Desafios virais: ‘crianças inteligentes também fazem escolhas imprudentes’

Casos recentes de mortes de crianças que participaram desses jogos são um alerta aos pais para que atuem de forma preventiva; veja orientações de especialistas

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Dois adolescentes no sofá seguram na mão um celular e na tela se vê imagem do Tik tok
Medidas preventivas são essenciais para evitar que os filhos corram riscos na internet
Buscador de educadores parentais
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Um levantamento informal do Instituto DimiCuida, que atua na prevenção dos jogos de não-oxigenação, mostrou que pelo menos 27 crianças e adolescentes morreram no Brasil, até 2021, devido à participação em desafios virais que circulam nas redes sociais

Um dos casos mais recentes ocorreu no fim de agosto, em Belo Horizonte, quando um menino de 10 anos perdeu a vida após se trancar no guarda-roupa e fazer o “desafio do desodorante”. O jogo consiste em uma competição para ver quem consegue inalar, por mais tempo e em maior quantidade, o aerossol presente no produto.

Outra tragédia relacionada aos desafios virais ocorreu em Londres, na Inglaterra. Archie Battersbee, de 12 anos, estava em coma desde abril, com morte cerebral declarada, devido ao “desafio do desmaio”, popular no TikTok. Conhecido em inglês como choking game, o desafio incita os jovens a apertar o pescoço para diminuir a quantidade de sangue no cérebro até desmaiar – o que pode provocar sérios danos à saúde e/ou levar à morte.

A família de Archie enfrentava uma batalha judicial para manter as funções vitais do filho através de aparelhos, mas, no início de agosto, a Justiça do Reino Unido autorizou o hospital onde ele se encontrava a desligar as máquinas que lhe davam suporte à vida.

Nas reportagens que noticiam essas tragédias, é comum familiares afirmarem nunca imaginar que isso aconteceria com seus filhos. 

“Você simplesmente não espera que seu próprio filho faça isso. Por favor, fale sobre esse assunto em casa, mostre para os seus filhos que esses desafios online não valem suas próprias vidas, curtidas ou sei lá o que estejam procurando”, declarou Lauryn Keating ao jornal escocês Daily Record. Ela perdeu o filho, Leon Brown, 14, há cerca de um mês, por causa de um desafio. 

Crianças e adolescentes não têm consciência do perigo

Para a psicóloga Carla Cavalheiro Moura, é natural do ser humano minimizar os riscos de morte. “Chegamos a acreditar que nada de ruim vai nos acontecer e, nos jovens, isso é mais forte ainda, porque eles estão na fase em que buscam outras referências de identificação, ficando mais disponíveis a experimentações”, afirma Carla, que coordena o grupo psicoterapêutico de dependências tecnológicas do Programa Ambulatorial Integrado dos Transtornos do Impulso (Pro-Amiti). O grupo é vinculado ao Instituto de Psiquiatria, do Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo a especialista, a imaturidade cerebral do adolescente dificulta a leitura real de situações de risco. “O jovem, por ser nativo digital, tende a confiar em tudo o que vê no ciberespaço, não questionando quase nada a respeito de situações suspeitas”, diz. 

Ela explica que a parte do cérebro que processa o pensamento racional, o córtex pré-frontal, só fica totalmente maduro a partir dos 23, 25 anos de idade. “Essa região, responsável por aspectos como a antecipação das situações, faz com que o jovem seja naturalmente mais impulsivo, ele não tem a regulação emocional elaborada, devido a questões maturacionais e de fisiologia do cérebro”, esclarece. 

Um artigo sobre desafios virais e segurança da família, da empresa de proteção digital McAfee, orienta os pais a não confiar no fato de que os filhos não vão tentar fazer bobagens on-line. “Crianças inteligentes também fazem escolhas imprudentes. É muito fácil que elas sejam estimuladas a isso em um ambiente onde influenciadores, gostos e comentários de colegas podem deturpar o perigo”, diz a autora do artigo, a jornalista Toni Birdsong, especializada em segurança digital.

Toni define o Tik Tok como popular, criativo, divertido, mas também arriscado, e recorda que, “durante a adolescência, a razão e a identidade em evolução estão em constante conflito, o que significa que a emoção pode tomar as rédeas da lógica. Para os pais, isso significa que, ao se envolverem no mundo digital do seu filho, eles têm a chance de influenciá-lo e orientá-lo quando ele mais precisar”.

O “desafio do apagão” se tornou popular em 2008 mas, em 2021, voltou a viralizar. Nos Estados Unidos, foram registrados mais de 82 casos de mortes, entre 1995 e 2007, por causa desse jogo de asfixia. Os atingidos eram jovens de 6 e 19 anos de idade, sendo os meninos as principais vítimas (87%), segundo números do departamento de saúde americano, o CDC (Centers for Disease Control and Prevention).

Em declarações dadas pela rede social após casos trágicos de desafios virais, o Tiktok disse que esse tipo de desafio é totalmente contra as regras da comunidade e que tem se esforçado para retirar da plataforma os vídeos já existentes sobre o assunto. Embora mais comuns nessa mídia social, os vídeos também circulam pelo Youtube.

Idade abaixo da permitida

A psicóloga lembra que as redes sociais estão chegando aos jovens cada vez mais cedo. “Embora liberadas para adolescentes a partir dos 13 anos, é comum vermos crianças de 3, 4 anos já com perfil nas redes, liderados por seus pais, e, aos 6 anos, já administrados pelas próprias crianças”, ressalta.

