Por Catarina Ferreira e Gabriela Willer – Há quem diga que ser pai ou mãe é algo instintivo mas, na prática, a rotina é bem diferente. A chegada de uma criança marca o início de uma jornada cheia de desafios, e, para lidar com a complexidade do processo de criação, é preciso estudar e entender a relação que existe entre pais e filhos. Essa, aliás, é a função da educação parental, que busca alternativas para construir um vínculo duradouro e saudável com as crianças, atendendo suas necessidades de desenvolvimento.
A educadora parental, Telma Abrahão, biomédica de formação, afirma que educar é uma atividade complexa, que envolve muitas áreas do desenvolvimento humano. Para a especialista, “É importante buscar conhecimento para educar as crianças de forma mais respeitosa, que desenvolva bons seres humanos e principalmente para se re-educar emocionalmente, pois, como pais, sempre seremos o principal exemplo delas.”
Abrahão está à frente da Positive Parenting Education, escola especializada para pais localizada na Flórida (EUA). A especialista chama atenção para a potencialidade que a educação parental tem de conscientizar os pais sobre a existência de ciclos comportamentais negativos, que a longo prazo podem prejudicar o desenvolvimento emocional das crianças.
“Muitas atitudes como cobrar obediência cega e castigos, e que já sabemos que não funcionam a longo prazo, seguem sendo replicadas de geração em geração. Quando os pais compreendem as razões que os levam a agir assim e aprendem novas formas de reagir aos desafios comportamentais dos filhos, tudo começa a mudar para melhor na relação.” afirma a especialista.
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Ao redor do mundo
A educação parental é objeto de inúmeras pesquisas em diversos países, e não é de hoje. Um dos estudos pioneiros sobre o tema, surgiu na Áustria e foi levado para os Estados Unidos pelos austríacos Alfred Adler, psicólogo, e Rudolf Dreikurs, psiquiatra e educador, em meados da década de 1920. A dupla trouxe avanços significativos para entender o comportamento infantil, sob a ótica do sistema de psicologia individual – que busca compreender a causa de ações vistas como mau comportamento para estimular a cooperação das crianças, sem que os pais ofereçam castigos ou recompensas em troca.
Adler defende que o melhor é tratar a criança com respeito, e argumenta que mimar as crianças não as encoraja e resulta em problemas sociais e comportamentais. Dreikurs, por sua vez, estudou essa abordagem aplicada em sala de aula, em Viena também nos anos 1920, mas foi na década de 1930 que seus estudos chegaram aos EUA. Dreikurs e Adler referem-se à abordagem gentil e firme no ensino das crianças como “democrática”.
Desde então, os estudos da dupla cresceram e frutificaram. O conceito adleriano, como ficou conhecido o conjunto de estudos de Alfred Adler, serviu como base para uma série de pesquisas sobre parentalidade.
Os estudos dos americanos a seguir são exemplo disso. Em seus livros, o educador Daniel Siegel defende uma educação sem medo e humilhação. A psicóloga e autora Carol Dweck acredita na capacitação das crianças através de seus erros e suas tentativas. Já o autor Daniel Pink concorda com Adler no quesito da auto-realização, que para ele, é composta de três fatores motivacionais: a autonomia nas próprias escolhas, a maestria em querer evoluir e o propósito em fazer parte de algo maior que sua existência.
No vídeo abaixo, 15 especialistas falam sobre a importância da educação parental para as famílias, escola e sociedade.
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Outro modelo importante de educação parental é o flexivo, desenvolvido pelo, psicólogo americano Carl Rogers, entre as décadas de 1940 e 1980. O pesquisador, traz uma abordagem humanista, que busca a escuta ativa para compreensão e aceitação dos sentimentos das crianças.
Na década de 1970, a teoria comportamental desenvolvida por Thomas Gordon (psicólogo) também trouxe grandes contribuições para a educação parental. Gordon afirma que o comportamento das crianças também é moldado pelo local em que estão inseridas. Então, as técnicas ensinadas para os pais visam controlar uma conduta inadequada dos filhos.
