As crianças hemofílicas e os obstáculos de apoio nas escolas

Apesar de rara, doença deve ser acompanhada e diagnosticada o quanto antes, ainda durante a infância; especialistas esclarecem dúvidas sobre tratamentos e enfatizam cuidados

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Menino sentado, com aparência de dor e joelho ralado
Especialistas explicam sobre a hemofilía, rara condição, responsável pelo excesso de sangramentos em crianças
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A hemofilia, doença conhecida por intensos sangramentos em áreas de machucados, cortes e ferimentos, é causada por uma desordem no sistema de coagulação do sangue. Duas proteínas específicas,  os fatores de coagulação XVIII e IX, que tem objetivo de conter um sangramento, formando a conhecida “casquinha” nos machucados, não estão presentes em quantidade suficiente. A falta das proteínas é responsável pela dificuldade no estancamento de sangramentos, podendo levar, em casos mais graves, a hemorragias. 

A pesquisa “Um retrado da hemofilia no Brasil”, realizada pela Editora Abril em parceria com a Roche e a Federação Brasileira de Hemofilia (FBH), apontou que apenas 4% das instituições de ensino brasileiras contam com profissionais capacitados para socorrer e acompanhar os alunos com hemofilia, incluindo relatos de rejeição da matrícula quando a doença e suas dificuldades são mencionadas. 

A partir de uma apuração feita entre cuidadores de crianças e adolescentes de até 16 anos portadores da doença no Brasil, concluiu-se que 98% desses pacientes encontram dificuldades no tratamento do quadro. Segundo os cuidadores que responderam ao levantamento, esses impactos são sentidos nos aspectos mais cotidianos da rotina familiar, como o trabalho e a escola.

Metade dos responsáveis precisaram interromper a vida profissional para acompanhar o paciente, enquanto 9% chegaram a perder o emprego devido às ausências ligadas a esses cuidados, o que afeta diretamente a renda familiar. Além dos cuidados intensivos requeridos, os familiares alegam não se sentirem totalmente seguros em deixar as crianças aos cuidados da escola.

Um terço dos cuidadores afirmaram que precisam levar a criança ao menos uma vez por mês ao hemocentro, enquanto 14% levam semanalmente. Além disso, 58% passam mais de uma hora em deslocamento da casa da criança até o centro médico, e a visita não costuma ser curta: dois terços dos cuidadores passam entre 1 e 3 horas no hemocentro, o que também impõe dificuldades na adesão ao tratamento. Os hemocentros, locais especializados na coleta, processamento e preparação do sangue, somente passaram a distribuir a reposição dos fatores coagulantes no Brasil a partir dos anos 90, quando o tratamento passou a progredir muito.

Como reconhecer uma criança hemofílica? 

De acordo com Miriam V. Flor Park, presidente do Departamento Científico de Hematologia e Hemoterapia da Sociedade de Pediatria de São Paulo, a hemofilia é principalmente caracterizada por diversos tipos de sangramentos, que variam de acordo com as faixas etárias. “Podem ser sangramentos externos (onde vemos o sangue), em órgãos internos ou sangramentos da pele (conhecidos como hematomas e equimoses). Quanto à intensidade, podem ser desde sangramentos espontâneos até sangramentos causados por traumas leves, desproporcionais à lesão ocorrida ou até mesmo sangramentos mais graves.”

Entre os principais sintomas da hemofilia em crianças estão: sangramento anormal com a queda do coto umbilical do recém nascido, hematomas anormais nos locais de aplicação de vacinas ou injeções, hematomas e equimoses em diversos locais, sangramento do nariz (epistaxe), sangramento na gengiva (com escovação dos dentes, erupção dos dentes ou tratamento dentário), sangramento nas articulações, hematomas musculares e hemorragias graves. 

Letícia Marcorin, Doutora em Genética pela Universidade de São Paulo (USP), explica a importância de um diagnóstico precoce. “É a partir do diagnóstico que o tratamento e acompanhamento de cada paciente é definido, por isso quanto mais cedo for diagnosticado, melhor. Como a hemofilia apresenta sintomas desde a infância, o ideal é que o diagnóstico seja feito na fase neonatal. A hemofilia ainda não é triada no Teste do Pezinho disponível pelo SUS, mas pode ser investigada em testes de triagem neonatal genética.”

