Por Vanessa Selicani/Metro Jornal – “Os Invisíveis” é aquele tipo de leitura infantil que acerta em cheio os presunçosos adultos. A obra traz uma verdade quase que universal: as crianças conseguem ver muito além das aparências. E nós, adultos, abrimos mão dessa habilidade em diversas situações.
É esse super poder que faz minha filha de um ano e meio cumprimentar o morador de rua todas as manhãs ou sair correndo para ver o entregador de gás no portão. E não são raros os pequenos apaixonados pelo ofício e trajes dos coletores de lixo ou os que sonham em ser caminhoneiros.
A obra lançada pela Companhia das Letrinhas neste mês explora esse dom infantil que acaba se perdendo com o crescimento.
Nos desenhos delicados e cheios de riscos do ilustrador Odilon Moraes, os invisíveis aparecem sem os rostos e são varredores, porteiros, moradores de rua, idosos e até as próprias crianças. O personagem principal dessa história perde a disputa dos olhares dos pais para celulares e computadores. Que família durante a pandemia não se viu consumida pelo online?
A história contada pelo autor Tino Freitas, colunista da Canguru News, faz o garoto crescer e, como todos os outros adultos, também esquecer que já teve o superpoder de ver os invisíveis. Nas últimas páginas, ele é um idoso e toma a vez novamente da invisibilidade. “Desejamos que, ao entrar na dança dessa leitura, vocês possam encontrar mais que uma boa história: descubram-se superpoderosos. E dancem com empatia, teimosia e esperança”, convida Freitas.
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Você acredita que a pandemia deu mais “visibilidade” aos invisíveis?
Infelizmente, não acho. Ao contrário do sentimento de fraternidade que vemos crescer nessas situações difíceis, assisto a sociedade se polarizando em vários assuntos. O extremismo, ao meu ver, é uma cegueira ao diferente.
O que nos leva a perder o poder de “ver”?
Não tenho a resposta. Talvez seja diferente com cada um. Às vezes, é a dureza do cotidiano. Às vezes, é o desprezo pelo outro. Às vezes, é o medo do diferente. Às vezes, é a falta de afeto. E muitas das vezes é de tudo isso um pouco e por isso devemos atentar para nossas atitudes. Esse livro não traz respostas, mas faz perguntas a cada um de nós.
Quais as consequências de quando crianças não são vistas?
Nossa existência como indivíduo se dá a partir do olhar do outro. Isso quem diz não sou eu, mas [Donald] Winnicott [pediatra inglês]. Para ele, o olhar da mãe vai possibilitar que seu filho se veja como outro para além dela. Seu olhar é o sopro da separação necessária. Crianças não vistas não nascem para o mundo. A invisibilidade é a negação da existência.
De que forma a falta de cores conversa com o tema?
Tino [Freitas] e eu decidimos muitas coisas em conjunto, algo saudável para esse tipo de livro que depende do entrosamento fino entre palavras e imagens. Achamos que o preto e branco colocaria atenção maior do leitor na narrativa. Seus olhos deveriam focar no que não vê (os invisíveis) e o excesso de cores poderia dispersar o leitor e enfraquecer esse propósito. Há uma escolha em nunca mostrar os invisíveis nas imagens enquanto o texto se refere ao poder (do menino) de vê-los. Essa decisão coloca o leitor no lugar de quem não enxerga. Isso nos faz contemplar a narrativa pelo lado não da criança, mas do não-herói da história que, no fundo, somos todos nós.
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