Pernas arqueadas ou em X são comuns na infância, mas podem precisar de tratamento

Chamados de joelho varo e joelho valgo, as pernas “tortas” das crianças são normais no período de desenvolvimento; entretanto, caso não se normalize, uma avaliação profissional é muito importante

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Criança com pernas arqueadas na infância andando pela casa
Com o nome científico de geno varo, as pernas arqueadas são comuns nos primeiros anos de vida, assim como as pernas em X - chamadas de geno valgo.
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Crianças com as pernas arqueadas, que apresentam os joelhos para fora, ou com pernas “em X”, com os joelhos mais para dentro, possuem os chamados joelho varo ou joelho valgo. Conhecidos também como geno varo e geno valgo, esse desalinhamento dos joelhos interfere na posição das pernas e pés da criança e é comum na infância, podendo surgir de forma natural ou devido à alguma doença.

Esses desalinhamentos, apesar de não serem o posicionamento normal para os joelhos, quando não associados a doenças são considerados normais e podem ser vistos com frequência nas crianças, especialmente nos primeiros anos de vida. “Toda criança nasce com as chamadas pernas arqueadas, ou seja, em varo, e conforme elas vão crescendo esta deformidade vai diminuindo”, explica Dalyla Peçanha, fisioterapeuta especializada em crianças e idosos. 

Natasha Vogel, ortopedista pediátrica membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia e da Sociedade Brasileira de Ortopedia Pediátrica, ressalta que no período dos 18 a 24 meses, as pernas da criança ficarão retas, porém a tendência é que a deformidade se inverta após essa faixa etária, passando para o “joelho em tesoura.”

“Com o crescimento da criança, o formato dos membros inferiores ainda vai mudar, sendo que com 3-4 anos de idade os joelhos atingirão o máximo do valgo (joelhos para dentro). Ou seja, as pernas só terão um formato semelhante ao da vida adulta com, aproximadamente, 7 anos de idade”, explica.

Natasha Vogel, ortopedista pediátrica
Natasha Vogel, ortopedista pediátrica | Imagem: divulgação

“Antigamente era comum as deformidades causadas pela carência de cálcio, o raquitismo carencial. Essa deficiência de cálcio causava muitas alterações em varo e em valgo. Entretanto, nos dias atuais já não é mais tão frequente”, relata Dalyla Peçanha.

A profissional também explica que há uma patologia chamada Doença de Blount, que também pode estar associada ao desenvolvimento do joelho varo na infância. “Esse problema acomete a placa de crescimento interna da tíbia, levando a uma acentuada deformidade em varo”, pontua. “Além disso, ambos os tipos de joelhos podem não ser causados por doenças subjacentes, podendo ser apenas uma variação fisiológica e com causa de origem congênita.” Nesse caso, o joelho desalinhado se manifesta desde o nascimento.

Dalyla Peçanha, fisioterapeuta especialista em crianças e idosos
Dalyla Peçanha, fisioterapeuta especialista em crianças e idosos | Imagem: arquivo pessoal

Quando o desvio não é normal

Um bom exemplo de joelho valgo é o personagem Kiko, do seriado “Chaves”. Suas pernas são em X ou em tesoura, o que reflete um quadro de geno valgo, onde os joelhos se encontram na parte interior, mais juntos do que deveriam. Já as pernas arqueadas são conhecidas como “pernas de cowboy”, assemelhando-se à posição que um indivíduo fica quando está montado em um cavalo, com os joelhos rotacionados para fora.

Ilustração mostrando a estrutura óssea do joelho valgo (pernas em X) e o joelho varo (pernas arqueadas)
Ilustração mostrando a estrutura óssea do joelho valgo (pernas em X) e o joelho varo (pernas arqueadas) | Imagem: Lorran Coque Fonseca, da Universidade Federal Fluminense

Entretanto, as especialistas destacam que o joelho valgo ou varo só pode ser considerado normal e com correção natural e progressiva caso seja associado ao período de crescimento da criança. Fraturas prévias, infecções, doenças congênitas, doenças metabólicas, doenças do desenvolvimento, doenças neuromusculares ou até manifestações sem causa aparente em alguns casos podem configurar um quadro de desalinhamento dos joelhos, mas que não são consideradas normais e podem exigir algum tipo de tratamento.

Esse foi o caso de Gabriel Vidal Lemos, 14 anos, que, logo no nascimento, foi identificado com um encurtamento dos membros. “Posteriormente, fomos encaminhados a uma médica geneticista, que pediu algumas radiografias, e com isso foi identificado que ele tinha uma condição genética de displasia óssea. Existem diversos tipos, então precisamos aguardar um tempo para observar qual displasia óssea ele tinha. Mas sabíamos que essa displasia causaria uma baixa estatura, e estaria classificado numa espécie de nanismo”, relata Manuela Freaza Vidal, mãe de Gabriel. Ela conta que o filho foi acompanhado por um ortopedista especialista em deficiências congênitas, e por volta dos 3 ou 4 anos, ele passou a apresentar o joelho varo, ou seja, as pernas arqueadas.

