Parentalidade gentil: conheça essa abordagem popular nas redes sociais

Nem autoritária nem permissiva, prática contribui para o desenvolvimento das crianças em ambiente com baixo nível de estresse

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Sentadas em escada, mãe morena beija rosto de filha
Estabelecer uma conexão com o filho é importante para o seu desenvolvimento
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No ano passado, a Academia Americana de Pediatria (AAP) atualizou uma política de prevenção do estresse infantil tóxico, destacando a importância de cultivar relacionamentos estáveis ​​e estimulantes com as crianças, favorecendo assim que se desenvlvam em um ambiente com baixos níveis de estresse. Uma das abordagens educacionais que segue esses princípios é a da parentalidade gentil. O termo existe há algum tempo, porém, vem ganhando força nos últimos anos nas mídias sociais e espaços de discussão sobre criação dos filhos. No TikTok, por exemplo, o termo #gentleparenting tem 2,9 bilhões de visualizações, e #gentleparentingtips conta com 25 milhões de views. Entre os perfis populares no assunto está o de lauralove5514, que se apresenta como mãe montessori e da parentalidade respeitosa.

A escritora de opinião do New York Times, a americana Jessica Grose descreveu a parentalidade gentil como uma abordagem popular, vagamente definida, uma “mistura de código aberto, interpretada e remixada por mães de todo o país”. 

Especialistas, contudo, dizem que a parentalidade gentil estabelece limites e se baseia no respeito mútuo entre pais e filhos, focando no uso da disciplina – daí a semelhança com a disciplina positiva, que alguns apontam. A prática rejeita tanto a punição quanto a permissividade. É um “estilo parental que reconhece que as crianças precisam de conexão (calor, receptividade, gentileza, gentileza) e de estrutura (rotinas, expectativas, desenvolvimento de habilidades)”, disse Andrew Garner, pediatra que co-escreveu a política da AAP sobre prevenção do estresse infantil tóxico, em reportagem para o jornal The Washington Post

Já Sarah Ockwell-Smith, autora britânica de 13 livros para pais, entre os quais O livro de Disciplina Gentil: Como criar filhos cooperativos, educados e prestativos (em tradução livre), explica, na obra, que a parentalidade gentil significa entender as crianças e ter expectativas realistas sobre elas, além de responder de maneira adequada e consistente. Isso significa levar em consideração a idade da criança ao determinar o tipo de disciplina a ser usada e como abordar questões comportamentais. “Muitas vezes, as crianças são punidas simplesmente por serem crianças”, disse. “Ou seja, não ter maturidade neurológica para se comportar de outra maneira”, declarou ela ao jornal americano. A seguir, veja outros aspectos sobre o assunto destacados pela reportagem. 

Técnicas parentais gentis

Quando as crianças ficam chateadas com os irmãos, uma técnica gentil dos pais seria ajudá-los a identificar seus sentimentos com frases como “Você parece zangado e posso entender por que você pode se sentir assim” e, em seguida, orientá-los a encontrar algo que gostem de fazer, para que possam se acalmar. Para os adultos, isso pode significar malhar ou conversar com um amigo. Já as crianças podem encontrar consolo em desenhar ou construir algo com blocos, disse Garner. Isso os ajuda a normalizar as emoções e identificar paixões que os ajudarão em momentos estressantes ao longo da vida.

Garner disse que a parentalidade gentil incorpora o trabalho de Bruce Perry, um psiquiatra que escreveu um livro com a apresentadora de TV Oprah Winfrey intitulado What Happened to You?: Conversations on Trauma, Resilience, and Healing (O que aconteceu com você: Conversas sobre trauma, resiliência e cura). Segundo a reportagem, Perry é conhecido por sua abordagem de “regular, relacionar e depois raciocinar”, o que significa que primeiro é preciso acalmar as crianças (regular), depois fazê-las se sentirem compreendidas (relacionar) para, por fim, terem seu momento de ensino (raciocinar).

Sarah sugere que os pais usem o método “por que, como, o quê”,  o que os ajudará a lidar com qualquer problema com seus filhos por meio das perguntas: 

  • Por que meu filho está fazendo isso?
  • Como ele está se sentindo?
  • O que espero alcançar com a disciplina?

