Um outro olhar sobre a dislexia: dificuldades e habilidades das crianças disléxicas

Segundo especialistas, crianças com dislexia são resilientes e têm uma maior capacidade de pensar "fora da caixa"; 46% das pessoas com dislexia têm Q.I acima da média

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As dificuldades e habilidades das crianças com dislexia; criança com óculos com a cabeça entre as mãos com uma expressão confusa apoiando os cotovelos sobre um livro aberto; Criança com óculos com a cabeça entre as mãos com uma expressão confusa apoiando os cotovelos sobre um livro aberto
A dislexia é um transtorno que afeta a alfabetização das crianças
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O seu filho tem dificuldade em ler ou em lembrar a ordem alfabética? Estes são alguns dos sinais que indicam que a criança pode ter dislexia, um transtorno específico que afeta a área da leitura e escrita, segundo Julia Braga, psicóloga com mestrado em educação inclusiva e gestora de educação do Instituto ABCD, organização social que ajuda pessoas com transtorno de aprendizagem. “A dislexia é um transtorno inesperado, porque uma criança pode sempre ter se desenvolvido de forma típica em todas as áreas, mas na hora de aprender a ler e escrever, ela demonstra uma dificuldade”, explica.

A dislexia é neurobiológica, isto é, tem origem genética e atinge cerca de 5% da população brasileira atualmente, ou seja, aproximadamente 10 milhões de pessoas, de acordo com dados fornecidos pelo Instituto ABCD. A linguagem oral também pode ser afetada: “A criança pode ter um pouco de dificuldade para pronunciar as palavras, trocar as sílabas e o som das letras”. É uma condição que não tem cura, mas isso não significa que a pessoa nunca aprenderá a ler ou escrever. Julia Braga explica que é possível melhorar o mecanismo de alfabetização. 

As crianças precisam de muito suporte emocional para lidar com a dislexia na infância. “O que você vê hoje não representa o futuro. É para deixar bem claro que a dificuldade não marca quem eles são, cada um tem o seu processo, tem o seu ritmo e isso precisa ser respeitado”, afirma a gestora de educação do Instituto ABCD. Esse tipo de conversa em sala de aula é fundamental não só para crianças com dislexia, mas para todos os alunos. Assim, a escola promove uma educação inclusiva, que se importa com a neurodiversidade dos estudantes.

É preciso que as instituições de educação busquem se adaptar para ensinar crianças com dislexia, porque elas têm alta capacidade de aprender. De acordo com pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Dislexia (ABD) em conjunto com o Centro Especializado em Distúrbios de Aprendizagem (CEDA), que teve como referência dados obtidos entre 2013 e 2021, 46% das pessoas com dislexia têm Q.I acima da média (110-137).

Existem graus de severidade da dislexia e é preciso reconhecer que a pessoa sempre pode apresentar algum desafio na leitura e escrita, mas elas podem ter uma vida normal e ter sucesso profissional. “É importante trabalhar as dificuldades e investir nos talentos”, diz Braga. Por isso, além de motivar o interesse pelas áreas que a criança apresenta maior habilidade, a especialista destaca que é fundamental começar com o tratamento apropriado o quanto antes.


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A importância do diagnóstico precoce

“O diagnóstico precoce é fundamental, porque quanto mais cedo você começa uma intervenção na criança, mais sucesso você vai ter. Existem muitos estudos que mostram que crianças que começam a ter uma intervenção precoce vão ter menos dificuldade de leitura”, aponta a gestora educacional do Instituto ABCD.  A avaliação geralmente é feita por uma equipe multidisciplinar, composta por psicólogo, fonoaudiólogo e médico (pediatra, neuropediatra, neurologista e/ou psiquiatra). Dessa forma, é possível realizar uma avaliação integral da pessoa, em que cada profissional contribui com entendimentos e olhares específicos de sua área de conhecimento.

Com o diagnóstico, é preciso que a escola busque se adaptar, se informar e preparar melhor os professores para ensinar o aluno disléxico. Além disso, a criança pode precisar fazer uma terapia especializada fora da escola, com psicólogos e fonoaudiólogos, por exemplo. “A pessoa com dislexia precisa de um ensino bastante explícito, com bastante repetição até a criança dominar o conteúdo. É interessante usar jogos e músicas, tomando cuidado para a repetição não ficar entediante”, relata Julia Braga.

