Estudo mostra que crianças estão mais propensas a adquirir a covid-19 do que a transmiti-la

Pesquisa coordenada pela Fiocruz analisou 667 pessoas na comunidade de Manguinhos, no Rio de Janeiro, sendo 323 crianças e 54 adolescentes; gestores escolares do Rio e de Sp comentam o estudo

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Estudo mostra que crianças têm mais chances de contrair a covid-19 do que de transmiti-la; crianças de máscara abraçadas olham para a câmera
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O papel das crianças na disseminação da covid-19 é algo ainda pouco esclarecido pela comunidade científica, mas sabe-se que elas têm sido menos afetadas pela doença e, quando infectadas, tendem a apresentar sintomas leves ou mesmo serem assintomáticas. Agora, um novo estudo indica que crianças e adolescentes têm baixa taxa de transmissão de covid-19 – sendo mais fácil que esse grupo adquira a doença de adultos do que a transmita aos mesmos. Os resultados da pesquisa trazem informações importantes para as discussões quanto à reabertura de escolas e para a definição de estratégias de vacinação.

Fruto de um trabalho de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade da Califórnia (UCLA) e da London School of Hygiene and Tropical Medicine (LSHTM), o estudo foi feito na comunidade de Manguinhos, no Rio de Janeiro, entre maio e setembro de 2020. Foram analisadas 667 pessoas, sendo 323 crianças (de 0 a 13 anos), 54 adolescentes (14 a 19 anos) e 290 adultos. Segundo os pesquisadores, as crianças que testaram positivo para a covid-19 tiveram contato com adultos com sintomas da doença. “As crianças incluídas no estudo não parecem ser a fonte da infecção de Sars-CoV-2 e mais frequentemente adquiriram o vírus de adultos”, diz o prévia do artigo publicada no portal da Fiocruz.

O estudo foi feito com 667 participantes:

323 crianças (0 a 13 anos);
54 adolescentes (14 a 19 anos);
290 adultos.

Um total de 32,6% (79 de 242) das crianças com menos de 14 anos e 31% (72 de 231) dos contatos familiares tiveram testes positivos, indicando que já tinham sido expostos ao coronavírus até setembro de 2020. A pesquisa observou também uma proporção maior de crianças com menos de um ano infectadas, em comparação com grupos pediátricos de outras idades, o que seria atribuído ao contato direto com as mães. Enquanto um estudo na China revelou uma taxa de infecção de 17% em bebês, a pesquisa feita em Manguinhos registrou aproximadamente 30%.

Sobre a reabertura das escolas

A pesquisa ressalta que os dados foram analisados quando a variante P.1 – a mais transmissível e, hoje, a mais comum – ainda não existia. Destaca também que no momento do estudo as escolas estavam fechadas. A pesquisa destaca a necessidade de mais evidências sobre a atuação do coronavírus nas crianças e recomenda a reabertura de escola quando realizada a vacinação dos profissionais de educação.

Como crianças, em geral, são pouco sintomáticas e tendem a seguir menos os protocolos de higiene e de distanciamento social, elas poderiam ser uma fonte de transmissão, lembra o estudo, o que motivou muitos países a fecharem as escolas precocemente e mantê-las fechadas por longos períodos. “Uma melhor compreensão do papel das crianças na dinâmica de transmissão é de importância fundamental para desenvolver diretrizes para a reabertura das escolas em segurança e de outros espaços públicos, além do desenvolvimento de estratégias de imunização”, diz o artigo. Para os pesquisadores, isso é particularmente importante em comunidades pobres, onde há um grande número de pessoas vivendo em uma mesma casa.

“Nossas descobertas sugerem que em cenários como o estudado, escolas e creches poderiam potencialmente reabrir se medidas de segurança contra a Covid-19 fossem tomadas e os profissionais adequadamente imunizados”, diz o artigo A dinâmica da infecção de Sars-CoV-2 em crianças e contatos domiciliares em uma comunidade pobre do Rio de Janeiro, a ser publicado na Pediatrics, Official Journal of the American Academy of Pediatrics.

