Debates sobre política invadem escolas e se tornam desafio para professores

Para especialistas, a temática está presente no dia a dia das crianças de diferentes maneiras e é possível promover debates sem entrar em brigas partidárias

413
Aluna em sala de aula levanta o braço
Votações em sala de aula para decidir a brincadeira ou a leitura do dia são maneiras de ensinar valores democráticos às crianças | Foto: depositphotos.com
Buscador de educadores parentais
Buscador de educadores parentais
Buscador de educadores parentais

Em época de eleições, em que as campanhas e os embates políticos dominam os noticiários e as discussões entre amigos e familiares, as crianças não ficam alheias ao tema e tendem a reproduzir na escola os debates que ouvem por todos os lados. 

Mesmo nas salas de aulas dos menores, que ainda não estão alfabetizados, professores dizem ver os alunos fazendo gestos de arminha ou do L com os dedos, revelou reportagem da Folha de S. Paulo. Já nas turmas dos mais velhos, os alunos querem saber para quem vai o voto dos docentes. Pesquisas informais entre as próprias crianças, para saber para qual candidato torcem, e grupos que cantarolam os singles das campanhas também têm sido vistos e ouvidos em instituições de ensino.

Em uma escola da capital paulista, duas meninas contaram à reportagem que estavam no recreio cantando uma música a favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quando foram interrompidas por uma colega que disse não gostar do petista. Outros dois meninos discutiam sobre a atuação do presidente Jair Bolsonaro (PL). Um dos garotos contou ao jornal que ele e seu pai gostam do presidente porque ele não obrigou as pessoas a tomarem vacina contra Covid ou a usarem máscara, e disse que nem ele nem seus pais se vacinaram, porque o “presidente não é mandão”. Logo em seguida, outro menino saiu em defesa da vacina e disse que eles só puderam voltar para a escola porque a população foi imunizada.

Apesar do interesse e envolvimento das crianças na temática, muitos pais acham que política não deve ser tema de discussões infantis, principalmente na escola. Especialistas da área, porém, discordam dessa opinião.

“Crianças são seres políticos e, portanto, têm direito de se manifestar. Quando digo que elas são políticas, quero dizer que elas têm opiniões, vontades e preferências que podem ser individuais ou refletir os valores de seus pais ou de quem convive com elas”, diz Danila Zambianco, que pesquisa relações interpessoais na escola, na Faculdade de Educação da Unicamp, em matéria publicada pela Folha.

A educadora explica que a origem da palavra política remonta à participação na comunidade e querer apartar as crianças do assunto é privá-las de fazer parte dessa coletividade.

Para ela, é importante que as crianças sejam apresentadas a uma ideia de política diferente da que habitualmente veem entre os adultos, já que elas aprendem pelo exemplo.

Segundo Zambianco, é natural que as crianças imitem gestos e falas que veem os adultos fazer, mesmo que não as compreendam. “A escola e os pais precisam ensinar que elas precisam conviver e respeitar o coleguinha que pensa diferente. E que há formas de se manifestarem sem violência e intolerância.”

A cientista política Débora Thomé lembra que há várias situações na escola em que as crianças exercem seu papel político, por exemplo, quando escolhem um representante de turma, quando pedem para ampliar o horário do recreio ou querem ir ao parquinho. “Mostrando essas situações cotidianas das crianças, podemos explicar a elas coisas mais complexas, como participação e representação política, o que é uma democracia ou uma ditadura”, diz a especialista ao jornal.

Ela e o também cientista político Lucio Rennó são autores do livro ‘Dicionário Fácil das Coisas Difíceis’ (Editora Jandaíra), que explica política para crianças. Na obra, os partidos políticos são tratados como uma união de pessoas com os mesmos interesses e valores, como crianças que gostam de brincar da mesma coisa.

“Política é de fato um tema complexo, mas podemos fazer associações com situações cotidianas que as crianças conhecem. A partir do interesse e curiosidade delas, é possível aumentar a complexidade do que é falado”, relata Thomé. 