A especialista afirma que a intervenção gera mudanças cerebrais e apresenta melhores resultados quando as crianças são menores, pois apresentam uma maior plasticidade. “Também tem muitas pessoas que são diagnosticadas mais tarde, quando já estão na faculdade, na vida adulta, e tudo bem. Sempre é bom ter o diagnóstico, não importa a idade, mas quanto mais cedo melhor, porque a intervenção é mais eficaz para o desenvolvimento cerebral”, completa.

Julia Braga, psicóloga e gestora de educação do Instituto ABCD/ Foto: reprodução

‘Quando recebi o diagnóstico, fiquei de cabelo em pé’

“Desde que meus filhos eram pequenos, sempre me deram sinais de que eram diferentes”, diz Fabiola Helou, casada com um disléxico bem sucedido, mãe de dois filhos disléxicos e fundadora do grupo de apoio Dislexia SP. Quando os seus filhos começaram a frequentar a escola, as diferenças em relação às outras crianças ficaram mais evidentes. “A coordenação motora fina deles era bem comprometida, tinham dificuldade em escrever e reconhecer as letras. Meu filho mais novo não conseguia gravar sequências numéricas, contar de um a dez e memorizar musiquinhas enquanto as outras crianças conseguiam”, afirma. 

Além disso, certos comportamentos do dia a dia indicavam alguns atrasos. Tarefas simples como vestir uma meia ou levar comida na boca eram difíceis para ele. Aos 7 anos, o filho foi diagnosticado com dislexia severa por uma neuropsicóloga. “Quando eu recebi o diagnóstico, eu fiquei de cabelo em pé, porque as consequências da dislexia quando não é bem assistida podem ser avassaladoras para as crianças. Eu fiquei desesperada”, conta Fabiola Helou. Porém, começou a buscar livros do exterior que pudessem ajudá-la a entender quais são as melhores práticas e estratégias usadas com crianças com transtorno de aprendizagem e descobriu que era possível lidar com a dislexia do filho.

O outro lado da dislexia

“Tem sim um lado difícil, dos desafios, mas tem uma outra vertente da dislexia que é pouco difundida no Brasil, que é a das habilidades, da criatividade, da inteligência intelectual e emocional. Isso me deu um alento maravilhoso no meu coração e força para trabalhar com as dificuldades”, relata. Segundo Fabiola Helou, as crianças com dislexia se tornam muito resilientes e têm uma enorme capacidade de pensar “fora da caixa”, o que é uma ótima combinação para uma vida profissional de sucesso.

Inclusive, muitas personalidades com o transtorno alcançaram grandes conquistas e se tornaram famosas. Tom Cruise, Jamie Oliver e Whoopi Goldberg são exemplos de renomadas celebridades com dislexia. Devido à sua habilidade de resolver problemas e buscar soluções fora do convencional, os disléxicos podem se tornar bons empreendedores, Steve Jobs e Henry Ford são prova disso. Além do mais, também acredita-se que a rainha do crime, Agatha Christie, e o grande físico alemão, Albert Einstein, eram disléxicos. A lista de gênios com este transtorno ainda vai longe.

Sua filha mais velha, de 14 anos, foi diagnosticada um pouco depois do irmão, quando tinha 12 anos, mas a mãe já estava mais preparada desta vez. Seu caso de dislexia era mais leve, a alfabetização foi mais fácil para ela, enquanto o irmão, que tem uma grau mais severo, aos 12 anos ainda está trabalhando para conseguir ser alfabetizado. Mas como a dislexia é hereditária, a mãe achou melhor ir atrás de um diagnóstico. Também descobriu que a filha tem discalculia, um outro transtorno que se manifesta como uma dificuldade no aprendizado de números e interfere na organização.

Fabiola Helou e seus filhos Tayo, de 12 anos, e Layla, de 14 anos/ Foto: arquivo pessoal

O dia que eu contei o diagnóstico para os meus filhos foi como se eu tivesse tirado um saco de cimento das costas deles”, diz Fabiola. A partir desse momento, eles conseguiram entender de onde vem as suas dificuldades. “Agora não me dói mais tanto, porque os meus filhos tem condições, eu crio oportunidades para eles enxergarem a vida deles dessa forma. Se eles sabem sobre o transtorno que eles têm, eu posso dar ferramentas para poderem explicar para o mundo sobre a dislexia”, aponta.

