O chá de bebê já é de praxe. Amigos e familiares cobrem a gestante de carinhos, bem como de pacotes de fraldas de todos os tipos e tamanhos. P, M, G; súper, plus, noturna, para viagem; piscina, com ou sem elástico. Mas ninguém se lembra das pilhas. Sim, um bebê precisa ter uma reserva delas — se for menino, então, é bom se preparar. Ainda nos primeiros anos de vida do meu filho, sonhei poder voltar atrás para ter feito um chá de pilhas. Pediria as recarregáveis e estaria garantida.
Já imagino você, caro leitor, argumentando que bastam os brinquedos pedagógicos. Bloquinhos de madeira, peças de Lego, pedaços de materiais recicláveis com os quais a criança pode construir cidades inteiras. Porém, por mais que se tente poupar o menino de um mundo frenético, em algum momento um brinquedo movido a pilha atravessará o seu caminho.
Ainda nos primeiros anos de vida do meu filho, sonhei poder voltar atrás para ter feito um chá de pilhas. Pediria as recarregáveis e estaria garantida.
E como todo aprendizado pede repetição, chegará a hora — provavelmente a errada — em que uma geringonça cessará de repente, disparando de imediato o alarme da criança. Então você entenderá que, assim como o gás de cozinha, as pilhas nos faltam quando mais precisamos delas.
A boa notícia é que a fase dos brinquedos a pilha passa. E vem outra mais avançada, como no videogame. Um belo dia, você procura pelo tablet que ainda não teve tempo de aprender a operar, e o flagra nas mãos do menino, que já o manuseia com propriedade. Hora de descobrir que recarregar baterias é muito econômico, mas vem com uma desvantagem: será cada vez mais difícil manter seu filho desconectado. E você passa a tropeçar em carregadores espalhados pelas tomadas dos cômodos da casa, o humor do filho por um fio diante do pouco tempo de duração da carga do aparelhinho.
Está certo, entre um eletrônico e outro surge uma série de gominhas coloridas. A febre se espalha pela escola, enchendo os braços do menino de pulseiras, que passa a ocupar seu tempo no tear. Você respira com alívio, já idealizando um bem-sucedido artista plástico. Logo vem a moda das cartinhas e você comemora a singeleza de um jogo de papel, nem um botão de liga e desliga.
Mais alguns dias e você também achará necessário um chá para angariar cartinhas do Pokémon — nem a história dos Cem Anos de Solidão tem tantos personagens. Se o governo corrupto é uma máquina de escoar dinheiro, os pacotes de cartas do Pokémon estão no páreo.
“Hoje é o dia mais feliz da minha vida”, diz Francisco ao passar por mim no corredor. Refere-se à sua última vitória no jogo da vez, disputado no tablet que já é seu velho amigo. Diante daquele território desconhecido, sou eu a condenada a 100 anos de solidão.
Cedo ou tarde, o menino dorme. E você está ali ao lado, de olho em cada movimento. Cartas se perdem ou cansam, pilhas acabam, baterias descarregam. Só a sua dura o suficiente, deixando qualquer Duracell no chinelo.
Cris Guerra é publicitária, escritora e palestrante. Fala sobre moda e comportamento em uma coluna diária na rádio Band News FM e a respeito de muitos outros assuntos em seu site www.crisguerra.com.br. Na Canguru, escreve sobre a arte da maternidade.