Os autores afirmam que incentivar a participação em situações cotidianas é uma forma de as famílias e as escolas ensinarem valores democráticos. Isso pode ser feito, por exemplo, em rodas de conversas, em que os pequenos aprendem a dialogar, respeitar o tempo de fala dos colegas e a argumentar de forma respeitosa quando divergem.

“O simples ato de criança levantar a mão para falar já mostra que ela está respeitando o tempo de fala do colega. É uma ação que muitos adultos não conseguem fazer”, disse Zambianco.

Votações em sala de aula para decidir qual será a brincadeira ou leitura do dia também são maneiras de ensinar as crianças a lidar com a frustração, já que nem sempre suas escolhas serão acatadas pelos colegas. Essas experiências permitem que as crianças possam lidar, mais à frente, com situações mais complexas, destaca Zambianco. 

Para as especialistas, é preciso cautela ao tratar de questões partidárias nas escolas, mas elas podem e devem falar sobre valores, ainda que estes se choquem com os das famílias. Daí a importância dos pais consultarem o projeto político-pedagógico ao escolher a escola dos filhos para avaliar se esse e outros aspectos estão em consonância com o que os pais pensam, explica Zambianco.

Em situações de grande disputa eleitoral, como a que enfrentamos agora, é importante que os professores avaliem como expor suas posições e questionar as preferências dos alunos.

“É natural que alunos, principalmente os mais velhos, queiram saber em quem os adultos votam. É uma forma de entender melhor quem convive com eles. Os professores devem avaliar se a turma terá maturidade para essa revelação”, analisa Zambianco.

Ela diz que os professores podem explicar que o voto é secreto e expor quais são seus valores, deixando que os alunos tirem suas próprias conclusões. “O professor nunca se desliga de quem ele é individualmente, isso não significa que ele estará sendo partidário.”

Como falar sobre política com as crianças 

Confira dicas de Andreia Aparecida de Castro, diretora do Marista Escola Social Irmão Lourenço, quanto a como ajudar os pequenos a compreenderem como a política está presente no dia a dia.

  • Para responder às perguntas dos pequenos sobre o assunto, evite dar detalhes ou conceitos abstratos. Procure responder apenas ao questionamento que foi feito, desenvolvendo-o de acordo com o interesse da criança de saber mais sobre o tema;
  • Evite usar muitos adjetivos, como “bom”, “ruim” ou “inútil”. Explique de forma clara e confie na capacidade do seu filho de tirar suas próprias conclusões. Assim, ele começará também a entender que tem o direito de pensar por si próprio;
  • Para facilitar a compreensão da temática, dê exemplos do cotidiano, de situações que a criança vivencia, como a forma como uma diretora coordena os processos escolares com intermédio dos professores, por exemplo, que é semelhante à relação entre o Poder Federal e o Poder Municipal. A manutenção de parques, centros culturais e outros serviços públicos também podem ajudar a ilustrar como as decisões políticas têm impacto direto no nosso dia a dia. 
  • Lembre que os pais são exemplo para os filhos, mais pelo que fazem do que pelo que dizem: estar entre pessoas que discutem o funcionamento da sociedade incentiva as crianças a desenvolverem pensamento crítico e contribuem com o seu desenvolvimento como cidadãos. Explicar os ideais políticos dos pais não é tão eficiente como quando eles os mostram em suas próprias atitudes.
  • Apesar do pensamento adulto ser visto como o padrão, as crianças têm sua própria forma de entender e pensar o mundo. Compreender e respeitar isso é importante para que elas se sintam seguras para continuar a explorá-lo.

LEIA TAMBÉM:

Gostou do nosso conteúdo? Receba o melhor da Canguru News semanalmente no seu e-mail.

DEIXE UM COMENTÁRIO

Por favor, deixe seu comentário
Seu nome aqui