‘Manifesto antimaternalista’ reflete sobre o papel da mãe na sociedade

A psicanalista Bebel Soares comenta o novo livro de Vera Iaconelli, que faz uma crítica à idealização da mulher como única responsável pelo cuidado dos filhos e como isso gera culpa e adoecimento

153
Mãe negra brinca com bebê em frente ao espelho
Discurso maternalista desonerou os homens do trabalho com os filhos
Buscador de educadores parentais
Buscador de educadores parentais
Buscador de educadores parentais

“Manifesto antimaternalista: psicanálise e políticas de reprodução”, da psicanalista Vera Iaconelli, aborda as questões da parentalidade. As condições que uma geração dá a uma nova geração não se limitam aos laços entre mãe e bebê e mãe/pai com o filho/filha, porém o viés ideológico do maternalismo atravessa a maternidade da nossa época e coloca as mulheres como as únicas e verdadeiras responsáveis pelo cuidado com as crianças.

No livro, Vera conta que o discurso maternalista aparece da passagem do século 19 para o século 20. No feudalismo existia uma experiência mais comunal, sem uma divisão sexual do trabalho, embora houvesse uma subalternidade das mulheres, nem a ideia de infância. Com a entrada do capitalismo e a divisão sexual do trabalho, à mulher passou a caber o cuidado reprodutivo, com os filhos e a casa, e ao homem cabia o trabalho que tem valor, que é o trabalho remunerado. O trabalho doméstico deixa de ser considerado um trabalho, e passa a ser considerado um ato de amor. A mulher passa a ser vista como a cuidadora, sendo ou não sendo mãe.

A ideia pseudoteoria do “instinto materno” é criada para responder a uma necessidade política, econômica e social de um estado que percebeu que as crianças e jovens dependiam de cuidados constantes. Essa ideia desonerou os homens do trabalho de cuidado, e o deixou para as mulheres. Esse é o discurso maternalista, o discurso que retém a mulher dentro de casa e a reduz à maternidade. Ainda assim, as mulheres que não tinham um homem para sustentá-las, as viúvas, por exemplo, precisavam exercer algum tipo de trabalho remunerado para manter a si mesmas e à sua prole.

LEIA TAMBÉM:

Passando por Freud, Lacan e Winnicott, o livro mostra que algumas teorias psicanalíticas ajudaram a colocar a mulher nesse papel de responsável pelos filhos e por tudo o que pudesse acontecer com eles: “Por excesso ou por falta, se a criança se revelasse neurótica, psicótica ou perversa, a mãe estaria diretamente implicada no resultado”. Qualquer semelhança com a realidade, essa culpa materna que colocaram nos nossos ombros, não é mera coincidência.

Este ideal de maternidade vem adoecendo mulheres em uma busca por algo inatingível que resulta em culpa. “Manifesto Antimaternalista” repensa o papel da mãe na sociedade propondo um caminho para que ela não seja a principal, nem a única responsável pelo trabalho de cuidado com as próximas gerações.

Só com uma divisão mais justa será possível, amar nossos filhos sem nos sentirmos sobrecarregadas e exaustas. Especialmente as mães solo, cuja carga mental é imensa pela falta de rede de apoio e a necessidade de trabalhar para sustentar os filhos e a casa. 

Vera explica que essa responsabilização das mães por todo o trabalho de cuidado tende ao colapso, cuidar das próximas gerações deveria ser um trabalho de toda a sociedade e, num primeiro momento, cuidar das mulheres/ mães. Se engravidar e parir cabe a nós, deve haver uma divisão igualitária para todo o resto. 

*Este texto é de responsabilidade do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.

Gostou do nosso conteúdo? Receba o melhor da Canguru News semanalmente no seu e-mail.

DEIXE UM COMENTÁRIO

Por favor, deixe seu comentário
Seu nome aqui