Uso de máscara pode afetar sociabilidade e linguagem das crianças?

Sindicato de escolas particulares de São Paulo pediu ao governo liberação total das máscaras alegando danos ao desenvolvimento socioemocional das crianças; tema não é consensual, mas, no estado paulista, uso em locais fechados se tornou opcional

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Dois alunos de máscara estão sentados em carteira escolar
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A flexibilização do uso de máscaras em diversas cidades do país levantou uma discussão quanto a possíveis prejuízos que a proteção traria ao desenvolvimento socioemocional das crianças. Esse, inclusive, foi o argumento de carta enviada pelo sindicato de escolas particulares de São Paulo ao governo paulista que pedia a liberação total do acessório. Com a queda no número de casos e mortes por Covid, muitos estados e municípios desobrigaram o uso da máscara em espaços abertos e a tendência é que liberem também em ambientes fechados. Em São Paulo, por exemplo, a partir desta quinta-feira (17), a máscara será opcional em salas de aulas, refeitório e outros espaços fechados nas escolas. O tema, porém, é polêmico e, mesmo com a liberação, há escolas e famílias que preferem manter o uso da proteção.

Habilidades linguísticas e problemas de socialização são alguns dos danos que o uso da máscara poderia provocar nas crianças, mas alguns especialistas veem com cautela tais afirmações e dizem que é preciso um tempo maior de acompanhamento para obter resultados mais confiáveis. 

Para a psiquiatra Silvia Regina Gomes Fenerich, é difícil avaliar as consequências dessa restrição física, pois isso varia de criança para criança. “Penso que a mente infantil tem plasticidade suficiente para elaborar representações psíquicas por diferentes caminhos. Por exemplo: podem se acentuar aspectos fóbicos com inibições e afastamento social na criança, mas também podem prevalecer aspectos relacionados à consciência de autocuidado e resiliência. Acho que é necessário um acompanhamento mais a longo prazo”, pontua a especialista.

Danielle Admoni, psiquiatra da infância e adolescência, analisa que esse é um tema bastante controverso e não há evidência científica sobre o atraso no desenvolvimento socioemocional, de aprendizado. “Alguns trabalhos evidenciam que sim, outros que não. Claro que o uso de máscara altera a expressão facial, abafa som, mas criança criança tem adaptação muito boa, então ela consegue usar outros sinais, como os olhos, nariz, resto da movimentação do corpo, o cheiro, tom de voz”, esclarece Danielle. Ela abre uma exceção para crianças com alterações auditivas e com transtorno do espectro autista (TEA), que têm dificuldade de leitura facial. A médica relata que mesmo antes da pandemia estudos que analisaram crianças com a parte abaixo do nariz coberta não constataram alterações no desenvolvimento socioemocionais e mesmo na linguagem de crianças pequenas.

“Manter as escolas fechadas sim trouxe um prejuízo socioemocional infinito. A gente viu alterações psiquiátricas e pedagógicas por conta das crianças terem ficado em casa. A máscara tem papel importante de permitir que pessoas frequentem fisicamente a escola, isso sim faz diferença no desenvolvimento, tanto para aprender quanto para desenvolver socialmente”, declara Danielle.

Já um laudo técnico sobre a necessidade de mudança de protocolos quanto ao uso de máscara por crianças, no Rio Grande do Sul, onde o acessório foi liberado para menores de 12 anos de idade, desaconselha o uso de máscara em crianças de até 11 anos. O relatório aponta que o custo de usar máscaras, somado ao longo tempo de escolas fechadas, é superior a seus eventuais benefícios. “Enquanto em estudos estrangeiros os benefícios vão entre 13 e 20% do uso de máscaras em crianças (com vieses metodológicos), os prejuízos de linguagem e habilidades socioemocionais com aumento de sintomas psiquiátricos, unidos aos efeitos da pandemia e escolas fechadas, vão de 20 a 66%”, destaca o documento elaborado por Rochele Paz Fonseca, neuropsicóloga, fonoaudióloga e pesquisadora da Pontifície Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), e Mariane Uebel, médica psiquiatra da infância e da adolescência e fellowship em neuroimagem na Universidade de Columbia (EUA), para o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers).

Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (Centers for Disease Control and Prevention ou CDC) diminuiu as restrições de uso máscara no final de fevereiro, mas ainda recomenda a proteção facial em ambientes fechados em áreas consideradas de alto risco, segundo métricas como novas hospitalizações e novos casos da doença.

Aprendizado da linguagem

Entre os problemas ao desenvolvimento da linguagem das crianças, estaria o fato de elas não conseguirem aprender novas palavras, por não poderem ver os movimentos da boca de quem fala com elas, o que é importante nesse aprendizado. Um estudo recente, porém, realizado por psicólogos da Universidade de Miami (EUA), que comparou gravações de áudio de crianças de 3 e 4 anos de idade em sala de aula com e sem máscara, não constatou diferenças nesses dois grupos quanto à capacidade de aprender e produzir linguagem, independentemente se as crianças estavam com máscaras ou não.

“Não encontramos nenhum efeito negativo do uso de máscaras na produção de linguagem das próprias crianças”, disse a doutora em psicologia Samantha Mitsven, principal autora do estudo, em publicação da universidade. A pesquisadora explicou que talvez as crianças estejam falando um pouco mais alto ou os professores possam ter fornecido suporte adicional para ajudar as crianças a serem ouvidas, “mas elas definitivamente são capazes de se comunicar na sala de aula – mesmo com essas máscaras.”

