Adolescência e redes sociais: uma combinação explosiva

Entenda como as mudanças naturais da idade deixam os adolescentes mais suscetíveis às redes sociais

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Adolescência e redes sociais; uma combinação explosiva; menina adolescente está sentada no chão com cabeça baixa e há vários emojis e ícones no ar
Ao mesmo tempo que se sentem imortais e invencíveis, os adolescentes também se sentem incompreendidos, sozinhos e isolados, afirma o renomado psicólogo inglês David Elkinds
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Na grama do vizinho é onde achamos que acontece tudo o que não será possível conosco. Tanto as coisas que idealizamos – a tal da grama mais verde – quanto o que achamos aversivo demais. Às vezes uma tragédia precisa acontecer na grama do vizinho para nos assustarmos um tanto e repensarmos aquilo que pode nos ocorrer. 

Uma tragédia dessas aconteceu com a família do Lucas, um adolescente de 16 anos que decidiu terminar a vida essa semana depois de sofrer bullying no TikTok. Uma única situação de bullying é capaz de tanto? Provavelmente, não. Mas uma infância e adolescência pautadas nas redes sociais podem aumentar os fatores de risco. 

É isso o que defendem alguns especialistas no assunto. Por exemplo, Twenge, pesquisadora que estuda dados sobre comportamentos de adolescentes americanos desde a década de 70, suspeita que um dos grandes responsáveis pelo aumento da depressão e automutilação entre adolescentes seja o uso das redes sociais. Outras pesquisas apontam que as redes podem ser responsáveis pelo aumento da insegurança, baixa autoestima, distúrbios alimentares.

O problema é que o uso das redes acentua os problemas que os adolescentes naturalmente já têm dificuldade para enfrentar.

Mudanças típicas da idade deixam os adolescentes mais propensos à insegurança, depressão, ansiedade. Por exemplo, uma pesquisa perguntou aos participantes quantos episódios depressivos tiveram no último ano. Seiscentos mil americanos entre 12 e 65 anos foram entrevistados. A faixa etária entre 14 e 17 anos foi a que reportou o maior número de episódios depressivos. Este dado se repete na pesquisa desde que os dados começaram a ser coletados, em 2009.

Obcecados por descobrir quem são

Uma das principais tarefas da adolescência é descobrir quem se é para além das paredes de casa. Tanto que uma das maiores mudanças que acontecem no cérebro adolescente é o desenvolvimento da metacognição – a capacidade que temos de refletir sobre o que pensamos.

Os adolescentes se tornam extremamente autorreflexivos e autocentrados. É uma fase em que as pessoas ficam obcecadas com o próprio comportamento e aparência. Elas se avaliam o tempo inteiro. E claro, ficam preocupadas sobre o que os outros pensam sobre elas.

Audiência imaginária

O problema é que os adolescentes não sabem avaliar com clareza qual o conteúdo do pensamento do outro. Então eles concluem que o outro pensa aquilo que eles também pensam. Ou seja, se eu estou obcecado em me avaliar, o outro também está. É comum que os adolescentes presumam que as pessoas os criticam tanto quanto eles, os adolescentes, criticam a si mesmos. É comum que eles fantasiem que são o foco da atenção das outras pessoas e que elas sabem tudo sobre suas falhas e inadequações.

Elkind, renomado psicólogo do desenvolvimento, explica que os jovens sentem como se as pessoas os assistissem o tempo inteiro. É como se eles vivessem um ”Big Brother” fantasioso. Na verdade, a plateia julgadora está apenas em suas imaginações. Eles sofrem com a fantasia sobre o julgamento alheio.

Agora imagine o que acontece quando os adolescentes têm acesso a uma ferramenta que de fato potencializa sua audiência. Uma audiência que mostra a todo tempo como é julgadora e impiedosa. Mesmo que o adolescente não poste tanto, usará a régua que aprende nas redes para medir o que os outros pensariam sobre o que ele fez, pensa ou sente.

Isolamento e solidão

Para Elkind, a sensação de ser o foco das atenções – e do julgamento alheio – dá aos adolescentes um senso de importância. É como se eles se sentissem diferentes e únicos. Fantasiam também que suas experiências emocionais são diferentes e por isso incompreensíveis para o outro. Como se ninguém conseguisse dimensionar ou compreender aquilo que sentem. A consequência é que, ao mesmo passo que se sentem imortais e invencíveis, os adolescentes também se sentem incompreendidos, sozinhos e isolados.

