O senso comum diz que “é fácil” trabalhar com crianças na Educação Infantil, afinal, elas só brincam. E muitas pessoas afirmam que frequentar a escola na primeira infância não é essencial pelo mesmo motivo. Afinal, se for para brincar, é possível brincar em casa.
Será que os pequenos não aprendem nada mesmo brincando na escola? Essa dúvida é muito comum entre os familiares e tem lá motivos para existir. Para responder à questão, é importante conhecer o papel do brincar na primeira infância ao longo da história.
O historiador francês da família e infância Philippe Ariès (1914-1984) afirmava que, na Idade Média, não havia um sentimento definido em relação à infância e a criança não era reconhecida em suas especificidades. Seu mundo se misturava ao do adulto, indiscriminadamente. Ao longo dos séculos, esse “mini-adulto” foi ganhando espaço próprio na família e na sociedade e o papel dos educadores neste processo foi fundamental.
Mais recentemente, estudiosos da psicologia passaram a se dedicar à infância, despertando grande interesse por métodos de ensino-aprendizagem, e então, a criança se torna central na sociedade. O brincar, antes fortemente relacionado a uma espécie de instrumentalização da “criança-adulta”, passa a ser compreendido de maneira mais ampla, como linguagem, forma de expressão infantil.
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As ideias da pediatra húngara Emmi Pikler (1902-1984), ícone do brincar livre e defensora da abordagem revolucionária no cuidado de bebês e crianças pequenas, são um bom exemplo. Para ela, a exploração é um importante propulsor do desenvolvimento nos primeiros anos de vida. Partindo desta perspectiva, a criança precisa realizar movimentos livres, cuja expressão seja fruto da atividade autônoma, iniciada por ela mesma.
Atualmente, muitas perspectivas pedagógicas valorizam o brincar livre, a partir do qual a criança pode vivenciar, não apenas seu corpo físico, como explorar e conhecer seu entorno material e social. A educação brasileira muito caminhou para que, em 2017, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) fosse promulgada.
O documento deixa explícito que a interação e a brincadeira são pilares do desenvolvimento infantil e a Educação Infantil é reafirmada como a primeira etapa da Educação Básica. Ou seja, na creche e na pré-escola também se aprende – e muito, e esta constitui-se a base sobre a qual se desenvolvem as habilidades e conhecimentos adquiridos em etapas posteriores.
Brincar como meio de aprender
Feito esse passeio histórico, fica mais claro compreender que o brincar é, não só a forma de expressão das crianças, como o meio pelo qual elas aprendem. Brincando, se relacionam consigo mesmas, com o mundo ao redor, com seus pares e com os adultos, desenvolvendo sua identidade e (re)criando cultura.
Na escola, o brincar ganha contornos diferentes do “brincar em casa”. O brincar livre é supervisionado por educadores que se baseiam em conhecimentos científicos e pedagógicos para sua atuação. Partindo da intencionalidade educativa, promovem interação entre a criança e uma diversidade de materiais, situações sociais e suportes, ampliando suas possibilidades de desenvolvimento.
Brincar com água, com areia, com corantes. Brincar com música, com tecidos, com objetos. Brincar de secretária, de padeiro, de astronauta. E é justamente esse brincar mediado e supervisionado que justifica e qualifica a presença da criança na escola.
Ao investir na Educação Infantil, valorizando a brincadeira como linguagem e como meio de aprendizagem das crianças, estamos proporcionando a elas experiências ricas e infinitas em possibilidades, que também são base para a aquisição de outras habilidades, como ler, escrever e calcular. Nem tudo pode (nem deve) ser ensinado e aprendido através da palavra do adulto, de forma transmissiva. A criança é um ser imitativo por natureza, e nada melhor que a brincadeira para comprovar isso.
*Este texto é de responsabilidade do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.