Brigas na escola: o que fazer quando seu filho é um dos envolvidos

Para a educadora Sônia Vidigal, os adultos devem ensinar as crianças a solucionar os seus problemas, mas não resolver por eles

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Menina de mochila nas costas tampa rosto com a mão e amigos olham para ela na escola
Buscador de educadores parentais
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Quando as brigas se tornam frequentes na escola – e o filho está envolvido nelas – é natural que os pais fiquem preocupados. Mas é preciso ter em mente que os desentendimentos entre crianças, e entre adolescentes, são comuns e ocorrem das mais variadas formas: pode ser um xingamento ao colega, um empurrão, uma fala desrespeitosa ou o não cumprimento de combinados entre amigos. “Os conflitos são inerentes ao ambiente social e o que a gente precisa é buscar formas mais respeitosas de resolvê-los”, afirma Sônia Vidigal, mestre e doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP), especializada em relações interpessoais e construção da autonomia moral, e professora do curso de pedagogia do Instituto Singularidades.

Ela diz que com o aumento de famílias com filhos únicos, as brigas que antes ocorriam em casa, entre os vários irmãos, hoje, acontecem principalmente no espaço escolar. “Resolver o conflito não é uma coisa nata, é algo a ser aprendido, e ele é aprendido por meio de intervenções de adultos, que não vão resolver pela criança, nem tomar a decisão por ela, mas sim mediar e potencializar essas habilidades”, ressalta a professora.

Segundo Sônia, coibir os desentendimentos – proibir as crianças de trazer as figurinhas da Copa, por exemplo, porque isso causa briga – é uma postura que impedirá as crianças de se desenvolverem. “Se um aluno deu a figurinha e depois quis de volta, e isso provocou confusão, a escola tem aí uma oportunidade de trabalhar o conflito, para que os alunos aprendam a lidar com essas situações. A educadora conversou com a Canguru News sobre a importância da mediação de conflitos entre crianças, pelas famílias e pela escola. A seguir, destacamos os principais trechos da entrevista.

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Primeiro momento: acolher os sentimentos

“Tanto nas agressões físicas, quanto verbais, é preciso que os adultos auxiliem para que as crianças e os jovens aprendam a resolver suas questões. Existe um primeiro grupo de intervenções que são feitas em relação aos sentimentos. Num primeiro momento, é preciso acolher e validar os sentimentos das partes envolvidas. Esse acolhimento pode ser feito tanto na escola, na hora de uma mediação, quanto pelas famílias no momento em que a criança chega em casa contando sobre o fato. 

Vale portanto dizer frases como “Nossa, você deve ter sentido muita raiva, muita dor”, “Você está triste, né? Isso deixa a gente triste mesmo”. Esse não é o momento de fazer uma intervenção e sim de acolher. Às vezes, a gente tenta falar pelas crianças, mas em vez de falar, a gente tem que perguntar mais e repetir o que a criança falou para ela ouvir o que ela está falando.”

O sentimento e as reações que ele provoca 

“Às vezes, se a pessoa quebrou um brinquedo meu ou não me deixou entrar na brincadeira ou, pensando nos adolescentes, se fez chacota da minha aparência física, eu vou ter raiva. E o problema não está na raiva, o problema está no que eu faço com essa raiva . Não é porque tive raiva que eu vou lá e dou um soco no meu colega. Muitas vezes, a gente vai colocando a culpa num sentimento que essa criança, esse adolescente, não consegue controlar. Ele tem que perceber que o sentimento é válido – “puxa vida, dá uma raiva quando a gente quer brincar de uma coisa e não pode”, ou “dá uma raiva quando alguém chega e desfaz da sua aparência ou desfaz de alguma atitude que você teve”. 

Segundo momento: ajudar na resolução do conflito

“No momento do conflito precisamos prezar pela segurança, não vamos deixar duas crianças brigando, se agarrando, porque na hora do conflito a emoção não nos deixa pensar. Mas, passado esse momento, deve-se promover a resolução sem muita demora, principalmente no caso de crianças pequenas, da educação infantil e dos primeiros anos do fundamental, porque senão fica muito distante para elas – a mediação deve ser feita no mesmo dia ou no dia seguinte, dizendo frases como:

— Nossa, a gente fica triste, mas podemos fazer para resolver sem bater no outro?

— Você bateu? Resolveu?

— Na hora que você deu um soco no seu colega, será que seu colega entendeu o que te machucou? 

— O que você gostaria que ele fizesse para que você se sinta melhor?

— Como vocês acham que poderiam solucionar isso?”

Bateu, levou?

“Dizer à criança que ela tem que se posicionar não significa que ela tem de bater, caso tenha apanhado. Assim, a agressividade vai indo num crescente. Na hora que eu revido, acabo criando uma situação em que o outro vai querer revidar e isso é um círculo vicioso. A ideia é levantar perguntas e, não, dar a solução. Para crianças pequenas e/ou as maiores, que não estão habituadas com essas práticas, podemos dar duas opções ‒ e a vantagem desta medida é que estamos levando a criança a tomar uma decisão, a buscar uma solução para ela e, não, a ter uma atitude passiva de já querer receber a resposta pronta.” 

