Recentemente, viralizou nas redes sociais um vídeo de um psicoterapeuta alertando os pais para que parem de passar a mão na cabeça dos filhos, do contrário, “vai dar ruim”. A expressão se referia a futuros problemas de saúde mental que essas crianças poderão vir a ter, caso cresçam com privilégios, mimos e sem responsabilidades.
Para muitos, ficou o entendimento de que a conduta ideal, então, seria ser mais exigente, mais duro, menos flexível. Para os pais que apoiam os filhos, o recado era de que as crianças precisam aprender a se virar sozinhas.
Enquanto os que concordaram com o psicoterapeuta, viralizaram o vídeo, outros ficaram assustados com o tom da fala e com a interpretação que o público – nos grupos de Whatsapp e afins – deu ao conteúdo. Eu fui uma dessas pessoas, já que o vídeo foi tema de muitas das sessões de mães e pais que eu atendo.
Muitas famílias me trouxeram o sentimento de desconforto e mesmo medo por apoiarem os filhos em suas questões. Afinal, ninguém quer que o filho desenvolva uma depressão ou algo nesse sentido. Os pais me disseram estar preocupados e em dúvida quanto a se estariam facilitando demais as coisas para os filhos e assim prejudicando-os .
Na internet, as coisas podem ser ditas de forma que mais pode confundir do que ajudar. Como terapeuta e orientadora de pais, achei que era importante trazer mais profundidade à reflexão, fazendo um resumo das necessidades da criança para ela crescer resiliente e emocionalmente saudável.
Aproveitando, este será o tema da conversa que terei com o Dr. Daniel Siegel, no painel que faremos juntos no 3° Congresso de Educação Parental. Para quem não conhece, Siegel é psiquiatra infantil, professor e pesquisador na Escola de Medicina da Universidade da Califórnia (UCLA) e um dos mais respeitados cientistas no campo da psicologia do desenvolvimento e da parentalidade.
Se este tema te interessa, assista ao vídeo ou leia o texto abaixo dele e programe-se para estar com a gente, no dia 25 de novembro. Te espero lá!
A diferença entre apoio e superproteção
A ideia não é fazer pela criança o que ela consegue fazer, mas também não é deixá-la sozinha e sem apoio. Há uma grande diferença entre apoio e superproteção. Se você faz para o seu filho tudo aquilo que ele pode fazer sozinho, ele pode, sim, se tornar inseguro e se sentir incapaz de resolver os próprios problemas.
A gente tem potencial para enfrentar as mais variadas adversidades, mas se não formos expostos aos desafios, essa potencialidade não vai se transformar em capacidade.
As crianças precisam de proteção contra aquilo que fere a capacidade delas de funcionar no mundo, por exemplo, abuso e violências. Para os desafios naturais da vida e correspondentes à idade e ao desenvolvimento, elas precisam de suporte emocional e não de socorro.
Se a criança empurrou o amigo e precisa se desculpar, você, pai ou mãe, não vai fazer isso no lugar dela. Não vai pedir por ela o que ela quer, no restaurante, nem vai amarrar os sapatos dela pro resto da vida. Mas você pode apoiá-la para que ela aprenda a fazer aquilo de que precisa sozinha.
Por exemplo, você pode sentar do lado dela e validar que é difícil mesmo assumir quando a gente erra, mas é importante pedir desculpas. Pode contar uma situação em que também teve dificuldades. Você pode oferecer sua mão, se ela precisar sentir o seu apoio enquanto ela fala com o amigo.
A criança é como um prédio em construção
A gente pode pensar numa metáfora: se nossos filhos são prédios em construção, nós somos os andaimes, damos a estrutura para esse prédio até que os andaimes se tornem desnecessários e o prédio fique em pé sozinho. Ser andaime significa ensinar nossos filhos a darem conta de si quando a gente os apoia, para que eles consigam fazer isso.
Significa enxergar as emoções dessa criança e ajudá-la a entender o que sente. Ensinar, por exemplo, a importância dos limites que os pais estabelecem, para que ela possa internalizar esses limites, mesmo que não goste deles, mas que ela consiga entender que os limites existem porque os pais se importam com ela.
Ser andaime não é remover limites e nem enfiar os limites goela abaixo, é ajudar a criança a criar estratégias para navegar dentro desses limites e das exigências que a mãe e o pai têm para ela.
A dor de não ser visto pelos pais
Uma das maiores dores de uma criança que a gente carrega pelo resto da vida é a dor de não ser vista emocionalmente pelos pais, é a dor de se sentir sozinha, invisível, mesmo quando os pais estão presentes fisicamente, o tempo inteiro.
Isso acontece também quando a gente se nega a conhecer e a ajudar a criança a lidar com as dificuldades que ela tem, e quando a gente cobra demais sem dar a menor estrutura para que ela consiga entregar aquilo que a gente pede.
Então, a criança deve ter limites firmes? Sim
Ela deve dar conta das coisas que ela já consegue fazer sozinha? Sim.
Ela deve se desafiar e evoluir academicamente, socialmente? Sim
Mas, para isso, ela não precisa de mais dureza e exigência, ela precisa de seu apoio, sua validação e seu encorajamento.
E amor não é agradar a criança o tempo inteiro, mas também não é deixá-la sozinha com desconforto.
Você pode reconhecer o que a criança sente, se manter firme nos limites e ajudá-la a criar estratégias para que ela lide com as emoções e os desafios. Fazendo o papel de andaime que só se torna desnecessário porque um dia foi um bom apoio. Esse é o nosso papel.
*Este texto é de responsabilidade do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.
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