Os estudos sobre parentalidade formam um alicerce para a criação de programas de educação parental, que visam instrumentalizar pais e educadores para lidar com a complexidade do comportamento infantil. Nos países europeus esses programas surgiram a partir da orientação da organização internacional da União Européia, ChildONEurope, que alertou sobre a responsabilidade do Estado em adotar políticas públicas.
Em Portugal, a fundadora da Escola da Parentalidade e Educação Positiva, Magda Gomes Dias, afirma que o mundo mudou, logo a forma como nos relacionamos também. O modelo autoritário que os pais tiveram quando crianças não cabe mais e por isso muitos buscam por ferramentas novas de criação dos filhos. Para Magda, a parentalidade positiva é um caminho de equilíbrio educacional, entre o autoritarismo e a permissividade que proporciona, além de ferramentas, uma maneira de pais e profissionais se reinventarem, trazendo novos desafios e questões para sí. Sendo assim, a parentalidade não trabalha apenas técnicas, mas essencialmente a pessoa, trazendo-lhe autoconhecimento e uma nova construção de si mesma.
Outro português, o psicólogo e educador parental Bruno Braz afirma que a implementação de programas de educação parental é um desafio, pois exige tempo e dedicação, tanto dos profissionais quanto das famílias.
“Em Portugal, implementar esses programas é uma tarefa complexa, em que se deve ter em conta, vários aspectos” afirma o psicólogo. Entre eles, Braz aponta a disponibilidade dos membros do núcleo familiar – quanto ao tempo e horário das sessões – e a dificuldade de oferecer atendimento personalizado a cada família. No entanto, o especialista ressalta que a abordagem traz inúmeros resultados positivos pois permite a criação de um programa com um “conjunto de atividades educativas e de suporte que ajuda pais, ou futuros pais, a compreenderem suas próprias necessidades sociais, emocionais, psicológicas e físicas e as dos seus filhos, aumentando assim a qualidade das relações entre eles.”
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No cenário brasileiro
O aconselhamento e atendimento aos pais para uma educação mais efetiva já era realizado por psicólogos, neurocientistas, educadores e médicos. O movimento de educação parental surgiu através de pessoas isoladas fazendo seus estudos em meados dos anos 2000, mas a nomenclatura passou a ser adotada por volta de 2010.
Um dos modelos mais conhecidos de educação parental no Brasil é a Disciplina Positiva – uma educação respeitosa, não punitiva e nem permissiva. Desenvolvido pela estadunidense Jane Nelsen (psicóloga), que publicou o livro Positive Discipline, em 1981. Nelson, junto da autora Lynn Lott colaboraram no livro Positive Discipline for Teenagers,sete anos depois e, desde então, passaram a ensinar suas habilidades parentais.
Reconhecida pela Positive Discipline Association, organização sem fins lucrativos que visa promover a Disciplina Positiva, Bete P. Rodrigues é uma das pioneiras em Disciplina Positiva, no Brasil. Seu primeiro contato com o modelo parental foi em janeiro de 2008, quando esteve em Los Angeles (EUA), estudando essa e outras abordagens socioemocionais. “Logo percebi que a Disciplina Positiva me seria útil não apenas como profissional da educação, mas principalmente como mãe e madrasta”, comenta Rodrigues que, na época, tinha uma filha com 10 anos e enteados com 16, 17 e 18 anos. De lá para cá, ela se tornou trainer em Disciplina Positiva para pais, reconhecida pela Positive Discipline Association (da qual é membro), e coach pelo ICI (Integrated Coaching Institute), especializada em atendimento de pais, psicólogos e educadores. Bete também foi responsável pela co-tradução para o português de diversos livros sobre Disciplina Positiva, de autoria de Jane Nelson e especialistas como Lynn Lott, tendo um papel importante na disseminação dessa abordagem socioemocional no país.