Gabriel Vidal Lemos, com 5 anos, tinha as pernas arqueadas, com o joelho varo
Gabriel Vidal Lemos aos 5 anos, com os joelhos em varo. | Imagem: arquivo pessoal

Manuela conta que a rotação na tíbia causada pelo geno varo compromete a estrutura óssea, o que causava dor e afetava a marcha (o ato de caminhar). Assim, a indicação médica foi que Gabriel realizasse, aos 5 anos, uma cirurgia com intervenção na tíbia para alinhamento das pernas. Entretanto, como já era esperado para seu caso, as deformidades em varo voltaram a acontecer, especialmente na perna esquerda. “Hoje, com 14 anos, ele está passando por um tratamento de correção e alongamento ósseo, com o uso de fixadores externos que fazem correções na perna, ao mesmo tempo que separam um osso do outro. Com a regeneração, ele também ganha alguns centímetros a mais”, explica a mãe.

Desde os 6 meses, Gabriel também faz natação, por recomendação médica, por ser uma atividade física sem impacto. “Uma outra recomendação é que pessoas que tem o nanismo e a deformidade nas pernas, o arqueamento, é que não ganhem muito peso, pois o sobrepeso acentua o arqueamento das pernas”, relata Manuela Vidal. Logo, uma alimentação equilibrada também é parte importante dos cuidados de Gabriel com as deformidades.

Botinhas ortopédicas, uma lembrança do passado

Como pontuado pelas especialistas, pernas arqueadas, assim como as pernas em X ou “em tesoura” muitas vezes são fruto natural do crescimento das crianças, e não exigem tratamento. Nesses casos, é preciso aguardar a correção natural dos joelhos desalinhados das crianças, que podem variar de diferentes formas até os 4 anos de idade ou mais. 

A correção para geno varo e geno valgo na infância, por volta dos anos 80 e 90, já foi frequentemente realizada em diferentes idades por meio de botas ortopédicas e palmilhas especiais. Apesar de em alguns casos ainda serem prescritas, não há nenhuma comprovação científica de que esses métodos possam ser eficazes como forma de tratamento.

“Atualmente, os estudos científicos evidenciam que as botas e as palmilhas não são capazes de corrigir as deformidades em varo e valgo dos joelhos”, pontua a ortopedista pediátrica Natasha Vogel. Hoje, as chamadas órteses também são utilizadas nas crianças como forma de estabilizar ou guiar o crescimento e controlar o desalinhamento dos joelhos; elas são de uso noturno e confeccionadas a partir de um molde da perna da criança.

Dalyla Peçanha explica que a fisioterapia pode ser uma opção válida na infância, por meio de exercícios que impactam no alinhamento dos joelhos e, consequentemente, das pernas tortas. “A fisioterapia é indicada para casos fisiológicos, ou seja, onde não tenha outra doença associada. As condutas fisioterapêuticas visam fortalecer os músculos com exercícios que favoreçam o alinhamento das pernas, alongamentos efetivos, exercícios de equilíbrio e propriocepção através do treino de marcha e transferências posturais”, diz a especialista.

“Atualmente, especialistas costumam esperar o tempo fisiológico para correção de forma natural. Se após isso ainda não houver mudanças, podem ser consideradas algumas opções, como: cirurgia de correção, fisioterapia, exercícios físicos e estímulo muscular. É essencial a avaliação e acompanhamento de um especialista“, pontua Dalyla Peçanha.

Avaliação profissional é importante

Segundo Natasha Vogel, caso essa “deformidade” no joelho – seja com as pernas arqueadas ou em X – seja fisiológica, ela não afetará o desenvolvimento da criança. “Entretanto, nos casos em  que elas são patológicas, ou seja, fogem do padrão da normalidade, elas podem provocar dor ou desconforto nos joelhos, instabilidade da patela, alterações ligamentares dos joelhos, dificuldade para correr e apresentar queixas estéticas. Lembrando que, a longo prazo, principalmente relacionado ao varo, podemos observar o desgaste precoce da articulação”, explica.

Dalyla Peçanha completa e explica que a presença dessas alterações nos joelhos também pode vir a impactar, mesmo que temporariamente, algumas atividades da rotina das crianças em casa.

“Com a presença dessas alterações, a mobilidade da criança pode ser alterada, prejudicando assim a marcha e a execução de atividades diárias, como caminhadas, subir ou descer escadas e até o simples ato de levantar e sentar em uma cadeira”, explica a fisioterapeuta.

Com avaliação clínica cuidadosa e análise de exames de imagem, um especialista poderá determinar cada quadro, e também direcionar para procedimentos cirúrgicos, caso necessário. Segundo Vogel, para crianças que ainda estão crescendo, procedimentos menores e precisos podem ser realizados para obter a correção. “As cirurgias mais realizadas para obter a correção dos joelhos são: as osteotomias, quando realinhamos o osso durante a cirurgia, hemiepifisiodeses definitivas, quando bloqueamos o crescimento do osso de forma definitiva, ou hemiepifisiodeses temporárias, quando bloqueamos o crescimento do osso temporariamente.”

Assim, é fundamental que, mesmo que as alterações surjam como fruto do processo natural de crescimento, a criança receba uma avaliação profissional para analisar cada caso em particular e evitar desconfortos. “Nas condições que precisam de tratamento, a primeira coisa a ser definida é a origem da deformidade. Assim que conseguimos entender a causa do varo e valgo do joelho, podemos estabelecer qual será o tratamento e qual é o melhor momento para ser feito”, pontua a ortopedista.


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