Por Cristina Moreno de Castro

O Brasil vive uma crise da inteligência. Esta é a opinião do cantor, ator, diretor de peças teatrais e contador de histórias carioca José Mauro Brant, 45, que virou alvo da mais recente polêmica envolvendo o ensino infantil público no país. Autor do livro “Enquanto o Sono Não Vem”, que é uma coletânea de contos populares tradicionais da cultura brasileira, Brant passou a receber ataques agressivos pela internet nos últimos dias.
O motivo: dentro do livro há um conto popular chamado “A triste história de Eredegalda”, que aborda o incesto ao falar do desejo de um rei de se casar com a mais bonita de suas três filhas. Selecionado pelo MEC para compor o Programa de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) e comprado em um lote de 94 mil exemplares pelo governo federal em 2005 e 2014, o livro passou, antes, pela avaliação de uma equipe composta por doutores e mestres especialistas do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – que reitera a adequação para o público-alvo de crianças de 7 e 8 anos, em nota técnica divulgada no início deste mês.
Mesmo assim, nesta quinta-feira (8), o ministro da Educação, Mendonça Filho, decidiu retirar o livro das escolas de todo o país, após receber parecer técnico da Secretaria de Educação Básica, e redistribuí-lo em bibliotecas. O imbróglio pode ser lido nesta reportagem da Canguru.
Conversamos por telefone com José Mauro Brant para ver o que o pesquisador achou da polêmica e como reagiu à decisão do MEC de retirar seus livros das escolas. Confira alguns trechos da conversa:
Contos de fadas
“Eu não inventei essa história de Eredegalda. Meu livro é uma coleção de contos e cantos da tradição brasileira e esse conto está em vários outros livros. Trouxe uma versão contada em Barbacena. Sou apaixonado pela ideia de que o conto popular e o conto de fadas são uma maneira de você ver o mundo, nas coisas boas e más. Acho mais fácil que a criança entre em contato com temas delicados através da fantasia e do conto de fadas do que pelo noticiário ou pelo relato de um vizinho. Contos populares são um reservatório de assuntos delicados. No caso deste, trata-se de um conto barroco, religioso e moralista pra caramba. No final ela morre, mas é alçada aos céus.”
Incesto
“Não quero defender o tema do incesto. O livro é muito velho, de 2003, e o mundo ainda não entendeu essa história da Eredegalda como uma vítima. Quando escolhi esse conto, foi por compaixão e por acreditar que qualquer leitor possa se revoltar com esse rei e se solidarizar com a Eredegalda e escrever um novo fim para essa história.”
Mediação em sala de aula
“Hoje em dia qualquer educador tem que mediar coisas imprevisíveis, com o acesso que as crianças têm a tudo. É cada vez maior a responsabilidade dos professores e dos pais para fazerem essa mediação. Já contei muito essa história da Eredegalda para crianças de 6 a 8 anos, mas tenho meu jeito de contar essas histórias. Sou um contador de histórias. Essa mesma história faz parte de um CD meu e nunca ninguém se sentiu ofendido. Falta essa vontade e capacidade de mediar.”
Reclassificação da idade
“Se eles quiserem rever a classificação, não acho horrível. Do jeito que nossa educação está, acho que deveria ser reclassificado para a partir de 8 ou 10 anos. A coleção da Rocco é para “jovens leitores”, mas 6 anos é a idade do simbólico. Acho que pode ser trabalhado para essa idade, sim, mas exige uma visão menos moralista e mais preparo para isso.”
Provocação de debate
“O Brasil está acéfalo e a crise moral é grande. Acho uma pena que isso resvale num projeto tão sério como o Pnaic e espero que isso não sirva como desestímulo para os políticos de continuarem investindo em boa e variada literatura. É mais um livro num panorama, é um conto polêmico no meio de vários. No final das contas, a polêmica está jogando uma luz num assunto que nem precisava ser tão discutido, mas de repente é o momento. Que seja lúcida a discussão. Em vez de reclassificar, deviam fazer com que a capacitação chegasse a todos os lugares do país. Urge no Brasil um olhar para as políticas de leitura. Para que as pessoas voltem a pensar para entender o texto não como ameaça, mas aliado a um projeto pedagógico.”
Agressões no Facebook
“Estou sendo alvo de agressões nas redes sociais, mas também recebi muitas mensagens de apoio, principalmente de professoras.”