Formas de retratação

“O principal é que as partes queiram participar. O mediador não toma partido, fica isento. Claro que tem hora que é preciso sugerir a retratação, não de forma arbitrária, porque isso não ajuda, agora se a criança quebrou o brinquedo da outra, ela pode ajudar a consertar, ou ficar do lado de quem conserta, para ver o quanto é trabalhoso e mesmo perceber que não ficou igual ao inicial. A reparação também pode ser um pedido de desculpas, desde que isso tenha sido combinado entre as partes e não porque o adulto falou. Isso é o mais difícil, porque a gente tende a querer ajudar e acha que resolvendo por eles está ajudando, mas, na verdade, dessa forma, não está propiciando que essa pessoa se desenvolva e consiga resolver por ela mesma.” 

O que não dizer 

“Muitas vezes, a gente fala ao filho que ele não pode ter raiva do amiguinho. Essa frase tem duas questões. A primeira é que nem todo mundo é nosso amigo, e independentemente disso devemos respeito a todos. Há uma tendência a colocar um peso na criança, que ela tem que ser amiga de todo mundo, mas a gente é amigo de umas pessoas e é colega de outras. O outro problema dessa frase é que a gente passa uma mensagem de que em amigos a gente não bate, nos outros, a gente pode bater. O que tem que ser disseminado é que todos merecem respeito, e nesse sentido a minha opinião também é válida, enquanto alvo da pessoa que bateu. E se todos merecem respeito, o “bateu, levou” também não cabe.” 

“O que a gente precisa entender é que o conflito é uma situação de aprendizagem para as crianças. Se a gente resolve por elas, não dá voz, exige postura que não permite que a criança aja, está tirando a possibilidade de ela se desenvolver nesse aspecto.”

A criança que sempre se envolve em brigas na escola

“Assembleias, rodas de conversa e outras atividades são fórmulas que contribuem para a tomada de consciência, mas há casos que são mais difíceis de resolver e podem ter questões familiares, da sociedade ou da própria criança, é sempre muito complexo dizer que é só um aspecto. Tem criança que tem um temperamento mais explosivo ou tem dificuldade de lidar com a frustração e demonstra essa dificuldade de forma bruta. E isso não quer dizer que ela não possa se desenvolver para uma melhor convivência, mas pode demandar mais tempo até ela aprender que suas atitudes têm consequência. E pode ser que ela tenha como referência e admire pessoas que dominam os outros pela força ou que têm o hábito de tirar vantagem dos outros e aí será mais difícil para ela desenvolver esse querer pela mudança. É preciso portanto pensar nessas experiências que tanto a escola quanto a família contribuem. Existe ainda uma outra questão, que num conflito pontual às vezes não é tão importante, mas se pensar em características do bullying isso é muito forte, que são os espectadores. Muitas vezes, ser um agressor recorrente, dá um status, um poder daqueles que estão vendo o conflito e não fazem nada. Nesta situação, a escola também tem que trabalhar com esse terceiro elemento, que são as pessoas que podem ser mediadoras desse conflito.”

Atenção aos rótulos

“Se a criança se envolve recorrentemente em brigas na escola, seja ela como agressor ou alvo, tem que tomar cuidado para não criar rótulos, dizendo, por exemplo, que tal criança é agressiva porque seu pai nunca vai na escola ou porque ninguém nunca dá voz para ela. A gente costuma usar uns jargões, mas tem que tomar cuidado para não criar estereótipos e realmente escutar as crianças e tentar entender o que está causando esse comportamento. Às vezes, é porque ela quer chamar atenção, ou pode ser a forma dela manifestar algo que está querendo. E pode ser também uma forma de quebrar estereótipos que colocam nela. Se você considera a criança perfeita, e diz algo como “nossa, essa pessoa é ótima”, esse é um elogio vazio, que não diz o que significa ela ser ótima, muitas vezes a criança estava com pensamento negativo e pensa que não é merecedora daquele elogio e quer provar que não é merecedora, então, esses pontos são importantes.”

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Como ajudar a criança que é vítima

“A criança que é alvo tem que ser fortalecida. Muitas vezes, é uma baixa autoestima, ela quer atender o comportamento esperado e acha que a submissão ou acatar o outro ou não se posicionar está dentro desse comportamento esperado. É importante fazer a criança perceber que ela tem que se posicionar. Às vezes, quando eles são pequenos, isso pode ser feito por meio de uma frase pronunciada em tom forte, que é a forma que eles conseguem se manifestar: “não gostei, não pegue meu brinquedo”, fazendo com que consigam emitir sua opinião. Isso está ligado à autoestima e à percepção de que ela pode colocar seu ponto de vista sem que isso seja um demérito.”

