Como falar sobre questões LGBTI+ com as crianças

À medida que as crianças crescem, perguntas sobre o tema podem surgir e os pais devem estar abertos para conversar naturalmente com os filhos e responder às suas dúvidas

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Como falar sobre questões LGBT com as crianças é importante para que possam lidar com os fatos da vida. Nesta imagem, seis corações coloridos simbolizam as cores do movimento LGBT
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Seu filho ou sua filha já lhe perguntou o que é “ser gay”? Ao ver um casal de homossexuais ou de lésbicas juntos, já questionou o fato de serem “menino e menino” ou “menina e menina”? Ou, ainda, perguntou por que eles ou elas estavam se beijando? À medida que as crianças crescem, perguntas como essas podem surgir e os pais, muitas vezes, pegos de surpresa, não sabem como agir.

Há quem prefira fingir que não ouviu a pergunta do filho, quem opte por inventar histórias sobre o tema ou ainda quem desconverse o assunto, alegando que isso não é pergunta para criança fazer. Mas a melhor resposta é sempre a verdadeira, ressaltam os especialistas.

“Os pais devem falar sobre questões LGBTI+ assim como qualquer outro tema da vida, como as questões de deficiência, gênero, raça e cor, por exemplo, respeitando o contexto familiar, questões religiosas e os valores da sociedade”, afirma Reinaldo Bulgarelli, educador e secretario executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+. Ele explica que a criança terá entendimentos diferentes a depender de sua idade e o principal é que compreenda que o respeito ao outro, diferente ou não, é essencial.

Quando o assunto deve ser tratado com os filhos, aliás, é uma pergunta recorrente entre os pais. Mas não há idade certa.

Se a pergunta surgir – e ela vai surgir, porque na escola ou em outros espaços é bem provável que a criança conheça um amigo cujos pais são gays ou lésbicas, por exemplo– a família deve tratar o assunto com naturalidade. Eventos como a “Parada do Orgulho LGBT”, realizada este mês em São Paulo, também podem fazer surgir a temática em casa. “Os pais têm de estar atentos para ajudar os filhos a ampliar o repertório, falando de termos como orientação sexual e identidade de gênero”, acredita Reinaldo. (Veja significado dessas expressões no fim do texto.) Para ele, esse conhecimento ajudará a criança a lidar com os fatos da vida. “Ela será capaz de integrar o assunto ao falar de sua religião, profissão ou visão de mundo, sempre respeitando o outro”, comenta o educador.


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Ao entender que as pessoas são diferentes, a criança será mais inclusiva

Geovani Nascimento, professor de educação infantil, ressalta que “enquanto ser humano e indivíduo da sociedade, a criança precisa entender que existem pessoas diferentes dela, que possuem outro tipo de relação com o mundo”. Ele também afirma que falar sobre as questões LGBTI+ é tão importante quanto falar de outros conceitos – de ciência e matemática, por exemplo. “Acredito que a criança que conversa sobre isso vai ser mais inclusiva e pode ajudar a diminuir o preconceito, a desumanização para com as pessoas LGBTI+ e mesmo as diversas violências que essas pessoas sofrem”, relata Giovani.

Cartilha propõe inclusão de questões LGBTI+ para crianças de 5 anos

No Reino Unido, a ONG Stonewall, do Reino Unido, promove uma campanha para que as escolas primárias tratem de questões ligadas ao movimento LGBTI+ em todas as disciplinas a partir dos cinco anos de idade. Na cartilha lançada pelo grupo, que traz sugestões específicas de acordo com a idade das crianças, há orientações para que os professores usem em sala de aula, por exemplo, a bandeira do arco-íris de forma lúdica para explicar o significado de cada cor. Em aulas de Matemática, a cartilha propõe usar enunciados como: “Quantos biscoitos restam no casamento de Fátima e Shanika?”, informa matéria do jornal Daily Mail.

Com a ajuda dos educadores e com base em informações da GLSEN, rede americana de advocacia sem fins lucrativos, focada na criação de escolas inclusivas à comunidade LGBTQ, reunimos abaixo as principais orientações para que pais e cuidadores se sintam mais preparados para falar sobre o assunto com seus filhos.


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5 dicas para falar sobre questões LGBTI+ com as crianças

1. Converse sobre o assunto

Não há uma idade certa para falar sobre a homossexualidade. A questão deve partir da criança que, em algum momento, certamente abordará o tema em casa porque teve algum tipo de contato com pessoas LGBTI+. Os pais não precisam se antecipar e sim responder naturalmente ao que o filho perguntar. A orientação serve para qualquer criança, mesmo que não haja indicação de que ela possa vir a ser lésbica, gay, bissexual ou transgênera. “Você está enviando um sinal muito importante sendo aberto à conversa”, diz Eliza Byard, diretora executiva da GLSEN. Ela relata que, independentemente da orientação sexual da criança, os pais devem conscientizá-la para que não seja preconceituosa, deixando “as portas abertas” para novas conversas em família sempre que surgir o interesse. Eliza diz ainda que os pais não têm necessidade de dominar os termos e conceitos normalmente usados ​​nesse universo – como lésbica, gay, bissexual, trans e queer, por exemplo – para só então falar sobre as questões LGBTI+ com os filhos. Se for o caso, é melhor admitir o que não sabe. “As conversas podem ser oportunidades maravilhosas para aprender com seus filhos”, afirma a diretora.

