Suspensão da vacinação em adolescentes causa confusão e deixa médicos e entidades de saúde perplexos

Críticas feitas à decisão do Ministério da Saúde citam justificativas pouco claras, sem embasamento científico e que causam desinformação e insegurança

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Suspensão da vacinação em adolescentes causa confusão e deixa classe médica e entidades de saúde se dizem perplexas; Menina adolescente de cabelos compridos recebe vacina
Órgãos regulatórios nacionais e internacionais aprovaram a vacina da Pfizer em adolescentes
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Médicos, entidades de saúde e governos municipais e estaduais estão estarrecidos com o anúncio da medida de suspensão da vacinação em adolescentes de 12 a 17 anos pelo Ministério da Saúde, contrariando diretrizes anteriores dadas pela própria pasta e a orientação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Na quarta-feira (15), o ministério emitiu uma nota técnica recomendando que a vacinação para adolescentes seja feita apenas naqueles com comorbidades, deficiência permanente e privados de liberdade. A nota é contrária à diretriz anterior da pasta que orientava a vacinação dessa faixa etária, sem prioridades, com uso da vacina da Pfizer, única autorizada no Brasil para esse público. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, chegou a recomendar às mães que não levem os filhos para vacinar.

O anúncio causou confusão no país, deixando muitos pais inseguros, além de surpreender estados e municípios que haviam começado a vacinar os jovens sem comorbidades. Cidades como Natal chegaram a suspender a vacinação e depois anunciaram que iriam retomá-la. Muitas outras capitais e estados, como São Paulo, orientaram os prefeitos a prosseguir com o esquema de vacinação de adolescentes. A capital paulista é uma das que manteve o calendário vacinal para jovens e já imunizou 85,5% desse grupo, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.

“Não há indícios concretos e robustos de que as vacinas são prejudiciais, não há porque acontecer essa suspensão”, declara o infectologista pediátrico Marcelo Otsuka, vice-presidente do Departamento Científico de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP). Ele recorda que milhões de doses da Pfizer foram aplicadas com sucesso em diversos países, como Israel, Estados Unidos e na Europa, e pontua que “eventos adversos podem acontecer, mas nenhum deles de maneira tão importante que indique a suspensão da vacina”.

Reações atingem número muito pequeno de adolescentes vacinados

Entre os argumentos dados pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para a suspensão da vacinação de adolescentes, estão possíveis efeitos adversos identificados em 1,5 mil adolescentes imunizados. Esses, porém, representam 0,00043% de um total de 3,5 milhões de jovens que receberam a vacina. E a maioria (93%) desses efeitos ocorreram no público que tomou imunizantes sem autorização para uso em adolescentes – cerca de 21 mil jovens receberam outras vacinas que não a da Pfizer, contrariando as recomendações sanitárias. Outro motivo alegado pelo ministro diz respeito à morte de uma adolescente que havia sido vacinada. Nesta sexta-feira (17), no entanto, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo concluiu que a morte da jovem de 16 anos, de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, não tem relação com a vacina e decorreu de uma doença autoimune.

“A gente tem estudos contundentes provando a segurança da vacina. Já são mais de 10 milhões de crianças vacinadas no mundo, com nenhuma morte. A da Pfizer provocou alguns eventos adversos, mas todos tiveram um bom desfecho, ou seja as crianças melhoraram, ficaram ótimas. Em algumas situações, mais raras ainda, crianças precisaram de uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva), mas mesmo assim todas elas tiveram uma evolução muito boa”, relata a pediatra Marcela Noronha, nefrologista infantil e educadora parental.

Medida colabora ‘para a desinformação e insegurança, diz Associação Médica

O ministro Queiroga também citou problemas de miocardite, uma inflamação no músculo do coracão, relacionada ao imunizante da Pfizer. Contudo, é extremamente rara a incidência desse problema – 16 casos para cada um milhão de pessoas vacinadas com as duas doses– afirma, em nota, o Comitê Extraordinário de Monitoramento Covid-19 da da Associação Médica Brasileira.