Se uma família já tem pessoas com o diagnóstico de hemofilia, e a mãe é portadora, explica a médica, “pode ser feita uma orientação com o hematologista antes mesmo de o bebê nascer, e tudo pode ser preparado para o parto e nascimento”. Segundo a médica, os cuidados, as medicações e vacinas são pensadas para aquela pessoa em especial.

“Se não há diagnóstico de hemofilia na família, qualquer sangramento anormal deve ser investigado. Aqui falamos em diagnóstico precoce, em bebês e crianças, porque a doença pode se manifestar logo após o nascimento, e está presente no decorrer da vida. É nossa obrigação proteger e cuidar das nossas crianças desde a gestação, o nascimento e por toda a infância e adolescência”, completa Miriam Park. 

Doença é rara

A Federação Mundial de Hemofilia (WFH) estima que, em território brasileiro, 1 em cada 16 mil habitantes seja hemofílico, o que faz com que a doença possa ser considerada rara. Ela é dividida em 2 tipos (A e B) e 3 categorias (leve, moderada e grave). O tipo A é caracterizado pela deficiência do fator XVIII de coagulação do sangue, enquanto o tipo B, que corresponde a 80% dos casos no Brasil, se dá pela deficiência no tipo IX. Segundo dados do Ministério da Saúde, existem 13 mil hemofílicos no Brasil, fazendo com que o Brasil possua a quarta maior população de hemofílicos no mundo. 

Meninos são maioria dos doentes

A hemofilia atinge, em sua maioria, indivíduos do sexo masculino. Em 70% dos casos, a doença é transmitida pelo cromossomo X, portado pela mãe. Isso acontece porque os homens recebem um cromossomo X da mãe e um cromossomo Y do pai, de maneira que, se o X estiver comprometido, a doença se manifestará. Já as mulheres recebem um cromossomo X da mãe e um cromossomo X do pai, o que faz com que elas sejam apenas portadoras da doença. Para que o quadro se manifeste em mulheres, a mutação deve estar localizada em ambos cromossomos, o que é muito raro. 

As mulheres hemofílicas tendem a ser assintomáticas e, quando portadoras dos sintomas, manifestam quadros mais brandos, quando comparadas aos homens. Nesses casos, a menstruação tende a ser intensificada, com possibilidade de tratamento para inibição. Vale ressaltar que hemofílicas podem sim engravidar, mas com a necessidade de acompanhamento especializado e constante, principalmente durante o parto, com auxílio de reposição dos fatores coagulantes antes e depois. 

Tratamentos 

Apesar de não ainda não ter sido descoberta uma maneira de curá-la, o tratamento ao longo dos anos evoluiu bastante. Ele consiste na orientação das famílias para a prevenção e tratamento dos episódios hemorrágicos e suas complicações, com consultas periódicas multiprofissionais. Os pacientes, desde a descoberta da doença, devem ser acompanhados por centros especializados em coagulopatias hereditárias.

“O tratamento da hemofilia tem como principal pilar a reposição do fator da coagulação deficiente. A administração dos fatores pode ser realizada de duas formas: por demanda e por profilaxia. O tratamento por demanda é realizado quando já existe um sangramento ativo. O tratamento profilático é aplicado para prevenção do sangramento, seja antes de um procedimento invasivo, seja de maneira regular, para manutenção de nível plasmático que minimize os riscos de sangramento espontâneo ou de pequenos traumas. Esta modalidade de tratamento visa o desenvolvimento da criança sem sequelas articulares pois evita a evolução para a artropatia hemofílica”, explica Altamir Filho, médico hematologista do Hospital HSANP. 

Miriam Park destaca a importância da prática de esportes, mesmo entre os pacientes hemofílicos: “Na infância, e principalmente na adolescência e fase adulta, deve-se reforçar e estimular a prática de esportes com orientação adequada. Como exemplos, deve-se estimular a prática de natação, ginástica, ciclismo, caminhada, alongamentos, ioga, musculação e fazer orientação adequada sobre medidas de prevenção e controle de traumas. No caso da hemofilia, não são recomendadas atividades de impacto, com risco de trauma, como por exemplo, esportes de quadra e lutas.”


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