É sabido que, com o isolamento social imposto pela covid, as crianças aumentaram muito o tempo no celular, tablet ou computadores. Mas se você fosse estimar esse crescimento, diria que foi algo em torno de 20%, 30% ou mesmo 50%?
Um estudo publicado na semana passada no Jama Pediatrics comparou o tempo de tela das crianças entre janeiro de 2020 e março de 2022 e constatou um aumento de 52% nesse período. A alta foi maior entre crianças e adolescentes de 12 a 18 anos, porque essa faixa etária é mais propensa do que crianças mais novas a possuir e acessar dispositivos digitais, informaram os pesquisadores, que são da Universidade de Calgary e do Instituto de Pesquisa do Hospital Infantil, ambos em Alberta, no Canadá, e da Universidade de Dublin, na Irlanda.
Para chegar a esses resultados, eles analisaram o tempo dedicado aos eletrônicos e os tipos de dispositivos usados, extraindo dados de 46 estudos que analisaram quase 30.000 crianças em vários países, entre 3 e 18 anos, sendo a idade média 9 anos.
A quantidade média de tempo gasto em dispositivos portáteis e computadores pessoais aumentou em 44 e 46 minutos por dia, respectivamente, segundo o estudo.
“Essas descobertas devem ser consideradas juntamente com outra meta-análise que sugere uma diminuição de 32% no envolvimento das crianças em atividades físicas moderadas a vigorosas durante a pandemia”, escreveram os cientistas.
O celular na rotina
A pesquisadora em letramento digital e bem-estar digital, Joana Orlando, da Western Sydney University, diz que o efeito total da pandemia no uso de nossa tecnologia ainda não está claro, mas há fatores a considerar para entender o que leva a esse aumento do tempo nos dispositivos. Um deles é que o uso prolongado da tela ao longo do tempo se torna um hábito.
Ou seja, uma vez que a criança se acostuma a usar a tecnologia por mais tempo, essa passa a ser a referência dela. Da mesma forma que quando ela se habitua a ficar acordada até tarde, todas as noites nas férias, e depois acha difícil se ajustar novamente ao horário de dormir do período escolar. Quanto mais tempo fizermos isso, mais ajustes serão necessários, afirma a pesquisadora, em artigo para o site de conteúdo acadêmico The conversation.
Lembrando que durante os dois anos de isolamento social, os dispositivos eletrônicos centralizaram a maioria das atividades das crianças – desde assistir às aulas da escola, brincar, ver vídeos e se comunicar com amigos e familiares, por exemplo. Agora, as crianças seguem usando a tecnologia por períodos longos e mais intensos, e é provável que essa trajetória continue a aumentar, diz Joana.
Efeitos nas crianças
Ela avalia que, provavelmente, o aumento do tempo de tela não interferiu negativamente no bem-estar das crianças durante os períodos de bloqueio, visto que essa era a única forma que elas tinham de se manter socialmente conectadas. Porém, muitos se preocupam com o impacto desse excesso de tempo contínuo nas telas hoje.
Segundo a pesquisadora as evidências são incompletas, visto que é cada vez mais difícil separar os mundo online e offline. “Mas sabe-se que o tempo de tela problemático afeta a saúde mental e cognitiva, que está no centro do aprendizado e do desenvolvimento das crianças”, declarou Joana.
Ela fala ainda da relação das telas com o estresse e a ansiedade, bem como com a fadiga mental e física, que podem afetar o humor da criança e a capacidade de se concentrar e aprender. Ainda, pode haver influência no sono – manter a criança acordada à noite – quando ela acessa conteúdos sensacionalistas e altamente emotivos. “Ler um doce livro de histórias na tela antes de dormir tem um impacto diferente”, ressalta a investigadora.
3 dicas para reduzir o tempo de telas em família
Embora a vida esteja voltando ao normal – apesar da nova onda de covid que tem provocado um aumento de casos em diversos países, inclusive no Brasil –, para muitas famílias, o uso de tecnologias pelas crianças ainda é muito maior do que os níveis pré-pandêmicos. Na intenção de reduzir o uso, pais tendem a impor regras e restrições rigorosas aos filhos, mas há outras abordagens que podem ajudar a criar um equilíbrio mais saudável em família.
Reduzir o tempo de tela de uma criança não é necessariamente a melhor estratégia parental, pois muitas vezes não pode ser sustentada, analisa Joana. Ela diz que olhar para o próprio uso é importante, já que o comportamento dos pais em relação ao celular está fortemente associado ao das crianças. Para tanto, a especialista dá três dicas:
1. Mudanças para todos
Um estudo da Dinamarca se concentrou em todos os membros da família tomando medidas juntos para mudar seus hábitos de tela e os resultados foram altamente eficazes. As famílias relataram efeitos positivos no bem-estar mental e no humor de todos os membros da família.
2. Se preparar para os desafios
Importante para o sucesso das famílias no estudo foi que elas foram encorajadas a falar sobre os desafios esperados de reduzir o uso de telas e listar possíveis soluções. Essa abordagem “todo mundo junto” aumenta o vínculo familiar e a motivação para a mudança.
3. Focar nos elementos do uso saudável da tela
A orientação dos pais deve se concentrar nos três aspectos do uso saudável do dispositivo: tempo de tela, qualidade da tela e amigos da tela. Isso significa ficar de olho no tempo gasto em um dispositivo, mas também garantir que uma criança use a tecnologia de várias maneiras positivas, em várias situações sociais – às vezes de forma independente, mas muitas vezes com outras pessoas.
O uso da tecnologia mudou muito com a covid. Gerenciar o tempo de tela continua sendo essencial para a saúde e o bem-estar das crianças. Mas a maneira como entendemos o tempo de tela, seu lugar em nossas vidas e ajudamos as crianças a gerenciá-lo deve mudar com os tempos.
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