Birra: especialista explica como passar do caos à calma

Em e-book recém-lançado sobre o tema, a neuropedagoga Maya Eigenmann fala sobre a importância de acolher a criança durante momentos de explosões emocionais

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A educadora parental Maya Eigenmann
Antes de acalmar a criança, o adulto precisa se acalmar, diz Maya | Foto: Divulgação
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Brigas no trânsito, discussões em redes sociais, desentendimentos entre casais… Diante de situações como essas, é comum surgirem comportamentos explosivos, palavras ofensivas e embates calorosos. Ainda que não pareçam, todas essas reações podem ser formas de birra

“A birra é um comportamento que todo ser humano vai ter em qualquer idade, a diferença é que o adulto tem o cérebro maduro e a criança não, diz a neuropedagoga e educadora parental Maya Eigenmann. E é justamente pelo fato da criança não ter maturidade cerebral que ela apresenta dificuldade em lidar com situações como as de frustração, medo ou raiva, acrescenta a especialista, que lançou esta semana o e-book Como lidar com birras, da Editora Astral Cultural. A obra é a primeira da coleção “Inteligência emocional para pais e filhos”, composta de sete livros que abordarão temas desafiadores sobre a criação dos filhos com base nos fundamentos da Educação Positiva. 

Maya conta que a birra foi escolhida para este primeiro e-book por se tratar de uma dor universal, que, porém, é mal interpretada, prejudicando a criança. Não à tôa, o assunto está presente em oito de cada dez perguntas que ela recebe de seus mais de 1,4 milhão de seguidores nas redes sociais.

“Rompantes emocionais não são maus comportamentos, são as formas com que as crianças conseguem demonstrar o que sentem”, destaca a neuropedagoga, também autora de Pais feridos, filhos sobreviventes, de 2023, e do best-seller A raiva não educa. A calma educa, de 2022. Ela relata que o córtex pré-frontal, região do cérebro responsável pela regulação emocional, começa a amadurecer a partir dos 3 a 4 anos de idade e só fica completamente maduro por volta dos 25 anos de idade.  

Quando a criança está tendo uma explosão emocional, portanto, ela está comunicando que precisa de ajuda e a principal tarefa do adulto é criar um espaço seguro para que ela possa expressar tudo o que sente. Segundo Maya, é preciso deixar que a criança ponha para fora toda a sua frustração – e, para tanto, é fundamental que o adulto encontre primeiro a sua calma de modo a poder passar isso ao filho. A seguir, veja trechos da entrevista que a autora deu à Canguru News.

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O que é a birra?

A birra é uma desregulação neurológica que se deve a alguns fatores. Entre eles, a imaturidade do cérebro da criança, que está em formação e é impactado pela qualidade das relações que a criança possui com seus adultos cuidadores primários e a segurança que sente nessas relações. É natural que a criança tenha mais explosões emocionais e desregulações neurológicas do que adultos, porque eles já têm formas para se regular e a criança ainda não aprendeu. Mas também ocorre de a criança se desregular com muita frequência por não haver uma segurança emocional, previsibilidade, proximidade, proteção emocional ou nutrição emocional suficientes para ela. Então, quando uma criança se sente muito insegura na relação com os adultos cuidadores, a tendência é que ela tenha mais explosões, que também são mais longas, mais intensas e mais frequentes.

Podemos dizer então que a birra resulta de uma situação de insatisfação ou desconforto da criança?

O fato de a criança estar chorando ou gritando, por exemplo, é uma consequência de como ela é tratada no dia a dia. Então, ao invés de problematizar esse momento, temos que dar um passo para trás e entender primeiro como estamos contribuindo para que as birras sejam tão intensas assim. Não se deve focar apenas na birra, mas em toda a construção que a antecede. Temos que refletir sobre como estamos alimentando emocionalmente a criança e como estamos presentes para ela. Esse deve ser o foco. Quanto mais insegura for a relação, mais intensas serão as birras. Quando em um lugar público, os adultos podem levar a criança para um local mais reservado, para que possam se concentrar nela e não sentir o peso do julgamento das outras pessoas.

Há quem critique a prática de deixar a criança extravasar. Qual a importância de fazer isso?

As pessoas que criticam estão embasadas em crenças populares. Não temos que usar a crítica do adulto como referência e, sim, o que a ciência da psicologia e dos estudos de trauma trazem. Quando engolimos sentimentos, literalmente adoecemos. As pessoas acham que isso significa deixar a criança fazer o que ela quer, e não é isso. Apenas optamos em não sermos autoritários e opressores. Criamos um espaço seguro para a criança colocar para fora o que está sentindo e, depois que ela se regula, mostramos os caminhos para comportamentos mais regulados. Então, precisamos entender que não extravasar adoece ao invés de ficar debatendo se deixa ou não extravasar. Isso não está aberto à discussão, porque a ciência é muito clara em relação a isso. Nós precisamos extravasar, não só as crianças, mas os adultos também precisam colocar para fora. O que temos que fazer agora é conversar sobre como conduzir esse momento com as crianças.

Muitos pais comentam ter dificuldade de lidar com as birras dessa forma. É de fato algo difícil de pôr em prática, não?

Pode ser desafiador, não por causa da criança, mas pela forma como fomos criados e pelas expectativas adultistas que existem na sociedade. Taxar como difícil é natural. O que não podemos fazer é responsabilizar a criança por considerarmos difícil. Não é por conta dela. É desafiador porque não fomos preparados de forma saudável. Fomos reprimidos e, por isso, reprimimos também.

Por que, mesmo tendo o cérebro maduro, os adultos também fazem birra e têm dificuldade em lidar com as suas emoções?

Os adultos têm essa dificuldade porque tampouco foram acolhidos na infância. Caso contrário, não iriam se escandalizar com as reações das crianças, porque teriam tido a liberdade de serem crianças e teriam sido aceitos na integridade. Mas como isso não ocorreu, eles estranham quando a criança age naturalmente, porque a birra é um comportamento natural. E eles estranham porque são oprimidos, então, mesmo se desejam fazer diferente, terão uma certa dificuldade, justamente, pela falta de acolhimento que viveram. É um processo e precisamos dar um passo de cada vez.

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Verônica Fraidenraich
Editora da Canguru News, cobre educação há mais de dez anos e tem interesse especial pelas áreas de educação infantil e desenvolvimento na primeira infância. É mãe do Martim, 9 anos, sua paixão e fonte diária de inspiração e aprendizados.

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