Opinião de gestores escolares

Vinicius Canedo, diretor executivo do colégio Mopi, no Rio de Janeiro, diz que pesquisa pode ajudar os pais na decisão de mandar os filhos para a escola. “O estudo traz mais segurança para aquelas famílias que hoje ainda não têm confiança para mandar o filho ao presencial. Além do prejuízo futuro, nas questões cognitivas e de defasagem de aprendizagem, há outros problemas sérios, como a questão do acolhimento, do abraço, do círculo de proteção que a escola traz para o aluno. São prejuízos irrecuperáveis, que não poderão ser recompensados. Não tem como voltar atrás e resolver essas questões. Quantas crianças hoje sofrem doenças emocionais ou enfrentam até situações mais graves, principalmente, no ensino publico, de situações de fome, violência doméstica. A escola funciona muito como abrigo, acolhimento para a população, essa notícia só dá mais confiança, mais validação na estratégia que temos seguido, de protocolos seguros no ambiente de escola, em que a gente possa confiar”, afirma o diretor da instituição que no momento promove o ensino híbrido, com opção de aulas presenciais e online para todos os segmentos.

Bruna Elias, diretora pedagógica do Colégio Brasil Canadá, em São Paulo, avalia que qualquer pesquisa referente ao assunto pode trazer mais segurança aos pais que ainda hesitam em enviar seus filhos às escolas, mas destaca a necessidade de seguir os protocolos sanitários. “Esse pode ser um dado importante para a reabertura das escolas, no entanto, como tudo é bastante novo, acreditamos que os protocolos devem ser rigorosamente seguidos e mais dados devem ser coletados a fim de trazer maior conforto e segurança às escolas e famílias. Sabemos que a escola é um direito que se faz necessário a toda criança, mas também entendemos a cautela das famílias e o próprio receio das instituições frente ao quadro que todos enfrentam”, pontua a diretora. De acordo com as normas do governo paulista, o colégio atende até 35% dos alunos de forma presencial, oferecendo também as aulas por meio de plataformas virtuais.

Já Luciana Fevorini, diretora escolar do Colégio Equipe, também localizado na capital paulista, ressalta que sempre estão sendo divulgados estudos com dados prós e contra a reabertura de escolas. “Eu diria que essa é mais uma pesquisa sobre o assunto, mas não é definitiva. Nesse momento em que estamos vivendo situações pessoais e familiares muito distintas eu vejo, como diretora de escola, que não há uma unanimidade entre professores e pais a respeito da segurança quanto à volta as aulas. E isso ocorre não porque os pais acham a escola insegura, mas é que para chegar à escola tem todo um sistema de transporte, tem famílias que não abriram mão do convívio familiar mais intenso, outras que viajam e acabam se expondo por conta desses deslocamentos, ainda outras que estão totalmente isoladas. É um cenário muito diverso e não há consenso, não há unanimidade”, diz a gestora. No momento, o colégio mantém exclusivamente o ensino remoto, mas planeja receber presencialmente as crianças menores, entre 3 e 7 anos e promover atividades presenciais também para alunos do 3o a 9o anos do ensino fundamental.

Inclusão das crianças nos programas de vacinação                

O ponto de partida para a pesquisa foi o acompanhamento de crianças com menos de 14 anos que buscaram algum tipo de atendimento no Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), em Manguinhos. Essas crianças passaram, então, a serem visitadas em casa, sendo submetidas a testes de PCR e de sorologia (IgG). Adultos e adolescentes nessas casas também foram testados. 

“Mesmo não sendo as principais fontes de infeção nos domicílios no estudo, é necessário incluir crianças nos ensaios clínicos de vacinação. Se os adultos forem imunizados e as crianças não, elas podem continuar a perpetuar a epidemia. Se no mínimo 85% dos indivíduos suscetíveis precisam ser imunizados para conter a pandemia de Covid-19 em países de alta incidência, esse nível de proteção só pode ser alcançado com a inclusão de crianças em programas de imunização, principalmente no Brasil, onde 25% da população têm menos de 18 anos”. Os autores chamam atenção de que os resultados do estudo são referentes ao local e período estudado (maio a setembro de 2020), diferente do cenário atual com nova variante do vírus, mais transmissível, circulante.


Leia também: Testes iniciais de vacinas contra a covid-19 nas crianças têm apresentado resultados positivos


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