Uso de telas prejudica a interação social e não dá espaço para o tédio

Grudadas nos eletrônicos, as crianças recebem um excesso de estímulos e se desacostumam a ficar sem nada para fazer, o que é essencial para a autonomia e criatividade

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Criança sentada no chão usa tablet em seu colo
A criança precisa interagir com seus pares e com adultos
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Para refletir sobre o uso de telas por crianças e o que se concebe como infância, proponho pensarmos sobre o que nossos pequenos requerem para se desenvolverem de maneira saudável. 

Muitos especialistas afirmam que, nos primeiros anos de vida, as crianças precisam de contato físico, de espaço e tempo para o movimento, de interação com pares e adultos de referência, além da exploração do meio concreto e real. Tudo isso para desenvolver seu sistema sensório-motor e sua individualidade com base na criação de novas conexões neurais. 

Interação é uma palavra-chave para compreender e proporcionar o desenvolvimento infantil saudável. O psicólogo bielorusso Lev Vygotsky (1896-1934) já tratava do tema no século passado. Ele afirmou que, “[…] desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem um significado próprio num sistema de comportamento social e, sendo dirigidas a objetivos definidos, são refratadas através do prisma do ambiente da criança. O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social.”. É importante  dar destaque para a valorização da compreensão de que, segundo o autor, “[…] o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa […]”, ou seja, torna-se evidente a relevância da mediação social para o desenvolvimento humano. 

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Partindo desta perspectiva, é possível conceber que o uso de telas, seja de televisão, computador, celular, tablet, é inverso ao que é necessário para o desenvolvimento infantil saudável. Primeiramente, porque prejudica a interação social e, considerando o tempo de exposição, pode levar a criança ao isolamento e ao desinteresse por atividades físicas. Além disso, por natureza, as telas são limitadas porque são bidimensionais, o que altera a percepção da realidade através dos sentidos e gera a desconexão com o próprio corpo. 

Outro fator relevante e intrínseco a elas tem a ver com a emissão exacerbada de estímulos visuais e sonoros, o que afeta a forma de processamento de informações. A velocidade, a intensidade das cores e dos sons e o conteúdo em si, impactam a elaboração do pensamento e dos movimentos visto que, nesta fase, a criança não é capaz  de “digerir” tantos estímulos, e isso acaba por sobrecarregar seus sentidos. Isto pode ser constatado com a observação das formas de expressão das crianças e de sua interação com o meio físico, no brincar livre, por exemplo. Se levarmos em conta que os pequenos aprendem pela imitação e exploração, é fato que o uso de telas na primeira infância confunde em vez de ajudar. A linguagem infantil tende a ser comprometida, os movimentos podem se tornar estereotipados e repetitivos. 

Outro ponto que vale ser alvo de reflexão é o espaço que permitimos para o tédio na vida das crianças (e que nós, adultos, suportamos). Isso porque, muitas vezes, as telas são objetos de barganha dos quais os pais ou responsáveis lançam mão para entreter as crianças, aquietá-las em prol de um pouco de tranquilidade ou de concentração no trabalho. No entanto, essa estratégia não é saudável para elas. É, na verdade, a supremacia da necessidade dos adultos, o silenciamento do infantil. 

As crianças precisam experimentar momentos de tédio, quando reclamam que “não têm nada para fazer”, porque esse é um dos caminhos para que se tornem autônomas e criativas, para que descubram novas brincadeiras e se tornem hábeis na resolução de problemas. É importante alternar estes momentos com algumas sugestões que alimentem a fantasia infantil: livros adequados à faixa etária, com belas imagens, objetos que permitam o exercício da criatividade, como brinquedos menos estruturados, instrumentos musicais simples, galhos, folhas, água, giz de cera, tinta… são algumas possibilidades para os pequenos vivenciarem – seja em casa ou fora dela – e que, com certeza, constituem experiências mais ricas em aprendizagens do que permite um celular.

Evidentemente, se a criança está acostumada a ter uma tela sempre à mão, seja para brincar, seja para adormecer ou fazer as refeições, dá trabalho mudar o hábito (afinal, o uso de eletrônicos é viciante), mas não é impossível. Retirar os equipamentos eletrônicos de forma gradual, oferecendo outras possibilidades, dentre elas, a própria voz direcionada para a criança, seja em uma boa conversa ou cantando uma música, se torna um investimento familiar diário que apresentará bons frutos. Os pequenos passam a se mostrar mais dinâmicos, interessados e curiosos, se movimentam, dormem e comem com mais qualidade e autonomia – afinal, empenham mais energia no dia a dia -, ganham mais repertório de brincadeiras, cantigas, turbinam o vocabulário e, principalmente, interagem mais e melhor.  

*Este texto é de responsabilidade do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.

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Dayse Cruz
*Dayse Cristina Araújo da Cruz é pedagoga e mestra em Linguagem e Educação pela Universidade de São Paulo e especialista em Educação Infantil Waldorf pela Faculdade Rudolf Steiner. Atua na Educação Básica e no Ensino Superior, participando de atividades de ensino, pesquisa e extensão.

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