A facilidade com que as crianças conseguem contornar as restrições de idade para criar uma conta em plataformas sociais contribui para colocá-las em perigo. Em 2020, o TikTok identificou que mais de um terço de seus 49 milhões de usuários diários nos Estados Unidos tinham 14 anos ou menos.

Medidas preventivas

Embora se fale muito em “controle” parental, a orientação, segundo a coordenadora do grupo de dependências tecnológicas, é investir no engajamento parental, onde há uma atitude mais ativa e participativa dos responsáveis, inclusive para fazer uma curadoria do que os filhos veem e vivem no ciberespaço. Para tanto, é importante:

  • Conversar com a criança, falar sobre os perigos dos desafios virais e as características inerentes aos jovens, de ser impulsivo e não pensar nas consequências. Explicar a tendência das redes sociais a recompensar comportamentos imprudentes com curtidas e compartilhamentos. 
  • Aproveitar notícias sobre o tema para discutir as implicações dos desafios virais, como falta de oxigênio no cérebro, convulsões, complicações a longo prazo e morte.  
  • Refletir sobre a pressão digital dos colegas. Pergunte como seu filho se sente quando vê alguém fazendo coisas perigosas online e pensem juntos em maneiras de evitar ou desencorajar isso. Aproveite para saber se ele já participou de algum desafio ou compartilhou o conteúdo, e mesmo se tenta ser engraçado para chamar a atenção online. 
  • Instalar aplicativos de controle nos dispositivos usados pelas crianças, não para vigiá-los, mas sim para orientá-los.  
  • Ficar atento a comportamentos estranhos.
  • Criar um ambiente de confiança entre pais e filhos, dando espaço para que ajustem os comportamentos que lhes são prejudiciais.
  • Fazer uma escuta respeitosa, sobre as questões da vida do filho, sem minimizá-las, ridicularizá-las ou desprezá-las. 
  • Mostrar campanhas sobre a temática, como a promovida pela Fiocruz (imagens acima).

Trabalhos de prevenção realizados em escolas da França, Estados Unidos e África do Sul comprovaram que crianças e adolescentes não têm consciência do real perigo da prática, desde as sequelas até a morte, informa o Instituto DimiCuida. Uma das formas de conscientizá-las é mostrar como funciona o mecanismo de respiração e quais danos ele pode sofrer quando atingido. Segundo o instituto, há evidências estatísticas de redução do envolvimento dos jovens nos desafios quando eles são informados dos perigos do desmaio.

Crianças devem saber o nome dos desafios virais?

Segundo Carla, não se deve dizer o nome dos desafios para crianças pequenas – as maiores provavelmente já os conhecem, visto que os vídeos rapidamente viralizam nas redes sociais. “Deve-se dizer que há desafios em forma de brincadeiras que podem colocar a vida de quem pratica em risco e, lógico, monitorar sempre o que os filhos veem na internet”.

Ela diz ainda que os pais devem evitar o confronto. “Confronto é diferente de conflito. Conflitos sempre existirão entre pais e filhos mas o confronto gera competição, é uma oposição e hostilidade que não leva à compreensão e cooperação entre as partes.”

Carla lembra ainda que todos nós já fomos crianças um dia. “Não aumente algo que pode ser visto como parte da vida e do momento que seu filho está passando. Onde há um jovem navegando na internet, precisa haver um adulto cerceando e orientando”, conclui a psicóloga.

Sinais que podem indicar a participação das crianças nos jogos 

De acordo com o CDC, os sinais de que uma criança pode estar se envolvendo no desafio do apagão incluem: 

  • Falar sobre o jogo ou usar termos alternativos como “jogo de desmaio”, “jogo de asfixia” ou “macaco espacial”. 
  • Olhos vermelhos. 
  • Marcas no pescoço. 
  • Dores de cabeça fortes. 
  • Sinais de desorientação depois de passar algum tempo sozinhas. 
  • A presença de cordas, lenços ou cintos amarrados a móveis ou maçanetas. 
  • A presença no quarto de itens aparentemente sem sentido, como coleiras de cachorro, coleiras de estrangulamento ou cordas elásticas.

Desafios populares no TikTok*

O desafio do apagão. Consiste em fazer com que as crianças e os adolescentes cortem a própria respiração ao vivo até chegarem ao ponto de perderem a consciência.

Desafio da silhueta sexy. Este desafio está aumentando e consiste em que usuários do TikTok postem vídeos de si mesmos usando um filtro do Snapchat que delineia a forma do corpo com um efeito sedutor de silhueta. O problema? é que, desde que esse desafio começou, surgiram vídeos de instruções, mostrando às pessoas como remover o filtro da imagem para expor o autor.

Desafio quebra-crânio/rasteira. Os usuários do TikTok levam esse desafio a cabo de várias maneiras, mas uma das mais comuns inclui colocar três amigos lado a lado. Quando o vídeo começa, todos pulam ou dançam conforme o planejado, e duas crianças derrubam a terceira com rasteiras nas pernas dela, fazendo com que ela caia de frente ou de costas no chão. Esse desafio popular resultou em várias emergências médicas.

O desafio da tomada ou da moeda. Consiste em deslizar uma moeda em um carregador de telefone ou cabo parcialmente conectado à tomada. O objetivo é ver quem pode gravar e postar as maiores faíscas ou até mesmo chamas.

Desafio do coronavírus. Esse desafio felizmente não ganhou força antes de ser banido pelo TikTok. Ele foi criado por “influenciadores” e incentivou usuários do TikTok a postarem vídeos “desafiando” o coronavírus lambendo objetos públicos, como banheiros e itens de mercearia.

Fonte: McAfee

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