Violência nas escolas: discursos de ódio nas redes sociais estimulam ataques, diz pesquisadora

Conteúdos são facilmente encontrados na web e alimentam práticas de racismo, homofobia e misoginia, afirma a advogada e mestranda em educação, Cleo Garcia; nos últimos nove meses, houve pelo menos um ataque por mês, sendo que a média era de um a cada dois anos, desde 2002

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Fachada da EE Thomazia Montoro: mais uma unidade que ficou marcada pela violência nas escolas
Para especialista, escola precisa ser acolhedora, dialógica e inclusiva | Foto: reprodução Google Street View
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Um adolescente de 13 anos esfaqueou quatro professores e um aluno, na manhã desta segunda-feira (27), dentro da Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo. A professora de ciências Elizabeth Tenreiro, de 71 anos, foi golpeada pelas costas, teve uma parada cardíaca e chegou a ser socorrida, mas não sobreviveu. Todos os feridos foram encaminhados a hospitais e têm quadro de saúde estável. 

Aluno do 8° ano, o adolescente entrou com uma máscara de caveira e usou uma faca grande de cozinha nos ataques. Ele foi imobilizado e desarmado por professoras, sendo levado para o 34° Distrito Policial na Vila Sônia. Depois, passou pelo Instituto Médico Legal (IML), para exame de corpo de delito, e em seguida foi encaminhado para uma unidade da Fundação Casa, na capital paulista.

Segundo depoimentos de alunos e familiares, o autor dos ataques se envolvia com frequência em brigas e discussões, e teria discutido com um estudante, que seria o alvo principal da ação, mas ele não estava na escola. Nas brigas, ofensas racistas e até ameaças de morte seriam comuns, segundo os relatos. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil.

A escola, que atende o ensino fundamental 2 (6° ao 9° ano) e o ensino médio, funciona em período integral e teve as aulas suspensas por uma semana. 

Cléo Garcia, advogada com especialização em justiça restaurativa e mestranda em educação pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), cujo tema de pesquisa são os ataques violentos a escolas, diz que de 2002 a julho de 2022, ou seja, em 21 anos, aconteceram 13 ataques desse tipo no país – uma média de um a cada dois anos -, sendo que nos últimos nove meses houve cerca de um ataque por mês no país. Os dados são de um levantamento feito por pesquisadores da Unicamp e da Unesp. Não entraram na contagem os ataques de violência nas escolas que foram evitados e também aqueles que são cometidos por pessoas que não fazem parte da comunidade escolar. A maioria dos casos aconteceu em escolas públicas – foram 12 em escolas estaduais, seis em escolas municipais, e um em escola municipal cívico-militar – e quatro se deram em escolas particulares.

“Não é tão expressivo como nos Estados Unidos, que é onde existe a maior concentração desse tipo de evento, mas é preocupante que esse fenômeno esteja no Brasil com uma frequência que chega a assustar”, diz a pesquisadora, que recentemente esteve em Aracruz (ES), para trabalho com docentes, alunos e familiares da escola onde ocorreu um ataque que levou à morte de três professoras. 

Para ela, são vários os fatores que podem provocar ataques de violência nas escolas, “mas, principalmente, a questão dos discursos de ódio, disseminados pelas redes sociais, incluindo aí jogos e chats de conversas, onde os adolescentes encontram reconhecimento, acolhimento, aceitação e estímulo para cometer os atos mais absurdos contra grupos étnicos, identitários e religiosos, ou seja, práticas de racismo, homofobia e misoginia”. 

Cleo comenta sobre a facilidade com que é possível encontrar, por exemplo, tutoriais para construção de bombas nas redes sociais – e não somente na deep web ou dark web -, sem nenhum filtro e para todo tipo de público, o que funciona como um alimentador desse tipo de fenômeno. “Há homenagens a crimes desse tipo, vídeos com recortes de vários atiradores, de vítimas, de armas, de corpos.” 

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Mais atenção à saúde mental

Para a pesquisadora da Unicamp, não se trata de querer descobrir um culpado, mas sim buscar a conexão e inclusão desse aluno ou aluna com diálogo, tanto com a família-escola, quanto com os próprios pares. “Fica claro que é necessário um olhar cuidadoso para aquele aluno que vive isolado e tem dificuldades de convivência, de socialização e expressão”. 