Leitura das emoções

Dificuldade para ler as emoções das pessoas que usam máscaras também seria outro problema ao qual as crianças estariam sujeitas com o uso da máscara. Observar os rostos das pessoas ao seu redor, desde os primeiros meses de vida, permite distinguir entre emoções positivas e negativas e também aprender a ajustar o próprio comportamento. De fato, um estudo publicado na revista Frontiers in Psychology mostrou que crianças entre três e cinco anos são menos propensas a reconhecer emoções em fotografias de pessoas usando máscaras em comparação com fotografias de pessoas sem máscaras. Mas há estudos que mostram outras conclusões. 

Pesquisadores da área de psicologia da Universidade de Wisconsin (EUA) observaram se as crianças eram capazes de responder com precisão às emoções dos outros e concluíram que as interações sociais são minimamente impactadas pelo uso do acessório. Segundo o estudo, as crianças conseguem saber se um amiguinho, mesmo com máscara, está triste ou com raiva, com base apenas na região dos olhos. O estudo diz também que a precisão das crianças na leitura das emoções de colegas usando máscaras era semelhante ao de alguém que usa óculos escuros.

Sindicato de escolas privadas diz que há, sim, danos

Na terça-feira (15), o Sindicato de Escolas Particulares do Estado de São Paulo (Sieeesp) e a Organização Paulista de Escolas Particulares (Opep) entregaram uma carta ao governo paulista em que pediam que as instituições de ensino fossem priorizadas para a liberação da máscara em todos os ambientes da escola – fechados e abertos – tão logo esta medida fosse considerada pelas autoridades sanitárias. 

Segundo a carta, o uso prolongado do acessório no rosto inviabiliza trocas importantes entre os alunos e destes com os seus professores e traz prejuízos no desenvolvimento socioemocional infantil, contribuindo ainda para problemas como depressão, ansiedade e estresse. “O aprendizado de empatia e leitura de emoções e sentimentos é interrompido, uma vez que este é multicanal: verbal e não verbal. Habilidades linguísticas e fonoarticulatórias, competências de comunicação e todos os demais processos e habilidades de socialização são diretamente impactados, justamente no período mais sensível de sua formação”, afirma o documento.

Para a diretora pedagógica do Colégio Albert Sabin, Giselle Magnossão, embora não existam dados de pesquisa que corroborem os prejuízos, há sim interferência nas atividades escolares, que, para ela, ultrapassam o simples desconforto, principalmente, durante a alfabetização. “É muito mais difícil para o professor observar e corrigir dificuldades fonoarticulatórias quando as crianças permanecem com a máscara. Por outro lado, os alunos podem ter dificuldade em distinguir alguns sons da fala do professor, o que pode se tornar um problema, em especial, para as crianças em fase de aquisição da base alfabética”. Ela aponta que o desgaste dos professores com o uso da máscara também precisa ser considerado, pois a máscara interfere na projeção e na audibilidade da voz.

Manutenção da proteção

Jozimeire Stocco, diretora geral do Colégio Stocco, em Santo André, também acredita haver prejuízos ao aprendizado das crianças, mas como nem todas estão vacinadas, manterá a orientação para uso do acessório, mesmo sendo medida opcional a partir de agora. “Sabemos que as crianças tiveram perdas, principalmente as crianças pequenas, que quando começam a ser alfabetizadas observam muito a articulação da boca, o adulto é modelo de como articula as palavras, o falar corretamente, e com o uso da máscara algumas trocas importantes que o adulto tem com a criança ficam inviabilizadas. Mas, no momento, o colégio recomenda o uso da proteção em espaços fechados como a sala de aula”.

Atenção a outros vírus respiratórios

A pediatra Marcela Noronha considera que a retirada das máscaras não deve agravar a situação da Covid, desde que sejam seguidas todas as medidas de proteção e priorizado o uso de espaços abertos. “Se a escola tem bons procedimentos de higiene, tem áreas grandes, arejadas, sem aglomeração grande de crianças, sou a favor que a gente comece sim a retirar essas máscaras”.

Ela relata que a escola nunca foi um grande ambiente de transmissão de Covid e os casos têm diminuído, mas ressalta que existem outras infecções em que a escola é o grande responsável, como o vírus sincicial respiratório e outras infecções virais que tendem a aumentar neste período. “Por isso, é importante manter medidas de segurança como higienização e evitar mandar criança com febre ou tosse para a escola, que são medidas que já deveriam fazer parte do nosso dia a dia”.

Cidades como Rio de Janeiro e estados como Santa Catarina liberaram as máscaras recentemente, desobrigando o uso nas escolas. Mais de dez estados flexibilizaram as normas de uso, mas, no geral, se referem a espaços abertos. Na semana passada, a Associação Médica Brasileira divulgou boletim em que defende a manutenção da proteção. (Colaborou Bruno Penteado)


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Verônica Fraidenraich
Editora da Canguru News, cobre educação há mais de dez anos e tem interesse especial pelas áreas de educação infantil e desenvolvimento na primeira infância. É mãe do Martim, 9 anos, sua paixão e fonte diária de inspiração e aprendizados.

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