As redes podem ampliar a solidão. Quando o adolescente está em um dispositivo, ele está de fato sozinho. A literatura mostra que pessoas que dedicam muito tempo para a conexão online, se sentem mais solitárias. O tempo excessivo nas redes reduz o tempo disponível para experiências reais.

Amizades virtuais podem gerar uma ilusão de companheirismo, mas o fato é que elas não envolvem o senso de compromisso que existe nas amizades reais. Grupos e amizades virtuais não satisfazem nossa necessidade de pertencimento.

Dos pais aos pares

Sozinho é o último lugar que o adolescente deseja estar. Quem fala sobre isso é Daniel Siegel, psiquiatra infantil da Universidade da California em Los Angeles. Ele explica que na adolescência, inicia-se a transição para fora de casa. Sair da proteção dos adultos é estimulante, mas ao mesmo tempo assustador. O grupo dá segurança para que o adolescente consiga se virar para além de sua casa. Por exemplo, as necessidades de intimidade, confiança, confidência e companhia são cada vez mais preenchidas pelos amigos. É por isso que o adolescente supervaloriza a opinião do grupo e fica mais propenso a adequar-se às expectativas dos outros. Ele precisa pertencer para sentir-se seguro socialmente.

A literatura aponta que nesta fase é comum que a opinião do outro se torne mais importante do que a opinião própria. Estudos mostram que adolescentes se preocupam mais com a aprovação alheia do que as crianças e os adultos. Eles têm maior sensibilidade à rejeição social. Ficam sensíveis e hipervigilantes a qualquer sinal de reprovação.

É por isso que adolescentes são mais vulneráveis ao bullying – comportamento extremamente frequente nas redes sociais como infelizmente retratou o caso do menino Lucas. Jonathan Haidt, psicólogo social e pesquisador sobre o tema,  afirma que a mídia social é o maior facilitador da agressão social desde a invenção da linguagem. As evidências disponíveis sugerem que a saúde mental dos adolescentes sofreu como resultado.

Comportamentos inautênticos

Para pertencer ao grupo, é comum que os adolescentes reprimam aquilo que realmente pensam e sentem. Comportamentos inautênticos, apesar de normais na idade, estão relacionados à baixa autoestima e sintomas depressivos. Além disso, quando os adolescentes percebem que seus comportamentos dependem do contexto, eles ficam mais confusos, se sentem inadequados e menos competentes. Fica mais difícil entender quem se é, quando não existe coerência entre suas palavras e ações.

E o que o uso das redes sociais faz? Torna os adolescentes ainda mais influenciáveis, ampliando a dificuldade de sentirem-se autênticos. Antigamente precisávamos inferir a respeito do que as pessoas pensavam. Precisávamos ler a linguagem corporal, entonação de voz, usar os sentidos. Hoje, a ferramenta quantifica aquilo que a audiência gosta e não gosta em número de likes e seguidores. Os adolescentes das redes não têm tantas dúvidas do que precisam fazer e pensar para ter a aprovação do outro. Então eles vestem a camisa e passam anos buscando aplausos. Imitando online e off-line aquilo que seus ídolos fazem – nada errado em imitar ídolos que escolham por admirar qualidades, profissão ou comportamento. Mas os ídolos dos adolescentes das redes são escolhidos pelo número de likes e seguidores.

Comparação social

Uma forme de descobrir quem se é, é refletindo sobre si mesmo e sobre o que os outros pensam de você. Uma outra forma é comparando-se com o outro. Por exemplo, posso aprender que sou alta constatando que os outros são mais baixos do que eu. Para entendermos quem somos, olhamos para o mundo para avaliarmos semelhanças e diferenças. E é por isso que adolescentes são obcecados pela comparação social.

As redes funcionam como uma vitrine onde cada usuário expõe a ideia de si que deseja vender, maquiando a embalagem e a vida original para parecer que a propaganda é verdade.

Não é preciso nem dizer que a vida real parece sem graça e problemática em comparação.

Os desafios naturais da adolescência já fazem desta fase um período difícil. Não é de hoje que adolescentes tem dificuldades emocionais. O problema é que as redes tornam mais complicado o que já era complexo em primeiro lugar.

Certa vez, ouvi uma frase que me marcou. Como qualquer outra substância que altera o funcionamento do cérebro, as redes sociais precisam ser reguladas para menores de idade. Eles não têm maturidade, recursos emocionais, nem mesmo uma personalidade formada para lidar com os desafios impostos pelas redes. Talvez algumas gerações precisem sofrer até que as empresas e governos tomem alguma medida. No ínterim, quem protegerá os nossos filhos?


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