2. Esteja pronto para falar sobre questões LGBTI+ e ouvir sem julgamento

Eliza recomenda uma abordagem “de coração aberto” para discutir a identidade LGBTI+ com uma criança. Pode até ser que ela traga o assunto para dentro de casa justamente para para testar o nível de tolerância e aceitação dos pais e ao ver que há abertura à conversa, sentirá um nível maior de segurança. É importante também deixar claro que discriminação e violência não são comportamentos aceitáveis. Se os pais não estão preparados para essas conversas devido a crenças pessoais ou religiosas, a especialista afirma que é fundamental para o bem-estar de uma criança que ela saiba que é amada, mesmo que os pais não concordem com sua sexualidade ou identidade.

3. Fale sobre valores universais

Se os pais não se sentem bem em falar sobre questões LGBTI+, eles podem focar em valores universais. Datas como o Dia do Orgulho LGBT (28 de junho) ou da Parada LGBT (costuma ser realizada em maio ou junho, no feriado Corpus Christi) podem servir de inspiração para conversar sobre o tema e deixar claro ao filho que o principal é ele ser capaz de assumir quem ele é, não importa quem ele seja. “Quando você deixa seu filho experimentar você falando sobre isso, pode dar a ele permissão para ser quem é”, declara a diretora da GLSEN. Isso vale inclusive para crianças que se sentem constrangidas por não terem os mesmos gostos que os colegas – por exemplo, o garoto que não gosta de jogar futebol ou a garota que é intimidada por gostar de ciência da computação.


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4. Use conceitos simples
Muitos pais e cuidadores ficam intimidados com a perspectiva de conversar com os filhos sobre sexualidade, e esse assunto geralmente significa responder também a perguntas sobre sexo e genitália. Nessa situação, Eliza recomenda aos pais que tentem (ainda que isso possa ser um desafio) parecer confortáveis na frente das crianças. Aquele velho ditado de que um livro não pode ser julgado pela capa pode servir de exemplo para dizer por que não devemos julgar alguém pela sua aparência. Esse ideia pode até desencadear uma conversa mais ampla sobre como às vezes é difícil identificar corretamente a identidade de gênero de alguém apenas olhando para ela e como algumas pessoas podem parecer de uma maneira, mas se sentirem diferentes por dentro.

5. Aborde e denuncie a discriminação
O Brasil é um dos países que mais mata pessoas LGBTI+ no mundo. Nas escolas, segundo a Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil, 60% dos estudantes LGBTI+ se sentem inseguros na escola por causa de sua orientação sexual, 73% são agredidos verbalmente e 27% fisicamente. Conversas sobre a identidade LGBTI+ com crianças, portanto, não devem evitar essa realidade ou a história mais ampla de leis e políticas homofóbicas e transfóbicas. “Temos um trabalho incrivelmente importante a fazer”, diz Eliza, “e esse trabalho é demonstrar a cada criança que existe amor, carinho e conexão para cada uma delas, não importa quem elas são”.

Termos LGBTI+

A sigla LGBTI+ se refere a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros, intersexuais e outras orientações sexuais, identidades e expressões de gênero. 

A orientação sexual refere-se à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas. Basicamente, há três orientações sexuais preponderantes: pelo mesmo sexo/gênero (homossexualidade), pelo sexo/gênero oposto (heterossexualidade) ou pelos dois sexos/gêneros (bissexualidade). Estudos demonstram que as características da orientação sexual variam de pessoa a pessoa (KINSEY et al., 1948). Assim, as três orientações sexuais preponderantes mencionadas acima não são as únicas.

Identidade de gênero é uma experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos e outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos

Fonte: Manual de comunicação LGBTI+

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2 COMENTÁRIOS

  1. Geralmente, as pessoas aprendem sexualidade de maneira “prática”, ainda que a Internet traga sites como esse sobre o tema! Na minha adolescência, pelos idos de 1979, se a aula de Ciências tratava o contexto sexual, no contexto reprodutivo, nos banheiros dos rapazes, havia mictório coletivo, a gente reparava pênis do colega que estivesse junto e o tabu naquela época para a atração mutua! A gente, também, ia junto descobrindo como “se completar”, já que como se relacionar a contento, com anatomias iguais, como que conflitava com ensinamentos heteronormativos que tivemos!

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