O órgão, que reúne representantes de 23 associações, sociedades e federações médicas do país, divulgou um comunicado lamentando a medida do Ministério da Saúde e reforçando a recomendação em manter a vacinação dos jovens para reduzir o número de casos e mortes, que não podem ser desprezados. “O Brasil já acumula mais de 2 mil óbitos desde o início da pandemia em menores de 18 anos, número muito superior ao total de mortes nessa população quando se observam outras doenças imunopreveníveis”, afirma o documento. Segundo o comitê, a medida de suspensão da vacinação desse público “colabora para a desinformação e insegurança em relação à vacinação no país”.

A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) também se posicionou sobre o assunto e disse que apesar de “entender que a população de maior risco deve ser priorizada, discorda do recuo do Ministério da Saúde em relação à vacinação de adolescentes sem comorbidades”. A entidade afirma que as justificativas apresentadas pelo ministério não são claras e não têm sustentação em evidências científicas e ressalta que a medida gera receio na população e abre espaço para fake news.

Já a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), por meio do Departamento Científico de Imunizações, reforçou em nota a importância de ampla cobertura vacinal para todas as faixas etárias contempladas pelas vacinas licenciadas no país.

‘Avaliações negativas são contraproducentes’

A Confederação Nacional de Municípios (CNM) se disse perplexa em relação à fala do Ministério da Saúde durante coletiva de imprensa do dia 15 de setembro, na qual passou a culpabilizar os municípios de criarem tumultos em relação à vacinação dos jovens. “A entidade entende que esse posicionamento apenas serve para confundir a população brasileira. Assim, a emissão de avaliações negativas do Ministério da Saúde, justamente por municípios avançarem na campanha de vacinação, é absolutamente contraproducente”, declara Paulo Ziulkoski, presidente da CNM. A confederação pede, com urgência, que sejam disponibilizados documentos norteadores aos municípios para a vacinação da população de 12 a 17 anos, “sob pena de gerar desorganização e ainda, algo muito mais grave, que é a insegurança da população perante um ou outro esquema vacinal”.

Outros pontos que justificam a vacinação dos adolescentes

Abaixo, leia trechos da nota do Comitê Extraordinário de Monitoramento Covid-19 da AMB e da Sociedade Brasileira de Imunizações que esclarecem a importância de vacinação dos adolescentes.

Eficácia e segurança da vacina

Órgãos regulatórios nacionais e internacionais como a Anvisa e o FDA aprovaram a vacina Covid da Pfizer em adolescentes, decisão baseada em rigorosos ensaios clínicos randomizados que incluíram milhares de voluntários, que demonstraram eficácia em termos de imunogenecidade em indivíduos que receberam duas doses desse imunizante. No tocante à segurança dessa vacina, a incidência e gravidade dos potenciais eventos adversos evidenciados nesses estudos foramva não significativos quando comparados aos benefícios da proteção conferida pelo imunizante. Não se justificam, portanto, os argumentos genéricos presentes na Nota Informativa do Ministério da Saúde, de 15/09/2021, que questionam e eficácia dos ensaios clínicos randomizados no tocante aos evidentes benefícios da vacinação nessa faixa etária.

Público-alvo

Ao aprovar a vacina Pfizer/BionTech para adolescentes entre 12 e 17 anos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não restringiu a administração a pessoas com comorbidades.

Organização Mundial de Saúde (OMS)

Ao contrário da nota informativa do ministério, a OMS recomenda a vacinação de adolescentes entre 12 a 17 anos sem comorbidades, desde que obedecida a priorização da imunização de outros grupos mais vulneráveis.

Vacinas de outros fabricantes

O fato de apenas um imunizante — o da Pfizer/BionTech — ter sido testado em ensaios clínicos randomizados e licenciado pela Anvisa para uso em pessoas a partir dos 12 anos de idade, e ocorrências pontuais de administração equivocada de vacinas de outros fabricantes (erros de imunização), esses fatos não justificam a interrupção, uma vez que a orientação atual é a de utilizar exclusivamente a vacina Pfizer/BionTech para esse público.

Cenário epidemiológico no Brasil

A melhora no cenário epidemiológico brasileiro, com queda de 60% no número de casos e de 58% de mortes por covid-19 nos últimos 60 dias, não é motivo para a interrupção. A vacinação é um dos fatores, senão o principal, que colaborou para esse avanço. Vacinar os adolescentes pode contribuir ainda mais.



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