No dia a dia, os filhos ainda precisam enfrentar desafios. Tayo, de 12 anos, lida com a memória de curto prazo, que é comum entre os disléxicos, e requer mais ajuda neste quesito, por exemplo. Mas aos poucos, eles vão encontrando recursos que podem auxiliá-los. Para Layla, de 14 anos, algo que contribuiu para que ela se organizasse melhor foi a introdução de ampulhetas, assim, ela conseguia realmente ver o tempo indo embora. 

Mesmo com essas dificuldades e necessidade de apoio em algumas áreas, os dois também têm uma vida normal. Layla é uma dançarina que vive participando e ganhando competições de dança. “Depois da escola, meu filho vai fazer esporte, vai fazer natação, vai brincar com amigos, vai jogar videogame, vai ser criança”, diz Fabiola.


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É fundamental ajudar as crianças a preservarem a autoestima

“No contexto escolar, nessa idade da alfabetização o grande sucesso que você tem na vida é aprender a ler e escrever. Quem tem dificuldade nessa área vai acabar ficando com a autoestima um pouco prejudicada”, aponta Julia Braga, que trabalhou muitos anos como professora. Se o diagnóstico da criança disléxica é desconhecido, ela pode ser tachada como preguiçosa ou até burra. É preciso oferecer todo o apoio para que ela não acredite nisso.

“Todos os dias meu filho acorda de manhã, coloca o uniforme da escola, veste o maior sorriso e vai para um ambiente de fracasso. A gente sempre precisa dizer que ele não está fracassando, ele só pode se comparar com ele mesmo. Não precisamos de um ensino igual para todos, precisamos de um ensino de  equidade, a escola tem que oferecer para cada criança o que ela precisa para alcançar o seu potencial”, destaca Fabiola Helou.

A família e a escola precisam caminhar juntos para ajudar as crianças disléxicas. “Todo mundo tem habilidades e dificuldades, e não é diferente com os disléxicos. A questão é que as dificuldades deles na fase escolar ficam muito expostas. O papel dos pais é conduzir as crianças ao sucesso, levando tudo de maneira otimista e com naturalidade”, indica Fabiola Helou. É crucial que os pais sempre fiquem ao lado dos filhos para apoiá-los. “Tem dias difíceis, tem dias que eu choro e que eles choram. Mas os pais não ajudam se só passarem a mão na cabeça, eles ajudam se pegarem na mão dos filhos e falarem: nós vamos juntos”, completa. 

Tayo, 12 anos, e Layla, 14 anos, filhos de Fabiola Helou/ Foto: arquivo pessoal

É preciso ter muita empatia, respeito e paciência

“Nosso papel como mãe e pai é ajudar os nossos filhos a atingirem 100% do seu potencial, sem deixá-los acomodados ou estagnados, mas lidando sempre com muito carinho. É importante encontrar esse equilíbrio o quanto antes. Reconheça a dificuldade, mas enalteça o que eles são bons”, diz Fabiola Helou. A mãe e fundadora do Dislexia SP recomendou algumas dicas para auxiliar pais de crianças disléxicas. Confira!

  • Encarar as situações com otimismo e humor;
  • Buscar informações sobre o assunto;
  • Encontrar os seus iguais: procurar pessoas com quem possa dividir experiências;
  • Seguir perfis nas redes sociais que tratam da dislexia;
  • Ter paciência;
  • Dialogar com a escola;
  • Sempre tratar os filhos com carinho e empatia. 

Experimentar aplicativos educativos

Recomendado por Julia Braga, o aplicativo Eduedu, idealizado pelo Instituto ABCD, visa ajudar crianças com dificuldade em leitura e escrita, com estratégias utilizadas com pessoas disléxicas. “Apesar da dislexia afetar 5% da população brasileira, 50% ou mais das crianças apresentam dificuldade na leitura e escrita no período do terceiro ano do ensino fundamental. Então, o aplicativo foi feito para alcançar uma dimensão maior e auxiliar todas as crianças com dificuldade na alfabetização”, conta a psicóloga. 

O Eduedu avalia o desenvolvimento da criança e cria um material de esforço personalizado para ela. São apresentadas atividades digitais e para imprimir que utilizam a gamificação, o que as deixam mais divertidas e dinâmicas. Lançado em 2019, já conta com mais de 500 mil alunos registrados em todo o Brasil e é gratuito, disponível na Play Store para Android.

Link para download: https://play.google.com/store/apps/details?id=br.org.institutoabcd.edu&referrer=utm_source%3DEduEduWebsite


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