Por Cris Guerra
Acordar. Respirar. Pensar. Existir. Não há um verbo que não doa durante o luto. Talvez dormir alivie, que é quando a dor adormece. Momento em que o medo desperta: será preciso enfrentar o dia seguinte.
Perder quem amamos é morrer um pouco. O luto nos torna um lugar ruim. Queremos fugir, perder a memória, emprestar outra vida. Qualquer coisa que nos salve do horror de sentir que alguém foi amputado de nós.
Em janeiro de 2007, uma parte de mim teve morte súbita. Mesmo que meu coração insistisse em bater. Foi viuvez, mas também foi aborto: a frase cortada em pleno gerúndio. Mas havia dentro de mim outro coração. E este batia convicto, com ânsia de estreia. Eu tinha de dar um jeito de renascer.
Eu me lembro de olhar ao redor e me perguntar com que direito as pessoas sorriam, se dentro de mim as luzes estavam apagadas.
Foi assim no primeiro mês. Uma dor que parecia fadada a nunca mais terminar. A morte se repetiu muitas vezes até que eu finalmente aceitasse.
O livro é uma máquina do
tempo. Capaz de entregar para
o filho o pai que faz mais falta
nos momentos alegres
Mais um mês até Francisco nascer. Finalmente a vida. A cada instante olhar e ver: nasceu. Respira, mexe, chora, mama. É nosso filho.
Eu era a mãe mais feliz. Eu era a mulher mais triste. Escrever foi minha máscara de oxigênio. E quando as palavras conseguiam fazer o outro vestir o que eu sentia, a tristeza virava alegria. Uma espécie de alquimia incidental transmutou dor em sorriso. Foi assim que renasci.
O tempo mudou os afetos de lugar. Abriu meus olhos, me ensinou a mudar de assunto. Distraidamente, foi me mostrando a vida de novo – agora outra.
Nunca plantei uma árvore. Duvidava poder um dia gerar um filho. Mas o Gui fez bem mais que isso em mim. Preparou a minha escrita para nascer. Em novembro de 2008, chegou meu “segundo filho”, o blog materializado em livro. Seu nome? Para Francisco.
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Anos depois, deitado no meu colo, Francisco tomou o livro nas mãos, leu a dedicatória em voz alta e filosofou: “Se a gente construísse a máquina do tempo, eu ia encontrar meu pai Guilherme, né, Mamãe?”
É isso. O livro é uma espécie de máquina do tempo. Capaz de entregar para o filho o pai que faz mais falta nos momentos alegres. Na viagem, leva também outras histórias. Dores que são suas, minhas, de todos nós. Nossos medos e sorrisos. Como o amor, um livro é mais forte que a morte.
Dez anos se passaram – e eu pensava que não ia dar conta. Será que fui eu quem pariu Francisco ou foi ele quem pariu as mulheres que eu não sonhava haver em mim?
Em novembro, chega às livrarias o Para Francisco (Edição Especial – 10 Anos Depois). A nova edição, ampliada, traz os dez anos completos da história. Uma seleção de novas cartas e também das “Francisquices”, cenas de um menino feliz. Tudo embalado com muito amor em papel azul turquesa. Para Francisco, para você.