Especialistas apontam 4 questões pouco esclarecidas sobre a volta às aulas presenciais

Especialistas afirmam que o MEC demorou a se posicionar quanto à reorganização para a reabertura das escolas e dizem que documento recém-lançado deixa dúvidas em certas questões

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O Ministério da Educação (MEC) apresentou, nesta quarta-feira (7), um documento com recomendações para a volta às aulas, que deve servir de norte para Estados e municípios no planejamento da reabertura das escolas. O guia foi elaborado, segundo o MEC, com base em orientações de organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), e de entidades nacionais de educação.

O guia reúne normas técnicas de segurança em saúde e recomendações de ações sociais e pedagógicas a serem observadas pelos integrantes da comunidade escolar. Um dos destaques é quanto ao uso de uma tabela de cores para indicar a intensidade da transmissão da Covid-19 na região, que as secretarias estaduais e municipais de educação devem ter como referência para a reabertura (ou não) das escolas.

Locais com casos esporádicos de covid-19, por exemplo, são indicados pela cor verde, o que permite a volta às aulas presenciais com a implementação de medidas de prevenção e controle da Covid-19. Já se há casos de transmissão local, restrita a regiões especificas, a cor amarela indica que as escolas podem reabrir com a ressalva de que serão fechadas ao surgirem novos casos da doença. Se a região apresenta transmissão comunitária, cai na cor vermelha e é preciso fazer avaliação de risco para reabrir as escolas, as quais serão fechadas se o número de casos de coronavírus aumente.

O uso obrigatório de máscaras, a garantia de um distanciamento mínimo de um metro entre os alunos, o uso de equipamentos de proteção individual para os profissionais de ensino e a adoção de regimes de revezamento de equipes, para diminuir a circulação de pessoas também constam do documento, que está disponível no site do MEC. 

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Entre as medidas pedagógicas, o documento fala em retorno gradual e possibilidade de cumprimento da carga horária mínima do ano letivo em curso no ano subsequente, para cumprir os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento previstos. “Recomenda-se trabalhar na perspectiva do que seja considerado essencial em termos de aprendizagem, de acordo com o contexto de cada escola, de cada série ou até mesmo de cada turma”, afirma o guia do MEC.

A decisão, porém, quanto às medidas a serem adotadas, cabe às autoridades locais. “Cumpre ressaltar que a decisão de retorno às aulas presenciais deve ser tomada pelos governos subnacionais de acordo com orientação das autoridades sanitárias locais para um retorno seguro.”

Para educadores e especialistas, o documento não deixa claro, por exemplo, quanto a como lidar com as defasagens e as crescentes desigualdades de ensino. Recentemente, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, declarou ao jornal O Estado de S. Paulo que a condução da volta às aulas e as desigualdades de acesso a internet e equipamentos era atribuição dos Estados e municípios, e não do MEC.

Especialistas que acompanham as discussões sobre a organização para a reabertura das escolas afirmam que o MEC demorou a se posicionar – a maioria dos Estados e municípios já vem implementando protocolos próprios. Além disso, os especialistas apontam ao menos quatro aspectos essenciais na preparação da volta às aulas presenciais, em âmbito nacional – e, portanto, na alçada do MEC -, e que estão ausentes (ou pouco detalhados) no protocolo do ministério, segundo revela reportagem realizada pela BBC Brasil.

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4 questões que levantam dúvidas no guia do MEC, segundo especialistas

1. Acolhimento a professores e alunos e orientações para reorganização das aulas

Diversos protocolos internacionais destacam a importância do acolhimento emocional a professores e alunos quando da volta às aulas presenciais. O guia do MEC, porém, embora cite os impactos do isolamento na aprendizagem, não traz orientações específicas sobre como dar esse acolhimento. “Isso para que a volta às aulas não seja mais um trauma” em meio à pandemia, diz à BBC Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Para Anna Helena Altenfelder, superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), é preciso orientar melhor os professores e as escolas para que refaçam seu planejamento pedagógico, de modo a conseguir lidar com as possíveis diferenças de aprendizado nas turmas.

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2. Desigualdades de estrutura escolar e de aprendizado

A pandemia acentuou as profundas desigualdades educacionais do Brasil, prejudicando principalmente os estudantes mais carentes e de redes menos estruturadas. Não à toa, professores dessas redes com piores condições resistem a voltar às escolas. O MEC prometeu destinar R$ 525 milhões para 117 mil escolas adquirirem itens de segurança sanitária e realizarem obras de adequação ao contexto pandêmico. Mas o guia do MEC não traz muitas informações quanto a como reduzir essas diferenças e garantir o retorno seguro.

“O impacto de um retorno acelerado às escolas para população de renda mais baixa pode ser avassalador”, afirm Cara. “Porque o conteúdo se recupera. Mas o impacto de uma (eventual) morte (na família de alunos e professores) é irreversível.”

“É o momento de se criarem políticas públicas de recuperação de aprendizagem, políticas que ajudem no diagnóstico (dos diferentes estágios de ensino) e na formação e incentivo de professores” para lidar com essa realidade, opina Altenfelder.

3. Vínculo e evasão

Cansados e desanimados com as aulas online, muitos alunos têm perdido o vínculo com os professores e, sem ver sentido na escola, correm risco de abandonar os estudos. Essa percepção, inclusive, foi comprovada por estudos como o feito em julho pelo Datafolha para as fundações Lemann, Itaú Social e Imaginable Futures que ouviu pais ou responsáveis de 1.556 estudantes de escolas públicas do país e confirmou esse cenário em mais de um terço dos casos. Para evitar esse cenário, especialistas destacam a necessidade de investimento em políticas públicas.

“O aluno não desaprendeu conteúdo, mas o aprendizado ocorre quando tem sentido e quando tem vínculo (entre aluno e professor), e o desafio da volta às aulas é garantir uma nova forma de aprender”, opina Daniel Cara.

4. O ensino híbrido

Para evitar aglomerações nas salas de aula e seguir os protocolos de segurança que indicam o atendimento de até 35% dos alunos num primeiro momento, as escolas terão de fazer um revezamento entre os alunos.

O Conselho Nacional de Educação, autarquia vinculada ao MEC, aprovou na terça-feira (6/10) uma resolução em que permite o ensino remoto na educação básica até o fim de 2021. Isso quer dizer que redes e escolas podem substituir as aulas presenciais pelas online, ou combinar ambas num sistema híbrido de ensino. Neste caso, será preciso se preparar para manter uma oferta de qualidade.

“O governo federal precisa ajudar os municípios no investimento para a digitalização. O tempo de ensino em casa vai continuar a existir, e vai ser muito importante para os alunos sem recursos ter equipamentos e conectividade”, diz Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (Ceipe) da FGV.

Sobre o tema, o texto do MEC cita a necessidade de estruturar o ensino híbrido para os alunos de anos finais, para ajudá-los a alcançar a etapa seguinte de ensino.

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