O pesquisador Hugo Monteiro Ferreira, autor do livro A geração do quarto – quando crianças e adolescentes nos ensinam a amar – diz que é urgente cuidar da saúde mental das crianças e dos adolescentes – e não condená-los – ou situações dessa ordem não cessarão tão cedo. “Essa violência cometida nas escolas é produto da violência que nós fabricamos contra crianças, adolescentes e jovens há tempos. Estamos construindo adolescentes que são capazes de cometer atitudes dessa natureza. É muito mais digno e muito mais decente olharmos para a nossa responsabilidade. Eu lamento muito, mas a responsabilidade desse esfaqueamento também está nas nossas mãos”, afirma Hugo, que é professor de educação na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

A escola precisa ser acolhedora, dialógica e inclusiva, devendo buscar a transformação dos conflitos em algo que enriqueça a convivência, avalia Cleo Garcia.

Medidas preventivas

Como medidas a serem adotadas para evitar a violência nas escolas, ela cita desde uma melhor capacitação dos docentes até a implementação de programas que trabalhem as competências socioemocionais, debatam temas como racismo e misoginia, e desenvolvam nos estudantes uma consciência crítica e a empatia. Ela destaca ainda o uso de ferramentas como as assembléias de classe, conselho escolar, conselhos de classes e grêmio estudantil como espaços para debater conflitos e outras questões escolares com os alunos.

A família também deve ficar atenta às atitudes dos adolescentes – e às próprias ações. Para a especialista, os pais precisam refletir se dialogam com os filhos e se estão abertos à escuta do que eles têm a dizer. Ainda, é importante definir regras para uso da internet e explicar aos filhos, desde crianças, os perigos escondidos nas redes sociais. “A base para um desenvolvimento saudável das crianças passa pelo diálogo e pelo afeto. Os pais devem se perguntar se têm exercitado isso. Não basta buscar atendimento psicológico/psiquiátrico se as atitudes familiares não se modificam também”.

Estado anuncia ações de prevenção à violência nas escolas

A partir do ataque ocorrido na Escola Estadual Thomazia Montoro, o governo do estado de São Paulo divulgou uma série de medidas para ampliar o acolhimento psicológico e ações de prevenção à violência nas escolas. O anúncio foi feito pelos secretários de Educação, Renato Feder, e de Segurança Pública, Guilherme Derrite, em coletiva à imprensa nesta segunda-feira (27), à tarde.

Entre as ações está o investimento no programa Conviva (Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar), que existe desde 2019, e, segundo o governo, deve passar de 500 para 5 mil profissionais dedicados à aplicação das políticas de prevenção à violência nas escolas. Os novos educadores do programa receberão treinamento para identificar vulnerabilidades de cada unidade, além de colocar em prática ações proativas de segurança.  A secretaria estadual de educação também afirmou que vai retomar o programa Psicólogos na Educação, que dará suporte psicológico para orientar as equipes escolares e estudantes.

Nas redes sociais, postagens marcadas como #eethomaziamontoro e #elizabethtenreiro reclamam da falta de funcionários e melhores condições de trabalho e ensino nas escolas públicas do estado de São Paulo. Também há queixas quanto à falta de segurança e de ações preventivas relacionadas à saúde mental de toda a comunidade escolar.

Veja lista com 14 ataques ocorridos em escolas*

Ipaussu (SP), 2022

Em 14 de dezembro, um ex-estudante de 22 anos invadiu uma escola estadual e feriu com golpes de faca duas professoras na noite desta quarta-feira, 14, em Ipaussu, no interior de São Paulo. O agressor fez ainda outro professor refém, resistiu à abordagem da polícia, mas acabou se entregando.

Aracruz (ES), 2022

Em 25 de novembro, um adolescente de 16 anos deixou quatro pessoas mortas – três professoras e uma aluna de 12 anos – após invadir duas escolas em Aracruz, no norte do Espírito Santo. No momento do crime, o adolescente ostentava uma suástica – símbolo nazista – em um dos braços, além de roupa tática e duas armas (uma pistola .40 e um revólver 38 pertencentes ao pai policial). Ele foi apreendido e cumprirá até três anos de internação em unidade socioeducativa.

Sobral (CE), 2022

Um estudante de 15 anos morreu e dois ficaram feridos após um adolescente, também de 15 anos, disparar contra os três colegas na Escola Professora Carmosina Ferreira Gomes, em Sobral, no dia 8 de outubro. Ele estava com uma arma de fogo registrada no nome de um CAC (colecionador, atirador desportivo e caçador) e foi apreendido.

