Madrasta, o nome (não) lhe basta

Criadora da comunidade Somos Madrastas fala da luta para mudar estereótipos, reforçados inclusive nos dicionários e contos de fadas; "a madrasta tem um papel parental na vida da criança", diz Mari Camardelli

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Mari Camardelli criou a comunidade Somos Madastras
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Buscador de educadores parentais
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O provérbio popular “de madrasta, o nome lhe basta” faz uma referência aos significados negativos dessa palavra. Nos dicionários, entre as várias definições, aparece que ela é uma “mulher má, sem sentimentos afetuosos, sendo capaz de ações maldosas”. Apesar da fama, madrasta não vem de má – no latim, significa mater, ou seja, mãe, e se refere à mulher do pai

Porém, desde que surgiu o termo, no século 13, a madrasta era malvista, e os contos de fadas que apareceram mais tarde só reforçaram esse estereótipo. Quem não conhece a personagem que tratava Cinderela como escrava? E a rainha má que tinha inveja e mandou até matar sua enteada, a Branca de Neve? 

Séculos depois, mulheres que se casam com homens que já tiveram filhos ainda sofrem forte preconceito na sociedade. Mas há quem tente quebrar esse estigma. A educadora parental, terapeuta e escritora Mariana Camardelli criou, em 2019, o grupo @somos.madrastas, uma comunidade que tem mais de 60 mil seguidoras no Instagram e se propõe a acolher mulheres que exercem “o maternar de crianças que não nasceram de suas barrigas”. Não por acaso, em inglês, elas são chamadas de mães substitutas, stepmom ou stepmother, que cuidam das crianças na ausência materna.

“Madrasta não é um palavrão, é uma pessoa que casou com alguém que já tinha filhos e juntos criaram um projeto de vida”, explica Mari, como é mais conhecida. 

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Enteada, madrasta de dois e mãe de dois, nessa ordem, como ela faz questão de ressaltar, Mari diz que sentia falta de uma rede de apoio para falar entre iguais. Enquanto há inúmeros grupos para mulheres grávidas, o mesmo não ocorre para quem tem enteadas e enteados. A falta de espaço para essas mulheres se reflete inclusive nas brincadeiras de criança. “Você talvez tenha brincado de mamãe e filhinho. Mas nunca de madrasta e enteadinho”, comenta. A comunidade surgiu assim como um lugar em que as madrastas podiam dividir suas alegrias e angústias.

Mari já lançou dois livros sobre a “madrastidade”, contou sua história no TED-x-Floripa, e fez um abaixo-assinado para tentar mudar a descrição de madrasta nos dicionários. A alteração ainda não ocorreu, mas ela já conseguiu fazer com que a “reunião de pais” passasse a se chamar “reunião de famílias” na escola das crianças. A mudança ocorreu depois dela conversar com a diretora e contar que um de seus enteados havia questionado por que ela não ia aos encontros pedagógicos. 

No dia a dia, a educadora parental que se formou em disciplina positiva promove lives e cursos para as seguidoras, e debate nas redes temas relacionados a esse universo. Entre eles: “não, eu não roubei o papai da mamãe”, “liberte-se da fixação pela ex (do marido)”, “ciúmes do passado”, e “quando te perguntam quantos filhos você tem, o que você responde?”.

No momento, ela divulga seu maior projeto no digital, a imersão Madrasta em paz, que inclui entrevistas com advogadas familiaristas, o guia da Madrasta Equilibrada e o Encontro Mundial das Ciumentas Perfeitas. “Grupos como esse me fazem perceber que não estou sozinha”, escreveu uma madrasta em post do perfil. Já outra disse estar “tomando coragem com os ensinamentos passados para chamar a mãe da enteada para um café”. Uma terceira contou que ao se tornar madrasta ganhou uma família maravilhosa e foi muito bem acolhida, até pela ex do marido.

Os relatos mostram as novas configurações das famílias, bem diferente do passado, quando o casamento seguia à risca o voto que diz “até que a morte os separe”. “A figura de uma madrasta ou de um padrasto não tem a ver apenas com a morte de um dos genitores. Pelo contrário. Números sobre divórcio aumentam diariamente – e as pessoas podem refazer suas vidas afetivas. O papel social da madrasta mudou. Só que nos livrinhos de contos de fadas ela continua sendo a mesma.”

“Eu não tomei o espaço da mãe. Eu não quero ser a mãe deles, eu quero ser a madrasta, ocupar o meu espaço. A gente assume o lugar de comater, comadre, que implica num maternar compartilhado. É isso que eu digo a todas as madrastas: ocupe o seu lugar, entenda que você também tem um papel parental na vida da criança. O papel da madrasta não é mais o mesmo e a gente precisa dessa atualização. É isso o que a gente está buscando.”

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