Na busca por conciliar o sono do bebê e também dos pais, muitas famílias optam por adotar a prática da cama compartilhada. Nesse método, a criança dorme na mesma cama que os cuidadores, dividindo o espaço.
Luciane Baratelli, neuropediatra, criadora do perfil @neurosemneura e pós-graduada em Medicina do Sono da Infância e Adolescência pelo Instituto do Sono, explica que essa prática tende a colaborar para que o bebê pegue no sono mais rápido, já que pode passar mais segurança do que dormir sozinho:
“Todo mundo desperta de madrugada. O conceito de ‘dormir a noite inteira’ é subjetivo, já que mesmo nós, adultos, temos despertares a cada ciclo de sono. A diferença é que o adulto se sente seguro e consegue voltar a dormir sozinho, enquanto a criança pode necessitar do apoio dos pais. Na cama compartilhada eles terão o mesmo número de despertares, mas, por se sentirem seguros, podem adormecer mais rapidamente.”
Apesar de ser a escolha de vários pais, as visões a respeito da prática da cama compartilhada não são unânimes entre especialistas, que ressaltam uma série de prós e contras de dormir junto com os filhos na mesma cama nos primeiros meses e anos de vida.
Evidências médicas e a tranquilidade das mães
Grande parte das controvérsias e opiniões diversas a respeito da cama compartilhada se deve à falta de evidências concretas de efeitos positivos ou negativos dessa prática, pontua Dr Paulo Telles, pediatra pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP): “Existe muito pouca literatura médica indicando benefícios ou malefícios, então para fazer qualquer afirmação é preciso muito cuidado”.
Principalmente durante a etapa inicial da vida do bebê, o pediatra ressalta que há um movimento de mães que decidem dormir junto com a criança porque é mais fácil, devido ao cansaço materno e à amamentação. Nesse contexto, a cama compartilhada pode ser uma aliada.
“Existem benefícios quando falamos nessa prática, já que ter a criança por perto facilita na hora de perceber qualquer coisa errada, como um engasgo ou qualquer outra situação diferente. Sem falar do contato, da intimidade, essa parte emocional que é interessante tanto para a mãe, quanto para o bebê. Esse contato pode acalmar e facilitar o sono do bebê, que possui um ciclo de sono curto, então acorda várias vezes. Tendo a mãe ao lado, muitas vezes facilita a amamentação, a criança acaba voltando a dormir”, explica Telles.
Christiane Wickbold, psicóloga infantojuvenil e professora, ressalta que esse contato mais próximo é indicado nos meses iniciais, e beneficia tanto a mãe, quanto a criança. “O bebê precisa da presença da mãe e quanto mais, melhor. Ele passou nove meses na barriga dela, então vai se sentir mais seguro vendo que ela está ali por perto”, diz.
Entretanto, a psicóloga lembra que isso não é uma regra, pois cada família é um caso em particular, e pode ser que a cama compartilhada não seja a forma que funciona melhor para cada relação entre mães e filhos. “Tem bebês que conseguem ter um sono ótimo tendo a mãe próxima, mas não necessariamente estando na mesma cama. Dormir próximo não significa só compartilhar a cama, pode ser também um berço próximo”, sugere.
Cuidados com o bebê são essenciais
Do ponto de vista pediátrico, há também outras preocupações em relação à cama compartilhada e seus riscos, que pontuam a necessidade de cuidado redobrado. “A Sociedade Brasileira de Pediatria contraindica a prática porque argumenta que ela apresenta mais perigos do que benefícios, pois os pais podem dormir profundamente e causar algum tipo de acidente com a criança, como o sufocamento”, explica a Adriana Auzier Loureiro, membro do Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da SBP. Segundo a profissional, isso pode ocorrer devido a travesseiros e lençóis dos pais ou mesmo pelo contato com o corpo deles em sono profundo com o bebê, que pode ficar sufocado.
Além de indicar a posição supina (de barriga para cima) como a mais ideal para o sono seguro do bebê, a Academia Americana de Pediatria recomenda não dormir junto com o bebê também pelo risco de Síndrome de Morte Súbita do Lactente (SMSL), principalmente no período até um ano de vida. Ela é definida como o óbito da criança de forma inesperada e que, mesmo após autópsia e revisão do quadro clínico, não consegue ser explicada, e estudos da AAP apontam que sua probabilidade aumenta na cama compartilhada.
Desse modo, para as famílias que realizem a cama compartilhada, uma das indicações a serem seguidas com atenção é evitar ao máximo o excesso de travesseiros, almofadas e outros objetos que possam trazer riscos de sufocamento ou qualquer dificuldade de respiração ao bebê.
