Quando o filho não obedece às ordens dos pais ou apresenta comportamentos desafiadores, muitas famílias usam a estratégia de mandá-lo para o “cantinho do pensamento” ou “cantinho da disciplina”. A intenção é que a criança pense sobre o que fez e como pode melhorar sua conduta. Mas será que essa prática funciona?
Defensores do “cantinho da disciplina” dizem que sim, visto que essa é uma forma de evitar gritos, agressões e atitudes violentas com crianças a partir dos dois anos de idade.
Mas especialistas se baseiam nos estudos da neurociência – que mostram que durante a infância o cérebro da criança ainda está em desenvolvimento – para explicar por que ela não tem controle sobre suas emoções – muito menos das reações que terá quando com raiva ou nervosismo.
Cérebro imaturo
A área do cérebro chamada córtex pré-frontal é a que “nos ajuda a pensar racionalmente, controlar impulsos, refletir sobre sentimentos e gerenciar nosso corpo e emoções”, explica Claire Lerner, pesquisadora que ajudou a elaborar as diretrizes da organização desenvolvimento infantil Zero to Three (Zero a três, em tradução livre), nos EUA, em entrevista para a BCC News Brasil.
Isso significa que, do ponto de vista fisiológico, a criança não é capaz de controlar a maior parte das suas reações, porque tem um controle inconsistente delas, explica a reportagem. Em momentos de briga ou situações difíceis, portanto, é difícil que consiga refletir sozinha e concluir que fez algo errado.
Somente em torno dos 20 anos de idade é que essa parte do cérebro fica plenamente formada, explicando também por que adolescentes também têm dificuldade em controlar seus impulsos.
Levando isso em conta, então, o que fazer quando as crianças perdem o controle ou se recusam a cumprir tarefas do dia a dia?
Essa é a grande questão para a maioria dos pais que vivem situações difíceis com os filhos sobre assuntos como o tempo de telas e a resistência a colaborar com as regras da casa, entre tantas outros.
O “cantinho da disciplina” era uma prática comum nos anos 1990 e ainda hoje tem muitos adeptos. A educadora infantil Cris Poli, por exemplo, que apresentou o programa Supernanny na TV brasileira, é uma delas.
Ela acredita que o “cantinho do pensamento” ajuda a disciplinar os filhos, por meio de regras simples, para responsabilidades como escovar os dentes após as refeições. As regras devem ser explicadas no nível do entendimento da criança. Se ela desobedece uma vez, os pais dão um aviso. Se desobedecer de novo em 24 horas, aí deve ir para o “cantinho da disciplina”. ‘Você vai ficar aqui sentadinho para pensar por que decidiu desobedecer’. Um minuto por ano de idade”, diz Cris à BBC News.
Segundo a educadora, terminado o tempo, os pais devem perguntar à criança se ela lembra o motivo da punição, e em seguida lhe dão um beijo, um abraço e os parabéns, evitando assim bater na criança ou mesmo gritar com ela.
Habilidades de vida
De fato, o “cantinho do pensamento” representou um avanço quando surgiu, por ser uma alternativa às agressões físicas, porém a prática não leva em conta os conhecimentos mais recentes sobre o comportamento infantil, relata a psicóloga e autora Nanda Perim à reportagem.
Uma das principais referências é a disciplina positiva, abordagem que defende a criação por meio de limites e ensinamento de habilidades de vida.
Ao coibir desejos e impulsos sobre os quais a criança ainda não tem controle, o “cantinho da disciplina” desperta uma reação primitiva no cérebro infantil: a de “fugir ou lutar”, defende Perim.
“O cérebro vai reagir a essa ameaça ou fugindo, ou lutando. E isso pode (se traduzir) em baixa autoestima, de ela achar que é ruim, porque faz tanta coisa errada. Ou vai querer se vingar, para sentir que está no controle da própria vida, e vai fazer (o comportamento indesejado) de novo, mas escondendo dos pais”, ela diz.
O controle emocional começa a partir dos 6, 7 ou 8 anos, período em que a criança precisa aprender a reconhecer seus sentimentos e entender como eles mexem com o corpo, quais os gatilhos que fazem eles surgirem e quais os gatilhos para se acalmar.
A psicóloga ressalta que os pais ensinam muito mais habilidades de vida quando mostram ao filho que também sentem raiva e que para eles administrar essa raiva também é difícil.
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Especialistas destacam a importância de mostrar empatia pelos sentimentos da criança – como quando ela quer muito um brinquedo que viu em uma loja – mas também impor limites claros.
É essencial que os pais mantenham a calma e ensinem à criança o que ela está sentindo. E também reforcem as regras e combinados da família, dizendo frases como “Eu sei, é muito difícil quando você não pode assistir a mais um episódio do seu programa de TV favorito, mas é a nossa regra. Se você precisa de espaço para lidar com isso, sem problemas. Podemos pensar em outras coisas que você pode fazer”.
Em relação a escovar os dentes, Perim sugere bolar uma rotina em que a criança tenha tempo para três passos — entender, elaborar e aceitar que a hora de escovar os dentes está chegando, e dar duas opções: por exemplo, dois sabores de pasta de dente. Ao invés de dizer ‘quer escovar os dentes?’, que a criança vai responder ‘não’, a pergunta pode ser ‘quer escovar os dentes com sabor menta ou morango?’, fazendo assim com que o cérebro da criança pense em qual resposta vai dar.
E se a resposta é ‘nenhuma das duas’, é preciso encontrar ferramentas que supram uma necessidade de comunicação. Pode ser que por trás de comportamentos desafiadores, a criança esteja querendo comunicar algo, mostrar que há alguma coisa que a incomoda ou de que ela sente falta, por exemplo, e os pais precisam analisar a situação para pensar em como resolvê-la.
Cantinho da calma
Na educação democrática, atenta a atender as necessidades de acordo com o desenvolvimento da criança, espaços da casa ou da escola podem ser vistos como locais não de punição a um comportamento, mas de regulação emocional em momentos de estresse. Dessa ideia surgiram os “cantinhos da calma”.
São espaços que ajudam a criança a se acalmar, com livros e objetos de conforto como almofadas e brinquedos, que possam ser jogados ou apertados.
Porém, a criança deve querer usar esses espaços, caso contrário, eles terão caráter punitivo. E pode ser que a tática não funcione, que a criança fique muito fora de si e tenha comportamentos destrutivos, que exigem compreensão, empatia e atenção para garantir a segurança do filho em um lugar fechado, em que ele não possa se machucar. Tudo isso deve ser combinado previamente com as crianças, em momentos de calma.
Por mais desafiadora que seja a situação, pais devem lembrar que o principal é saber lidar com suas emoções e gatilhos, dando o bom exemplo aos filhos. Perim, lembra outra pesquisadora do tema, Mona Delahooke, para dizer que pessoas que buscam desenvolver habilidades de vida podem não ser perfeitas mas serão pessoas incríveis, que terão relações mais saudáveis.
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