Morro do Chapéu (BA), 2022

No dia 27 de setembro, um adolescente de 13 anos ateou fogo na Escola Municipal Yeda Barradas Carneiro, em Morro de Chapéu, na Chapada Diamantina, onde estudava, e feriu a coordenadora com o uso de uma faca.

Barreiras (BA), 2022

No dia 26 de setembro, um adolescente de 14 anos usou a arma do pai, um policial militar, e matou uma aluna cadeirante no Colégio Municipal Eurides Sant’Anna, em Barreiras, no oeste do Estado. Dois policiais que estavam nas proximidades da escola o detiveram com tiros. A vítima foi Geane da Silva Brito, de 19 anos, portadora de paralisia cerebral, que via na escola uma ferramenta para inclusão e um local onde se sentia segura e acolhida pela comunidade escolar.

Saudades (SC), 2021

O ataque em Saudades, no oeste de Santa Catarina, deixou cinco pessoas mortas na manhã de 4 de maio de 2021, quando um rapaz de 18 anos invadiu uma creche do município com um facão de 68 centímetros. Ele matou duas funcionárias da unidade e três bebês menores de 2 anos.

Suzano (SP), 2019

Um ataque na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo, deixou dez mortos, incluindo os dois atiradores, e 11 feridos. Os autores do massacre, Luiz Henrique de Castro, de 25 anos, e G.T.M., de 17, eram ex-alunos da instituição. Um dos atiradores acabou matando o comparsa e depois cometeu suicídio, ficando marcado como um evento trágico de violência nas escolas.

Medianeira (PR), 2018

Um estudante de 15 anos do ensino médio pegou uma arma e atirou nos colegas em uma escola estadual da pacata cidade de Medianeira, a 60 quilômetros de Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná. Tinha uma lista para livrar os amigos – no fim, dois acabaram baleados. O atentado aconteceu no Colégio Estadual João Manoel Mondrone. Segundo a polícia, o autor do ataque seria alvo de bullying na escola.

Goiânia (GO), 2017

m adolescente de 14 anos matou a tiros dois colegas e feriu outros quatro em uma sala de aula do Colégio Goyases, em Goiânia, em 20 de outubro de 2017. Filho de policiais militares, ele usou a arma da mãe, que havia levado à escola particular escondida na mochila. Segundo a Polícia Civil, o rapaz sofria bullying e o crime foi premeditado.

João Pessoa (PB), 2012

Dois jovens chegaram à Escola Estadual Enéas Carvalho, em Santa Rita (Região Metropolitana de João Pessoa), em uma moto e invadiram o pátio. Eles usavam uniforme da escola. Um deles atirou contra um adolescente de 15 anos. O atirador disparou outras cinco vezes, atingindo duas garotas. Uma delas, de 17 anos, foi baleada no braço direito. A outra, levou um tiro no pé esquerdo. De acordo com a polícia, o motivo do crime teria sido ciúme.

Realengo (RJ), 2011

Considerado à época como o maior massacre em escolas brasileiras até então, a tragédia em Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro, deixou 12 crianças mortas. O crime foi cometido por um ex-aluno de 23 anos que levou dois revólveres à Escola Municipal Tasso da Silveira e disparou contra os alunos, todos de 13 a 15 anos. Depois de invadir duas salas de aula, ele foi atingido na barriga pela polícia e disparou um tiro na própria cabeça.

São Caetano do Sul (SP), 2011

Um estudante de apenas 10 anos atirou na professora e se matou em seguida na Escola Municipal Alcina Dantas Feijão, em São Caetano do Sul, no ABC paulista. Ele usou uma arma do pai, um guarda civil municipal. De acordo com colegas e funcionários da escola ouvidos na época, o menino era muito estudioso, inteligente e calmo.

Taiúva (SP), 2003

Em 27 de janeiro, um estudante de 18 anos disparou 15 tiros contra cerca de 50 estudantes no pátio da Escola Estadual Coronel Benedito Ortiz, em Taiúva, interior do Estado. Ele usou a última bala do revólver calibre 38 para atirar na própria cabeça e morreu. O episódio de violência nas escolas não deixou vítimas fatais além do rapaz.

Salvador (BA), 2002

Um estudante de 17 anos matou uma colega e feriu outra a tiros no Colégio Sigma, no Bairro de Piatã. O rapaz teria pegado um revólver calibre 38 do pai e escondido a arma na mochila. Os disparos foram feitos depois que a professora pediu para ele fazer um exercício.

*Fonte: jornal Estadão

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