Tania Zagury: ‘Criar os filhos é um projeto de, no mínimo, 20 anos de trabalho’

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    Referência em educação e família no país, Tania Zagury fala com a Canguru sobre seu novo livro

    Por Juliana Sodré

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    Tania Zagury escreveu 26 livros para famílias | Foto: Paula Johas

    Filósofa com mestrado em educação, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora de 26 livros publicados no Brasil e no exterior, Tania Zagury é referência no quesito educação e família no país. Na entrevista a seguir, ela fala não só sobre o tema do seu novo livro, Os Novos Perigos que Rondam Nossos Filhos, mas também sobre ética e formação.

    Quais são os novos perigos que rondam nossos filhos?

    TANIA ZAGURY – Os maiores perigos hoje são o mau uso das novas tecnologias pelos filhos e a acomodação dos jovens pais, já que uma criança com o tablet na mão dá muito pouco trabalho, mas corre muito mais risco. A geração de pais hoje é mais voltada para o próprio prazer do que para o dever, então, muitas vezes, os pais vão dizer que já orientaram o filho, mas, se é uma criança de 4 anos, ela é fácil de ser cooptada. Essa constante vigilância sobre os filhos dá muito trabalho, é cansativa e faz com que os pais tenham que abrir mão do seu próprio tempo. E não são todos que estão dispostos a isso.

    Os pais não estão preparados para abrir mão das próprias vidas pelos seus filhos?

    Eles não precisam abrir mão da própria vida, apenas terão que dedicar uma parte dela. Lidar com criança é diferente, ainda mais se essa criança é seu filho e depende de você. Isso significa que você tem que se engajar nesse projeto, que é de, no mínimo, 20 anos de trabalho. Muitos se deixam levar pelo encantamento de olhar para o bebê de uma amiga no colo quando ele está todo fofo e de bom humor e não pensam que aquela mãe acorda até dez vezes na mesma noite, convive com vômitos na roupa, “caquinha” pra lá e pra cá, prisão de ventre, diarreia, médicos. Os novos pais têm que ter a consciência de que, ao decidir ter filhos, estarão abrindo mão de uma parte, pelo menos, de sua vida independente e pessoal.

    Na sua trajetória de educação, qual o maior erro que você viu os pais cometerem em relação às escolas? Seria a transferência de compromisso?

    Eu tenho um livro que trata só disso, o Escola sem Conflito, em que tento mostrar para os pais que eles precisam entender o trabalho da escola e que cabe à família a formação moral e ética da criança, os hábitos, o desenvolvimento de competências. A escola complementa, aprofunda, fixa isso, mas ela não pode assumir esse papel. As famílias que estão inseguras, que não estão conseguindo educar, tentam transferir para a escola os itens nos quais elas não tiveram êxito. Também é preciso pensar que os valores do professor podem não ser os mesmos que os meus. É isso que eu quero que meu filho aprenda? É preciso que os pais tenham essa consciência: se eles vão delegar, vão ter que assumir as consequências.

    Os pais da atual geração estão inseguros? Por quê?

    Não só os desta geração. Essa insegurança tem relação com uma série de fatores, um dos quais são as mudanças da própria sociedade. As pessoas estão mais voltadas para o prazer pessoal, estão muito mais egocentradas hoje do que na geração anterior a essa, em que as pessoas estavam muito mais focadas no dever do que no prazer. Outro fator são as mudanças advindas do próprio avanço tecnológico, fato que mudou bastante os contatos que os jovens e as crianças têm hoje com o mundo externo. Até o final do século XX, a criança ficava protegida de influências externas à família até uns 5, 6 anos. No momento em que a tecnologia invadiu a nossa casa, a criança fica muito mais precocemente a par de certas coisas, muitas vezes, coisas não positivas. Outro fator é que, pela primeira vez na história da família, as mães saíram em massa para o mercado de trabalho e as crianças ficaram sem o pai e a mãe durante todo o dia, porque a maioria das pessoas trabalham em horário integral. Isso levou os pais a se sentirem mais culpados em relação aos filhos e não se sentem confortáveis para exigir determinados tipos de conduta.

    A mudança de estilo na educação, sem castigo e palmadas, por exemplo, com os novos pais alterando o modelo de educação que receberam, também trouxe insegurança?

    Até meados do século XX, a educação era feita dessa forma autoritária, isso era o que se considerava correto. Os pais tinham mais facilidade de conseguir disciplina e obediência porque a criança ficava com medo. A partir dos estudos da pedagogia, que concluiu que não há necessidade de bater porque você pode exercer sua autoridade parental apenas pela sua atitude, caímos no extremo oposto de os pais acharem que têm que dialogar o tempo todo. Conversar é apenas a primeira etapa. Se não funcionar, você tem outras etapas dentro desse processo de não uso de castigo físico. Mas os pais pararam nesse primeiro momento.

