginei que o resultado do cariótipo, especialmente por se tratar de um exame caro e tão delicado, fosse algo sofisticado, com heredogramas e sequências de DNA. Imagine… não! Meia folha de papel A4, com análise de uma amostragem do sangue de Sofia e lá estava a resposta: o cromossomo 21 estava duplicado em todas as células analisadas.

    Sofia, oficialmente, tinha Síndrome de Down.

    Meu mundo caiu! Naquele momento me dei conta da realidade. Eu tinha medo! Sempre tive. E estava constatado que minha filha tinha uma deficiência. O que eu poderia oferecer a ela? O que o mundo exigiria dela? Quem cuidaria dela na minha falta? Como é a vida de um down? Chorei muito… muito! Eu me sentia “diferente”, eu não era igual aos outros. Eeu não queria ser diferente, queria ser igual mesmo. Igual… igualzinha. Diferente dá mais trabalho, diferente não aprende, diferente não é bonito

    E foi assim que eu descobri que dentro de mim morava um sentimento que eu jamais havia ousado pensar que tinha: pré-conceito.

    E não foi fácil lidar com o pré-conceito. Com o meu próprio e dos outros. Cada pessoa ao saber da notícia tinha uma reação. Teve gente que vibrou, teve gente que disse “Graças a Deus”, teve gente que disse “Tadinha”, teve gente que chorou, teve gente que fez aquela cara de “que chato!”. É difícil mesmo! Diferente é… diferente! As pessoas não reagiriam da mesma forma.

    Hoje, essas reações se tornaram para mim
    apenas parte da história.
    Nem boas, nem ruins… apenas parte.

    Comecei a ler um pouco, estudar um pouco, aprender um pouco. Quanta coisa que eu jamais imaginaria. Procurei pelos profissionais que me dariam respaldo, em primeiro lugar, na saúde de Sofia. Com 1 mês ela começou com fisioterapia. Sou grata a essa profissional que me abriu os olhos e o coração. Ela me apresentou a Síndrome de Down de forma simples, real, sem o glamour que a mídia propõe e sem o terror que a falta de informação impõe. Simplesmente minha Sofia nasceu com uma síndrome, descoberta há muitos anos por um pesquisador de sobrenome Down, que além de alterações físicas características, registra também dificuldade motora e de aprendizagem, também denominadas como “desenvolvimento prolongado”, o que significa que cada fase do desenvolvimento de Sofia será maior, ou seja, ela precisará de mais tempo do que as outras pessoas para chegar aos resultados. Em resumo… Sofia é diferente!

    Diferente assusta muito! Realmente há a necessidade de uma grande dedicação da família do Down, pois as demandas são grandes. Atendimentos especializados, dietas específicas, estimulação, vacinas e medicamentos. Tudo para promover uma melhor qualidade de vida. E, na verdade, a pessoa que nasceu com Síndrome de Down aprende! Não como as pessoas comuns, mas pode aprender a ler, escrever, fazer contas e, em alguns casos, até cálculos complexos, pode conhecer as pessoas e o mundo à sua volta. Pode se reconhecer como cidadão e zelar pela própria vida. A palavra persistência deve ser vivenciada diariamente. Há muitos casos de empenho e superação que fortalecem e dão esperança. Acima de todos os meus primários pré-conceitos, o diferente é bonito! O diferente encanta e conquista todos a sua volta, além de expressar seus sentimentos como todo mundo faz.

    Sofia tem me ensinado que na adversidade a gente pode encontrar a unidade. Sim! Sou apenas uma! Mas uma que tem aprendido a ter coragem para enfrentar alguns medos, fazer concessões, criar novos caminhos. Sou uma nova pessoa ou uma pessoa renovada. Estou aprendendo também a ser melhor mãe para minhas outras duas filhas.

    Estou aprendendo que o diferente é especial.
    Não especial por ser melhor,
    mas é especial porque não é comum.

    Minha filha número 3 cresce e se desenvolve cheia de graça! É uma criança forte, serena e muito amada. Ela significa para mim a oportunidade do amor crescente, de amar cada dia um pouco mais. E ela se preocupa com isso? De jeito nenhum. Foi agraciada com leveza de alma, com ternura constante… ela é apenas Sofia! Sofia que acompanha os movimentos com os olhos e com a cabecinha, que balbucia grandes onomatopeias às 5 da manhã, que admira as mãozinhas, que chora quando sente fome. Já aprendi muito com ela! A sabedoria se constrói dia-a-dia em minha vida de forma tão evidente que quase posso tocá-la. Sinto a grandeza e a generosidade divina. Peço forças pois há ainda muito a fazer. Enquanto isso, Sofia sorri. Um sorriso lindo, inteiro, grandioso… como se soubesse de um segredo que eu ainda não sei.”

    • Depoimento dado à Canguru em 2018.

     


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