“Deve-se garantir um ambiente sem pelúcias, brinquedos, travesseiros e protetores de berço altos e largos”, diz Loureiro.
A neuropediatra Luciane Baratelli reforça que esses cuidados especiais são muito importantes especialmente antes de um ano, quando podem sofrer quedas e outras complicações com maior facilidade. “Os adultos não devem usar cobertas, o colchão deve ser firme e com os lençóis bem presos. Também não é recomendado a cama compartilhada caso os pais façam uso de medicações sedativas, tenham ingerido álcool ou sejam fumantes. Além disso, apenas os pais devem dormir na cama, dividir com outras crianças ou animais é perigoso”, completa a especialista.
Outros cuidados válidos, listados pelo pediatra Paulo Telles, incluem encostar a cama na parede, evitando vãos, especialmente para evitar riscos de queda quando a criança já está um pouco maior, colocar a criança para dormir de barriga para cima e sempre avisar a outra pessoa que irá dormir na cama que a criança estará lá. Isso evita que a mãe ou pai se movimente sem cautela durante a noite e gere riscos.
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A decisão é da família
A despeito dos possíveis riscos e benefícios levantados por diferentes estudos e profissionais a respeito da cama compartilhada, não há uma conclusão definitiva a respeito de que se deve ou não adotar esse método para o sono do bebê. Desse modo, conhecer os diferentes pontos de vista e os cuidados a se considerar, caso opte pela prática, são ferramentas importantes para guiar a decisão particular de cada família, ressalta o pediatra Paulo Telles:
“Não existe um consenso médico em relação a sim ou não quanto à cama compartilhada, em dormir melhor ou pior. Acho que cada criança tem uma demanda diferente, cada família tem que ser entendida e acolhida em sua demanda e todos os seus antecedentes emocionais em relação a como foi criada. Temos que tentar manter sempre a segurança, que eu acho que é a palavra mais importante quando a gente fala de sono pro bebê.”
Logo, a cama compartilhada pode funcionar para certas mães, pais e crianças, mas para outras pode ser que não traga tantas interferências positivas. “Digo sempre que é uma decisão da família, algumas se adaptam e outras não e não vai ser isso que irá determinar o futuro da criança”, pontua Luciane Baratelli.
E na hora de ir para a própria cama?
Apesar de ser uma preocupação de muitos pais, Christiane Wickbold ressalta que, do ponto de vista da psicologia, a cama compartilhada não gera dependência das crianças para dormir somente ao lado dos pais, pelo fato de compartilharem o mesmo ambiente. “Dormir durante a noite com os pais não quer dizer que a criança não vai conseguir desenvolver autonomia ou não vai ser independente, pois isso depende de muitos outros fatores”, explica.
“Se o bebê dorme com os pais, mas durante o dia a mãe compartilha o cuidado em relação a ele com outras pessoas, se ele está acostumado a conviver com outras pessoas, tem uma boa socialização, frequenta outros lugares, não é o fato dele compartilhar a hora de dormir com os cuidadores que vai interferir na autonomia dele”, completa Wickbold.
Segundo Christiane, esse raciocínio vale também para crianças já mais crescidas, por volta dos 3 a 5 anos de idade, que compartilhem a cama com os pais, já que o desenvolvimento e a autonomia dependem de outros fatores. Entretanto, no caso dessa faixa etária, o impacto da cama compartilhada pode ser no conforto dos pais. “Nos casos acima de 3 anos, que é geralmente a idade que a criança se sente segura para dormir no próprio quarto, pode surgir incômodo para os pais devido ao tamanho da crianças, pois podem ocupar muito espaço na cama, além de interferir na intimidade do casal.”
Caso os pais adotem a prática da cama compartilhada com a criança e, após certo tempo, queiram colocar os filhos no próprio berço ou na própria cama, é possível que ocorra de início algum impacto no sono, já que isso irá configurar uma mudança de hábitos.
Luciane Baratelli reforça que realizar a mudança aos poucos faz a diferença no processo, e ajuda na construção da confiança para dormir no próprio quarto. “O ideal é ir aos poucos e ter paciência, ela precisa ter segurança para passar a dormir sozinha.”
Wickbold recomenda que a transição seja gradual, sempre respeitando os limites da criança e utilizando estratégias que tornem o processo de transição mais leve e natural. “A mãe pode ir ao quarto da criança e ficar com ela até ela dormir, depois ir para a cama. Ou vice-versa: a criança pega no sono na cama dos pais e depois passam para a cama dela. Podem deixar a criança levar um brinquedinho para a cama, ler uma história até a criança adormecer. Como toda transição e adaptação, a criança vai estranhar, mas nada que o tempo e a paciência não consigam superar”, completa a psicóloga.
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