    Como fazer a punição para uma crianças de 2 a 3 anos?

    São três etapas. A primeira etapa seria o diálogo, mas também não pode alongar muito. Você tem que tentar conversar uma ou duas vezes com a criança, se não funcionar, a criança já está no chilique e você deve passar para a segunda etapa, que é o aviso final. Momento do ultimato: se você não fizer isso, você vai sofrer as consequências, vai ter o castigo. Aí, vem a personalidade, algumas crianças param com o ultimato, outras não. O ultimato é só uma vez, senão você perde a autoridade. Não é gritando, nem berrando, nem agredindo… Aí você passa para a terceira fase, que eu chamo de responsabilização ou consequência. Se ele é pequeno, você pega e coloca ele no berço, ou deixa no quarto e fecha a porta. Simplesmente coloca ele num ambiente em que você não vai ficar assistindo e ele vai perceber. Você precisa fazer umas três vezes para ele entender: toda vez que eu berro feito louco, ela me bota no quarto e não faz o que quero. Como todo ser humano, ele testa seus limites, e se vê que não funcionou, para. Aí, quando passar o chilique, você dá a sanção, tira alguma coisa que você combinou. Ele vai entender que é a consequência de uma atitude inadequada. Essa é a sanção moderna. E a consequência é ele ir substituindo as atitudes inadequadas pelas que dão resultado.

    Qual pode ser a sanção a uma criança de 2 a 3 anos? Ela assimila?

    Sim, mas não na primeira vez. É preciso insistência. O grande problema dos pais de hoje é o imediatismo, querem que o filho obedeça de primeira. E, em educação, nada é rápido, sempre é demorado. Não é que a criança não vai entender, ela vai entender de quarta, quinta, ou de décima, dependendo da criança.

    Como os pais podem trabalhar isso tudo sem sentir culpa?

    O pai se sente culpado quando não entendeu qual é o seu papel realmente. Ele não é pai simplesmente para fazer a criança ficar toda sorridente de manhã, de tarde e de noite e todos os dias da sua vida. O grande engano que acontece hoje é que os pais acham que a tarefa deles é fazer o filho feliz. Na verdade, a tarefa dos pais é educar. É formar essa socialização básica, porque é isso que vai garantir a felicidade da criança no futuro.

    Uma frase chamou atenção no seu novo livro: ‘Nem sempre os pais são culpados por todas as falhas dos filhos’. Você pode comentá-la?

    Numa mesma família com dois filhos, por exemplo, pode ter um filho que “deu certo” e outro que parou de estudar ou não quis trabalhar. A primeira coisa importante para você não se sentir culpado é você saber qual é o seu trabalho como pai/mãe. Porque ser pai/mãe não é muito mais dever do que prazer. Então, se ao longo dos primeiros sete anos de vida, que são os anos básicos para você fazer a formação ética do ser humano, você fez de tudo, mas o filho não correspondeu, você tem que entender que entra o livre-arbítrio. Principalmente depois que ele atinge a maioridade, quando ele se torna responsável perante a lei. Enquanto ele não é maior, você tem que continuar lutando, é um trabalho de longuíssimo prazo.

    “Educando em tempos de crise” é o título de um dos capítulos do novo livro. Como ensinar que o mundo não é dos espertos e que a moral e a ética têm valor?

    Primeiro: o pai tem que acreditar naquilo que ele está falando. Você não vai conseguir ensinar o que você não faz. Não é a primeira vez na história que temos governantes e legisladores desonestos. É a primeira vez, talvez, que isso chega a tanta gente de forma tão rápida. Não significa que os homens hoje estão menos honestos do que eram. Não! Sempre existiram desonestos, assim como pessoas éticas. O problema é que hoje, quando se desmascara um, isso fica muito visível, o que não era comum. Isso não pode abalar os seus próprios conceitos sobre ética.

    Não só a corrupção, mas as pequenas coisas do dia a dia…

    A formação da ética é feita com as pequenas coisas do dia a dia. É o seu exemplo que vai ensinar para o seu filho o que é certo e o que é errado, e pode ter certeza que a ética se ensina em todos os momentos: pelas suas atitudes, pelas suas falas.

    O slogan da Canguru, “Criando filhos melhores para o mundo”, vai ao encontro do que você fala no livro sobre “gente do bem”. Como criar filhos melhores para o mundo?

    Primeira coisa: você quer um mundo melhor? Para poder concretizar essa ideia, você tem que melhorar, começando dentro da sua casa. Você precisa acreditar que você quer isso e não se pode deixar abalar. E precisa saber que isso tem um custo alto e afetivo.

     

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