Com ansiedade e depressão em alta, apoio psicológico a crianças se torna essencial

Procura por tratamento psiquiátrico e psicológico infantil teve boom na pandemia e quadros inspiram bastante cuidado mesmo após retorno às aulas presenciais e retomada gradual da socialização

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Garoto olhando para cima, com olhar deprimido
Especialistas comentam sobre a importância de acompanhamento psicológico para as crianças.
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A falta de contato humano foi um dos principais desafios enfrentados durante a pandemia. Esse desafio foi ainda maior e mais comprometedor para as crianças, indivíduos em crescimento, profundamente dependentes da socialização para um processo de desenvolvimento emocional e criativo. A procura por acompanhamento e tratamento psicológico infantil cresceu consideravelmente durante o período, segundo relatos de especialistas.

Para o psiquiatra e psicoterapeuta Wimer Bottura Júnior, o afastamento do ambiente escolar, em conjunto com o convívio integral em dinâmicas familiares que não são saudáveis, foram fatores que propiciaram o desenvolvimento de quadros como ansiedade e depressão entre os menores. “O isolamento escolar e o convívio constante com os pais tornaram a situação ainda mais complexa. Para as crianças com um bom convívio em família, poder conviver mais com os pais foi muito bom, mas, para os menores que possuem uma família conflituosa, com ambientes desagradáveis, o excesso de interação agravou quadros de ansiedade e depressão.”

A forma como os cuidadores manejaram situações de estresse e angústia entre os menores, durante o isolamento, determinou a maneira como seriam impactados, é o que diz a psicóloga Bibiana Malgarim. De acordo com a especialista, houve um aumento expressivo na procura por tratamento psicoterapêutico para as crianças.

“Pela minha observação, a procura por terapia infantil aumentou muito. Foi possível observar um número grande de situações de ansiedade elevada, quadros fóbicos, sentimentos de medo, irritabilidade e insegurança. As agendas andam bem cheias”, conta a psicóloga Bibiana Malgarim.

Em meio à falta de ambientes de interação social, os próprios menores têm reconhecido a necessidade de um espaço de escuta, revela a psicóloga infantil Carla Cristina Miyashiro. “Tem crianças que, ao perceberem que não está tudo bem, que não conseguem revelar aos pais o que sentem, têm pedido cada vez mais aos pais por tratamento.”

Ansiedade e depressão

A psicóloga ainda revela que, com base em experiência própria, o número de crianças com quadros graves de ansiedade e depressão cresceu exacerbadamente. “Cheguei a receber casos de crianças na faixa dos 11/12 anos com risco de suicídio. Os riscos eram tão altos que as crianças precisaram ser internadas.”

“A ansiedade é um sintoma que faz parte da maior parte dos quadros de sofrimento, incluindo a depressão. Ela está associada a diversas características, como irritabilidade, perturbações do sono, questões esfincterianas, alterações de apetite e alterações nos padrões de apego. Quando se fala em depressão infantil, os sinais são um pouco diferentes da depressão típica do adulto. Nos casos infantis, os sinais variam. Os menores podem ficar, desde mais tristes e apáticos, até mais agitados, irritados e agressivos” afirma Bibiana.

A psicóloga Carla Cristina ainda enfatiza a necessidade da socialização para o desenvolvimento dos menores. De acordo com a mesma, crianças, quando privadas do contato social, tendem a se fechar, a ficarem mais isoladas. Esse movimento pode acarretar em casos de depressão e ansiedade, ou até mesmo, agravar quadros já pré existentes. Sendo assim, a terapia, como lugar de escuta, foi, e ainda é, importante para prevenção, e também tratamento, desses quadros. 


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Síndrome da Gaiola

Com os transtornos psicológicos infantis agravados durante a pandemia, surgiu a “Síndrome da Gaiola”. Essa síndrome, de acordo com especialistas, reflete o sentimento de incapacidade de sair de casa. Apesar de existir a possibilidade, e até mesmo a necessidade, da interação social, os indivíduos acometidos pelo quadro sentem uma vontade cada vez maior de se fecharem e evitarem contatos com outros. 

Com o retorno gradativo dos espaços de interação social, como o retorno às aulas, as crianças e adolescentes que sofrem com a síndrome se sentem “forçadas” a saírem dos seus ambientes seguros e confortáveis. Ao socializarem com outras pessoas de maneira indesejada, o que é difícil e complexo nestes casos, os menores podem desenvolver alguns outros problemas como dificuldade de aprendizagem e transtornos do humor. 

“Sabemos, por exemplo, que crianças mais novas muitas vezes já possuem uma dificuldade na socialização, sendo assim, o distanciamento social pode, em muitos casos, ter potencializado o fator da ansiedade generalizada, o que torna agora muito mais difícil esse relacionamento com outros colegas, até mesmo gerando um quadro de fobia social de fato”, explica  a psicóloga clínica na Amparo Saúde, Muriell Coelho.

Segundo a especialista, os pais devem ficar atentos ao comportamento de seus filhos. “A diferença é que os pequenos não sabem ainda se expressar, o que torna mais difícil o diagnóstico deste transtorno. Em pessoas mais velhas é mais fácil identificar e tratar. Portanto, é essencial que os pais e as escolas criem recursos para tentar minimizar as dificuldades que este momento de ressocialização trará.” 

Ajuda profissional em tempos de traumas

Cuidar da saúde mental de uma criança é algo crucial para uma sociedade. A psicoterapia é um espaço íntimo que auxilia o sujeito a construir e a escutar uma narrativa sobre si mesmo. É um processo em que se abordam experiências passadas, dificuldades enfrentadas. Pode ser potencializador de saúde e desenvolvimento mental para os menores.

“Acredito que qualquer criança que passa por um evento traumático, excessivo para o seu momento de desenvolvimento, pode precisar de ajuda profissional de um psicólogo ou psicanalista. Certamente a pandemia foi um desses eventos. Então, pode ser que muitas pessoas, incluindo as crianças, necessitem de psicoterapia para elaborar situações traumáticas”, comenta a psicóloga. 

Bibiana ainda completa: “Ainda há uma certa resistência ao processo psicoterapêutico, embora gradativamente essa mentalidade esteja mudando. À medida que se desmistifica o cuidado com saúde mental as crianças passam a ser mais beneficiadas mais também.”

Famílias também precisam se cuidar

Wimer Bottura joga luz sobre a importância de um tratamento não somente para as crianças, como também para seus familiares. “Se apenas direcionamos a criança ao tratamento, fica aquela impressão de que precisamos mudar algo na criança. Mas, se todo o sistema familiar não mudar, isso poderá não ser efetivo, não ajudando nem os pais nem suas famílias.”

“A demora na procura do tratamento é um dos fatores de agravo na grande maioria dos problemas. Muitas vezes, as manifestações das crianças são respostas ou defesas contra um ambiente sem escuta, um ambiente hostil. Um tratamento direcionado também aos pais, com um direcionamento correto, pode ajudar a evitar algumas manifestações dos menores”, comenta o psiquiatra sobre a relutância dos pais em direcionarem seus filhos a um tratamento psiquiátrico. 


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