É papel do pediatra falar sobre a criação dos filhos?

Embora alguns médicos tenham um olhar ampliado, com foco na saúde integral da criança, tal prática não é comum nos consultórios infantis

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Mãe com filha no colo conversa com pediatra
Estudos mostram que pediatras são consultados pelos pais sobre questões da parentalidade e desenvolvimento saudável dos filhos
Buscador de educadores parentais
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Durante as consultas ao pediatra, a conversa com o médico gira em torno das doenças ou há espaço para falar também sobre questões da educação da criança? Segundo pesquisa realizada pela pediatra Luiza Menezes, com mais de dois mil pais e mães, somente 27% disseram que os médicos de seus filhos tratam de temas relacionados à criação, analisando a saúde da criança como um todo, de forma integral. Apesar do baixo índice, 93% dos pais afirmaram que aprovariam tal prática. Os dados são de enquete realizada pela médica em seu perfil no Instagram @infancia_fora_da_caixa, mas resultados semelhantes, que mostram a confiança das famílias nesses profissionais da saúde, já foram constatados por evidências científicas. 

Um estudo realizado em Nova Orleans, nos Estados Unidos, revelou que os pediatras eram a primeira escolha de mães e pais para aconselhamento profissional em relação à disciplina infantil. De acordo com a pesquisa, quase metade (48%) dos entrevistados disseram se mostrar mais propensos a consultar pediatras do que outros profissionais para orientações sobre punição corporal. O levantamento aponta uma série de prejuízos físicos, sociais, emocionais, comportamentais e neurofisiológicos para as crianças que recebem castigos como palmadas, e chama atenção para o papel central dos pediatras na prevenção da violência.

“Nunca tivemos tanta incidência de emergências relacionadas à saúde mental infantil. E esse problema é de todos nós. Envolve políticas públicas voltadas à primeira infância, escolas conscientes e atentas, parentalidade ativa, disciplina positiva e pediatras preparados integralmente”, afirma Luiza, que é pós-graduada em saúde mental infantil e em orientação parental pela disciplina positiva. Para ela, há negligência por parte dos pediatras quanto à triagem de saúde mental na assistência básica, assim como na prevenção, que deveria envolver recomendações de parentalidade consciente, responsabilidade afetiva e desencorajamento aos castigos e punições físicas.

A pediatra diz que “infelizmente, muitos profissionais esquecem que saúde é o completo bem-estar físico, emocional e social, e focam apenas no físico, no orgânico, subestimando as demais áreas.” E lembra ainda que embora alguns profissionais não concordem com essa conduta, na prática, ela já acontece: segundo estudos, quase metade dos pediatras já foram interrogados quanto a orientações relacionadas à parentalidade, relata a especialista.

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Para Daniel Becker, pediatra que se tornou referência no atendimento integral infantil, fazer um exame físico completo e falar de aspectos como rotina, sono e vacinas é tão importante quanto orientar os pais a estimular o bom desenvolvimento e mostrar a eles os prejuízos da violência ​​para a saúde da criança. “Um pediatra que se isenta de falar de educação respeitosa e sem violência está falhando gravemente em sua tarefa. Porque talvez a causa mais potente de adoecimento da infância seja a violência. Ela vai se refletir não só em perda de saúde mental, mas em perda de saúde física”, afirma o médico.

Ele recorda os números alarmantes de crianças que sofrem palmadas e castigos, e são espancadas e abusadas, geralmente, em casa, por familiares, para mostrar a urgência da mudança de comportamento por parte dos médicos. Para se ter uma ideia, em 2022, o Brasil registrou quase 75 mil casos de estupros, dos quais 74% ocorreram em crianças menores de 14 anos de idade, sendo a maioria dos abusadores (82,7%) pessoas conhecidas das vítimas, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. E esses números podem ser muito maiores, visto que os dados referem-se apenas aos casos que foram denunciados a autoridades, havendo muitos outros que sequer chegam ao conhecimento público.

“Num país onde a palmada é aceita como método educativo legítimo por 56% da população, é essencial deixar claro que os pais são responsáveis pela criança, mas não seus proprietários. A criança é um sujeito de direitos, como qualquer pessoa na sociedade brasileira, e o pediatra que não entende isso está muito deslocado de uma prática atual, integral, de boa qualidade. Precisa rever os seus princípios, estudar e mudar a sua prática”, alerta Becker.

Bete P. Rodrigues, trainer em disciplina positiva, diz receber cada vez mais pediatras em seus cursos de certificação internacional de Educação Parental em Disciplina Positiva. Ela conta que esses profissionais buscam aprender a responder perguntas sobre como lidar com o mau comportamento dos filhos, entre outros desafios da parentalidade. “O profissional que se aprofunda nos estudos da educação parental e ajuda os pais com outras questões, além da saúde física da criança, diferencia-se dos colegas e pode fazer a diferença na vida daquela família”, comenta Bete.

Em março deste ano, a Sociedade Brasileira de Pediatria lançou a campanha “Diga não à violência”, que teve como objetivo combater a normalização da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes. “Hoje, educação se faz com exemplo, antes de tudo, e com regras, limites e disciplina, em casa, na casa de avós, na escola e no consultório do pediatra, o qual tem uma função holística, de ver a criança como um todo”, declara Tadeu Fernando Fernandes, presidente do departamento de pediatria ambulatorial da SBP. Para ele, é válido até recomendar, “sem radicalismos, que a criança tenha uma base espiritual boa, o que pode ajudá-la a ser mais disciplinada e a aceitar perdas, o que é importante também”.

“Acolher, buscar ativamente sinais de maus-tratos, triar, encaminhar, falar em disciplina positiva, ser exemplo durante a consulta, recomendar leituras/filmes/grupos, e sugerir condutas firmes e gentis na criação são medidas que ocuparão 15 minutos de cada consulta e podem transformar a família”, conclui Luiza Menezes. 


Você sabe o que é educação parental?

A educação parental é uma prática exercida por profissionais certificados que buscam orientar mães, pais e responsáveis quanto à criação dos filhos para que possam se desenvolver de forma plena. Diferentes abordagens ‒ dentre as quais, a disciplina positiva, parentalidade consciente, comunicação não violenta e neurociência ‒ podem ser utilizadas pelos educadores parentais para ajudar as famílias a se relacionar com os filhos de maneira respeitosa, com limites, disciplina e afeto. A educação parental visa promover experiências enriquecedoras que criem um ambiente seguro para as crianças de modo que possam atingir o seu potencial, tornando-se adultos saudáveis.

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