A parentalidade gentil e a disciplina

É comum relacionar a abordagem com a falta de disciplina, mas esse termo deriva da palavra “ensinar”, esclareceu Sarah. Disciplina é ensinar as crianças a se comportar, se comunicar e regular suas emoções. Perder a paciência quando uma criança se comporta mal não é um exemplo a ser praticado.

“Se você quer criar filhos gentis, atenciosos, calmos e emocionalmente seguros, não vai conseguir isso gritando, envergonhando, coagindo e punindo”, relatou a escritora.

Ela afirmou que quando uma criança precisa aprender uma lição,por exemplo, é preciso acalmá-la primeiro, porque ninguém consegue aprender quando as emoções estão em alta. 

Uma vez que pais e filhos estejam mais calmos, eles podem discutir – numa linguagem apropriada ao nível de desenvolvimento da criança – o que aconteceu e o que pode ter desencadeado tal comportamento, para que a criança saiba como evitar a situação no futuro.

Sobre o dizer “não”, Sarah contou ao jornal que dizia essa palavra aos filhos “centenas de vezes por dia” quando eles eram mais novos. “A disciplina [da educação gentil] é colaborativa e se concentra no ensino. Isso não significa que as crianças são deixadas à solta e fora de controle”, acrescentou ela. “Ainda temos fronteiras e limites. Ainda dizemos não. Vamos parar o comportamento inseguro e prejudicial.”

Benefícios da educação gentil

Além do benefício próprio, de não ter de estar gritando o tempo todo, regular as próprias emoções é um exemplo importante a transmitir aos filhos, e assim incentivá-los a fazer o mesmo. 

O estresse em excesso na infância também pode afetar adversamente o crescimento neurológico. Se o ambiente em casa é estressante e os pais vivem com raiva, eles não serão capazes de ajudar os filhos a controlar suas emoções, explicou o pediatra co-autor do documento da AAP.

“Se os cuidadores estiverem no modo de sobrevivência, as crianças também estarão no modo de sobrevivência”, pontuou. “E as partes do cérebro que lidam com funções complexas como pensamento abstrato, memória de trabalho, criatividade e socialização serão inibidas.”

Independentemente do estilo parental, especialistas ressaltam que as pessoas que cercam a criança devem seguir todas as mesmas regras, caso contrário, o método não terá o efeito pretendido. 

“Se você está tentando criar filhos que sejam emocionalmente inteligentes, empáticos, sociais, auto-motivados, autorregulados e curiosos, um estilo parental que começa com regulação, capitaliza na conexão e culmina com a construção de novas habilidades é exatamente o que eu sugiro”, disse Garner.

Efeitos a longo prazo da educação gentil

As crianças que são expostas a pais gentis têm menos probabilidade de ter ansiedade ou baixa confiança e são menos propensas a sofrer de abuso de substâncias, disse Sarah. Ela também descobriu que é mais fácil cuidar dos adolescentes com esse método, porque eles aprenderam ao longo dos anos a respeitar e regular suas emoções. Seus filhos compartilham regularmente seus problemas com ela, porque isso fazia parte de seu estilo parental desde o início. Quando eram mais jovens, em vez de um tempo solitário separados, eles discutiam seu comportamento e como evitar gatilhos no futuro.

Fisiologicamente, o estresse tóxico de coisas como abuso e disfunção doméstica pode causar níveis aumentados de inflamação no corpo de uma criança, de acordo com Garner. O pediatra afirmou que a parentalidade gentil pode desenvolver “tolerância ao sofrimento”, o que pode ajudar as crianças a aprender a se adaptar e lidar com emoções fortes. Isso quer dizer que se as crianças que foram criadas nesse estilo experimentarem estresse extremo no futuro, elas saberão como lidar com isso de maneira saudável.

“A parentalidade gentil fornece os amortecedores socioemocionais que transformam o estresse tóxico em estresse tolerável ou até positivo”, disse Garner.

Parentalidade gentil na prática

Embora tenha escrito livros sobre educação gentil, Sarah admitiu que o estilo parental não vem com um manual ou “kit de ferramentas com dicas de disciplina”. “É um ethos, ou um sistema de crenças”, disse ela, “porque significa simplesmente abordar a parentalidade enquanto se preocupa com a experiência da criança o tempo todo. Parece diferente para todos.”

O principal caminho para praticar a parentalidade gentil é tratar seu filho com respeito e, ao mesmo tempo, garantir que suas expectativas sejam adequadas à idade e realistas, concluiu a escritora.

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