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A associação Brasileira de Disciplina Positiva, da qual Rodrigues é membro, foi fundada em 2018. A organização promove workshops, cursos, palestras e eventos relacionados à Disciplina Positiva e conta, hoje, com 251 afiliados, tendo certificado mais de dois mil educadores. Rodrigues acredita que essa popularização se deve ao fato de ser uma abordagem prática, com uma quantidade grande de livros traduzidos e cuja certificação internacional em educação parental é de curta duração.
Já a coach parental Jacqueline Vilela, certificada internacionalmente em parentalidade consciente e em coaching para pais, passou a aplicar seus conhecimentos em 2015, e no ano seguinte fundou a Parent Coaching Brasil. “A intenção maior do coaching parental é dar estrutura sólida para que as famílias sejam capazes de ter as suas próprias respostas e não apenas seguir determinados modismos ou fórmulas feitas por terceiros” diz Jacqueline.
A Parent Coaching Brasil oferece suporte aos pais e também forma profissionais. Por ser um curso online, já certificou mais de cinco mil alunos, no Brasil e no exterior. A instituição possui formação completa em Coaching Parental (Expert), além de certificações mais específicas para nichos como o Teen, o Escolar e o Vocacional. Também certifica profissionais que queiram trabalhar com grupos de pais. “Nossa missão é transformar as relações familiares de forma positiva e duradoura, contribuindo para a construção de uma geração mais conectada com os seus valores e propósitos”, relata a coach.
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Mudanças educacionais entre pais e filhos
Muitos de nós ouvimos que uma boa educação era aquela em que os pais não precisavam dialogar, bastava um olhar para que os filhos entendessem o chamado. Uma mistura de respeito, medo da repressão ou até mesmo das temidas palmadas, vistas como forma de educar.
Isa Minatel, psicopedagoga e autora dos livros “Crianças Sem Limites” e “Temperamentos Sem Limites” relata que no cenário brasileiro, há alguns anos, a maior preocupação das famílias era a sobrevivência. Ou seja, prover aos filhos o básico, como alimentação e saúde.
Esse cenário causou traumas em muitos adultos, experiências que ficam armazenadas em um nível inconsciente. De acordo com a educadora parental, Telma Abrahão, os reflexos disso são vistos até hoje, pois muitas pessoas não percebem que estão agindo de forma automática, repetitiva e negativa com os filhos. “Isso ocorre devido a acontecimentos desagradáveis que aconteceram durante a infância do adulto.” completa a especialista.
A psicologa paulista Mariane Brito comenta que a punição corporal, justificada como “disciplina familiar” é na realidade, um abuso silencioso que vai humilhando e traumatizando a criança, o que pode causar sequelas irreversíveis. Entre elas, isolamento, sentimentos negativos, baixa autoestima, baixo rendimento escolar, aumento da agressividade e relações piores com os pais. “Pais que passaram por situações traumáticas na infância são mais propensos a terem consequências intergeracionais no comportamento e saúde mental dos filhos.”, diz Brito.
No Brasil, em 26 de junho de 2014, foi sancionada a Lei nº 13.010, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proibindo o castigo físico contra a criança e o adolescente pelos pais ou responsáveis, conhecida como a Lei do Menino Bernardo. Bernardo foi morto aos 11 anos pelo pai que aplicou na criança uma superdosagem de Midazolan – medicamento sedativo indicado no tratamento de distúrbios graves ou incapacitantes.
Minatel acredita que agora os pais começam a se preocupar em também oferecer uma qualidade de vida emocional, mental e espiritual para as crianças. “Eu entendo que a educação parental entra nesse lugar e por isso é tão importante. Para olhar para a criança como um todo e não como corpo físico.” comenta a palestrante.
Ela aponta para um grande crescimento da educação parental e se preocupa com a seriedade com a qual o tema será abordado. “Muita gente está se aperfeiçoando das ferramentas, sem entender a teoria. As pessoas estão querendo conseguir a obediência sem a conexão com elas”, diz a autora e mãe do Petrus, 9 anos.
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