Por que os pais não devem se envolver na briga

“É a escola que tem o papel de educar esse grupo de alunos. Não é o caso de eu, enquanto mãe de um, ir tirar satisfação, bater ou coagir o filho do outro. Porque da mesma forma que a gente está pensando que uma criança, se “bateu, levou”, só perpetua o conflito, isso acontece num grau muito maior se adultos, que não são educadores, tomam atitudes drásticas – e mesmo que fossem educadores. Já aconteceu de um educador segurar uma criança para a outra bater, isso é tão inconcebível quanto um pai ou uma mãe ir resolver um problema que pertence à escola.

Na hora em que um adulto resolve pela criança, existe uma desproporção de poder, seja um educador que tenha a atitude desproporcional, seja um adulto que pertence à família da pessoa envolvida no conflito, isso não ajuda a desenvolver habilidades, nem para quem bateu, nem para aquele que é a criança-alvo. À medida que essa criança traz um pai ou mãe (e quanto maior ela for, isso se tornará mais evidente), ela está passando a mensagem de “eu não dou conta dos meus problemas, quando eu estiver longe de um adulto eu sou vulnerável”. Em vez de ajudar meu filho a se posicionar e mostrar uma imagem de forte, estou fortalecendo a imagem de fraco – não que a criança seja fraca, mas é a imagem que ela passa perante os outros, é a mensagem subliminar que está sendo passada – de que longe de um adulto ela continua sendo um alvo.

O pai, além de ter uma ação desproporcional agressiva, que coagiu outra criança, e isso é inconcebível, em vez de ajudar, ela está prejudicando, porque está fortalecendo a imagem de que meu filho não dá conta sozinho, ele só consegue quando alguém está falando, agindo por ele.”

Parceria escola-família

“O pai pode buscar saber na escola quais são os elementos que estão sendo trabalhados. A professora pode contar sobre a realização de assembleias, intervenção direta, rodas de conversa, e como é feita a mediação. O conflito não se resolve de uma hora para outra e não existe ambiente social sem conflitos, ele é inerente o que a gente precisa buscar é formas mais respeitosas de resolvê-los. Outra questão que os pais podem contribuir com a escola é trazer algumas informações sobre o filho, que o professor não tem acesso. Quanto mais velha é a criança – pré-adolescente, adolescente – os conflitos vão se distanciando da visão do professor. Criança de 4, 5, 6 anos, muitas vezes, recorre ao professor para pedir ajuda, mesmo que ela se sinta alvo, mesmo que se sinta impotente. Mas à medida que ela cresce, deixa de pedir ajuda ao professor, até para não ficar com a imagem de fraco ou porque o colega ameaça, mas essas informações são importantes para escola, não no sentido de ensinar à escola como fazer, mas de contribuir com a escola e estabelecer uma parceria para que tenham informações importantes que ajudem o professor a atuar. Ele vai fazer intervenções diretas e indiretas, como análises de conflitos hipotéticos, discussões de casos hipotéticos, que potencializem aquela turma. Esse é um ponto muito rico na relação entre família e escola.”

A influência do ambiente escolar nos conflitos

“Dependendo da forma de intervenção, se a escola coíbe os conflitos, não estará ensinando os alunos a lidar com eles. Por exemplo, quando as crianças brigam porque foram trocar figurinhas do álbum da Copa e fulano deu a figurinha e depois quis de volta. E a escola, em vez de trabalhar isso, para que os alunos aprendam a lidar com essas situações, não permite mais trazer figurinhas. Essa medida tira os elementos da frente, como se isso estivesse resolvendo um problema, mas ao não trabalhar esses conflitos ‒ ou porque evita situações que podem causá-los ou porque na hora que eles aparecem coloca adultos para resolvê-los pelas crianças ‒ a escola está deixando de desenvolver habilidades nas crianças e de potencializar esses processos, para que esses meninos e meninas saibam falar com voz própria e saibam resolver os próprios conflitos.” 

A mediação no bullying

“Esse é um fenômeno que tem elementos específicos que o caracterizam. Para ser bullying tem que ser recorrente, pelo mesmo autor, direcionado à mesma vítima. E tem que ter o espectador, que é um elemento importante.

Pesquisas atuais também dizem que é difícil ter bullying sem cyberbullying. Alguns estudos mostram que eles estão correlacionados, dado às formas como a gente usa as mídias digitais.

O bullying é um fenômeno que precisaria de muitos outros elementos para falar sobre ele, mas fazer uma intervenção direta, somente, dificilmente ajuda na resolução. No bullying, essa questão da autoestima costuma ser muito forte. Existem vítimas que são vítimas e agressores do bullying, ao mesmo tempo, então, tem que pensar em outras estratégias, em ações diretas com esse grupo. É muito difícil que o pai e a mãe consigam resolver sem ajuda da escola a situação de bullying. Mais fortemente, trazer para a escola e pensar junto em formas de atuação é muito rico e necessário. Às vezes, o pai ou a mãe troca a criança de escola visando resolver o problema, mas se ela tem algumas características que são características de vítima de bullying, é muito provável que ela se torne alvo de um outro grupo na nova escola. Então, não basta afastar, precisa realmente ter ações que contribuam para resolver o problema.” 

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