Dos vários pecados mortais, a preguiça é talvez aquela por quem nutro mais repulsa. Fico nervosa com as pessoas que andam devagar, que não se afastam por estarem desatentas e que não têm urgência em viver. Talvez preguiça tenha significado, para mim, a ausência de paixão e tesão pela vida.
Há uns anos, numa fase bem desafiante da minha vida, o meu marido ofereceu-me um livro que recebi, admito hoje, com bastante desdém. Chamava-se “A Arte de não fazer nada” e eu perguntei-me se ele me conhecia tão bem quanto eu achava.
A vida continuou.
Veio o nascimento da Escola da Parentalidade. Veio a formação de uma equipe, a criação de cursos, textos, a gestão de toda uma empresa. Enfim, veio a vida que foi abraçada com paixão, que é assim que deve ser, sem deixar nada para amanhã nem para depois.
E veio a Covid-19 e com ela a vida em suspenso. Tenho noção que procurei me adaptar, tirar o melhor deste período em casa. Afinal de contas, tratar das nossas coisas, trabalhar num espaço simpático, tendo a família por perto, haverá lá maior prazer?
Sem ter tido tempo para recuperar as energias e descansar, voltamos em outubro ao dia-a-dia. Formações à noite, uma situação de saúde por resolver e um cansaço a instalar-se que eu negava, como sendo, apenas, uma pequena sobrecarga. Eu escrevi sobrecarga. É carga em cima de outra carga, o que revela que este é um pensamento que precisa de ser questionado e colocado em questão. Estar em sobrecarga parece ser, afinal, o normal e não o excepcional.
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Domingo de descanso e a sobrecarga ganhou. Eu colapsei. Sem outra alternativa, escutei o que o corpo, o universo e a mente me estavam a querer dizer, e eu insistia em não querer ver nem ouvir.
Parei uma semana e dei-me ao tal vilão do pecado que é a preguiça. Fui desencantar o livro “A Arte de não fazer nada” e dei-me ao sossego. Afinal, acho que o meu marido sempre me conheceu melhor do que eu pensava e sabia, antes de mim, do que eu precisava. E respeitou o meu ritmo e natureza. Pousei o meu corpo no sofá, várias vezes. Deixei a mente passear, sem fazer quase nada. Sem ler, sem ouvir música, sem exercício nenhum. Parei e andei devagar. E não fiquei nervosa com isso. Até gostei. Parei para não fazer nada.
Voltei à vida, devagar. Peguei meu calendário e marquei dois períodos durante a semana em que, ou não trabalho ou não vou para a Escola. Dei-me conta que tenho um ritmo próprio, de quem vive e agarra a vida com unhas e dentes, e que isso consome energia. Muita energia, Aulas à noite, atendimentos, gestão e escrita são coisas que faço muito facilmente, com grande entusiasmo e felicidade, mas que me consomem. E para dar, preciso parar.
Nunca pensei dizer isto, mas a preguiça tem as suas virtudes e decidi que duas vezes por semana me entregarei nos seus braços, tal como me entrego ao ritmo frenético dos meus dias, nos outros dias. Nas duas situações, com imenso prazer e paixão, que é assim que vivo a vida.
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