Crianças precisam descobrir que são ‘antifrágeis’ para viver no mundo pós-covid

Os pais têm de deixar os filhos aprender por tentativa e erro e ainda que tomem as rasteiras da vida, eles precisam saber que são fortes para levantar

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Crianças precisam saber que são antifrágeis e evoluem com os desafios; garota está abraçada a urso de pelúcia branco e olha fixamente para a câmera
Filhos precisam saber que são fortes para levantar
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Muito antes da pandemia já vínhamos observando as estatísticas de depressão e ansiedade aumentarem drasticamente entre crianças e adolescentes. Mais do que nunca, estamos conscientes de que o mundo é imprevisível. Como ajudar nossos filhos para que saibam lidar com as dificuldades que encontrarão pela frente?

A resiliência é a capacidade que temos para nos adaptarmos aos desafios, saindo deles da mesma forma que entramos. Oferecemos copos de plástico às crianças pequenas porque copos de plástico não quebram. Copos de plástico ficam inalterados após a queda porque são resilientes. Mas a pandemia deixou claro que somos diferentes do copo de plástico. Em março de 2020, achávamos que o isolamento seria um período de imenso desconforto até que pudéssemos voltar para o velho normal. No entanto, após 9 meses de pandemia, descobrimos que não desejamos mais viver como antes. Revimos valores, prioridades. Queremos criar um novo normal mais coerente com quem nos tornamos.

Nós evoluímos a partir do que nos acontece porque a natureza humana não é resiliente, ela é antifrágil. Crianças “antifrágeis” não permanecem iguais após uma adversidade. Crianças “antifrágeis” se transformam a partir de desafios e precisam deles para evoluírem. Nossos músculos têm potencial para serem fortes, mas só serão fortes se forem estimulados. O nosso sistema imune tem potencial para nos defender de doenças, mas ele precisa primeiro ser exposto ao agente infeccioso para então aprender a se defender. A nossa capacidade de enfrentar dificuldades obedece à mesma lógica.

Temos potencial para enfrentar as mais variadas adversidades, mas se não formos expostos aos desafios, essa potencialidade não se transforma em capacidade.

As principais religiões e filosofias do mundo contém a ideia de que provações, tribulações e adversidades são o combustível que impulsiona a excelência e o crescimento humanos. Mas de alguma forma, a sabedoria presente nos ensinamentos de Platão, Buda e Jesus Cristo vem perdendo popularidade entre os pais, cuidadores e educadores de crianças e adolescentes. Um dos motivos é porque hoje sabemos que a infância é uma fase fundamental para a formação do indivíduo. Grandes traumas podem prejudicar a formação do caráter, a saúde física e mental. Portanto, nos esforçamos para proteger as crianças da violência nas ruas, da violência doméstica, do abandono, da negligência. Sem dúvida, estamos avançando cada vez mais na proteção dessa fase que define e dá o tom das demais fases da vida. Porém, quando levamos a proteção ao extremo, passamos a privar nossos filhos de experiências valiosas. Experiências que poderiam ensiná-los que eles são capazes de cair e levantar melhores.

Crianças aprendem a enfrentar desafios a partir da exposição e prática. Porém, temos poupado nossos filhos do desconforto. Intervimos nas discussões entre irmãos. Pedimos o que precisam no restaurante. Comunicamos os sentimentos dos nossos filhos às outras pessoas para que eles não precisem fazê-lo. Pedimos desculpas para as pessoas que eles machucam. Limpamos o que eles deixam cair. Assistir ao desconforto dos filhos não é nada agradável. Mas em vez de socorrer a criança, podemos oferecer suporte para que ela resolva aquilo que já tem capacidade. As crianças precisam de proteção contra o que fere a sua capacidade de funcionar no mundo, como a violência e o abuso. Mas para os desafios naturais da vida, elas precisam de suporte emocional e não de socorro.

Para os desafios naturais da vida, as crianças precisam de suporte emocional e não de socorro.

Então, em vez de mentir sobre a morte do cachorro ou a doença de um familiar, é melhor contar a verdade e ajudar a criança a lidar com o que ela sente. Em vez de ligar a televisão para que ela não precise lidar com o tédio, é importante entender que é a partir do tédio que as crianças desenvolvem a criatividade. É quando a criança não tem nada pra fazer que ela descobre que um sofá pode ser um barco, ou que existe um livro interessante na estante. É mais fácil abrir a garrafa para o filho, ou direcionar os movimentos da criança para que ela aprenda como se faz. Mas é mais gratificante deixá-las aprender por tentativa e erro.

Nossos filhos não nos terão por perto para sempre. Encontrarão imprevisibilidade, incerteza, problemas de relacionamento, crises políticas, econômicas, sociais e ambientais. Tomarão as rasteiras da vida. E nessa hora, eles precisarão saber que são fortes para levantar. Ninguém aprende sobre a própria força lendo um livro, ouvindo uma palestra, ou baixando um app.

É inevitável que os filhos cresçam, mas eles só evoluirão se tiverem oportunidade para superar os desafios no caminho. As maiores lições de vida são aprendidas na prática.

Neste ano que recém começa, decida junto com os seus filhos quais desafios eles já podem assumir sozinhos, mês a mês. Arrumar a cama, fazer o café da manhã da família, colocar o despertador e acordar sozinhos, atravessar a rua, ir à padaria, dando-lhes a oportunidade de aprender fazendo. Claro que os desafios são diferentes para idades diferentes. E claro que eles vão errar. Mas filhos não são como copos de vidro, que quebram ao caírem, e nem como copos de plástico, que permanecem inalterados na queda. Crianças são “antifrágeis”, quando erram elas aprendem algo que não sabiam, elas evoluem.


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Adriana Drulla
Adriana Drulla é mestre em Psicologia Positiva pela University of Pennsylvania (Estados Unidos), facilitadora do programa americano Mindful Self-Compassion para o desenvolvimento da autocompaixão, pós-graduanda em Terapia Focada na Compaixão pela University of Derby (Inglaterra). Autora do artigo científico Intergenerational Transmission of Self-Compassion, que trata da relação entre autocompaixão e parentalidade, escrito com Karen Bluth, pesquisadora e autoridade mundial nos temas autocompaixão e adolescência. Mãe de duas crianças, Chiara e Matteo.

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