Mais um filho? Não, obrigada. Como a pandemia se tornou uma forma de controle de natalidade

A pandemia, associada ao isolamento social, provocou instabilidade emocional e financeira entre as pessoas, o que fez com que repensassem sobre a ideia de ter filhos

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Mulher grávida em pé, com as mãos na barriga
Casais passaram a ter menos filhos durante a pandemia; instabilidade emocional é um dos principais motivos, explica especialista
Buscador de educadores parentais
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Este título sugestivo foi publicado em artigo de Emily Gould, colunista do caderno “Parenting”, do The New York Times. No Brasil, o número de nascidos no ano de 2019 ultrapassou 2,9 milhões,  mas em 2020 caiu para 2,6 milhões, uma redução de mais de 300 mil nascidos, segundo o Portal da Transparência do Registro Civil

Receios pandêmicos

Os riscos da maternidade durante um dos piores períodos da história contemporânea provaram ser uma forma potente de controle de natalidade, conforme relata a articulista do NYT. Ao atravessarem a vida pandêmica, com todos seus contratempos e perdas, os pais se tornaram naturalmente mais receosos. Anna Carey, uma das entrevistadas no artigo, diz que as instabilidades ocasionadas pela pandemia tornaram a ideia de uma gestação durante o período incabível. “Não poderíamos imaginar passar por outra fase de gravidez, parto e recém-nascido com tão poucas opções de apoio”, revelou.

“Por conta da pandemia, as pessoas passaram a temer o futuro, não somente por questões de saúde, mas também financeiras e fisiológicas. Adultos que antes pensavam e até mesmo se programavam para terem filhos, começaram a repensar a ideia. Ainda que o cenário epidêmico já tenha melhorado, a instabilidade e incerteza com o que ainda pode vir a acontecer mantém as pessoas receosas”, explica Francisco Maciel, psicólogo clínico.

Em conjunto com o receio, os 2 últimos anos – que mais pareciam com um enorme tempo de espera – não esperaram. O tempo continuou a passar, o que fez com que muitas mulheres, que antes planejavam a maternidade aos 30, passassem a ter que lidar com as barreiras fisiológicas em decorrência do tempo. Anna, por um tempo, ainda tinha esperança de que a situação melhorasse antes de seu aniversário de 35 anos, o que por razões genéticas, ela e seu marido, Graham, sempre consideraram um limite. 

Aumento no número de divórcios

Os divórcios pandêmicos também influenciaram na redução da taxa de natalidade no Brasil. De acordo com um levantamento do Colégio Notarial do Brasil, em 2021 foram registrados mais de 80 mil divórcios no país, um recorde nacional. Para os pais de crianças pequenas que não sobreviveram à pandemia com seus relacionamentos intactos, a perspectiva de ter mais filhos no futuro parece muito menos provável do que antes. 

Esse é o caso de Tully Mills, ilustrador que mora no Colorado, também entrevistado pela colunista do NYT. “A realidade de não ter um segundo filho se instalou gradualmente após o primeiro ano de Covid. Tudo era tão incerto, e o modo de sobrevivência estava entrando em ação”, explica. Tully e seu ex-parceiro são pais felizes, mas não cogitam mais a paternidade, mesmo com futuros parceiros. 

Francisco Maciel explica que durante a pandemia os conflitos foram cada vez mais frequentes. “Por conta do convívio intenso, associado ao isolamento social, as pessoas passaram por períodos de instabilidade emocional, provocando situações de desentendimento e tensão. Muitos casais, que antes não conviviam durante situações tão cotidianas, se viram obrigados a passar por isso, o que acarretou em términos e divórcios.”

Ainda há uma onda de casos de burnout entre os pais que viveram em 2020 e 2021 com filhos muito jovens em casa. A perspectiva de dobrar os bebês pode parecer especialmente desagradável para os pais que ainda estão se recuperando de assumir tarefas inesperadas sem reconhecimento ou apoio social. 

Um acordo com a realidade

Ainda que os desafios enfrentados pela maternidade sejam diversos, entre os pais existem diversos casos de pessoas que pensariam em ter mais filhos, caso os últimos anos tivessem sido diferentes. A própria autora do artigo, Emily Gould, é um exemplo. “Enquanto me preparava para a publicação de um segundo romance, tive certeza que seria um avanço na carreira,  o que me permitiria engravidar de um terceiro filho. Na verdade, eu já tinha até removido meu D.I.U.”

“Ainda lamento o sentimento de possibilidade e esperança que senti uma vez quando contemplei meu sonho secreto de ter um terceiro filho, mas cheguei a um acordo com a realidade da situação: é uma perda reconhecer e lamentar, em vez de uma ambição frustrada que ainda pode se concretizar. Enquanto isso, com certeza vou adotar mais um gato”, completa a colunista. 


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