A internet está cheia de sugestões do que fazer com os nossos filhos durante este período de confinamento. Puzzles, trabalhos manuais, colagens, desenhos, grandes e pequenos projetos que revelam, não só os dotes artísticos dos pais como também a disponibilidade dos filhos em alinharem em ideias retiradas de páginas cheias de boa vontade em ajudar, genuinamente, as famílias a ultrapassarem estes dias.
Mas o que fazer com aqueles pais e mães que não gostam de trabalhos manuais, que não sabem montar legos e para quem a sucessão de posts e referências a este gênero de atividades os deixa a sentirem-se culpados e incapazes?
A minha primeira sugestão é abrirem a porta à culpa e deixarem-na do lado de fora. A culpa serve para nos dizer que algo não está em sintonia com os nossos valores e princípios e eu posso assegurar-te que não é o facto de não teres jeito para fazer essas coisas todas bonitas com os teus filhos.
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O objetivo não é apenas entreter a criança – o objetivo é passar tempo com ela e fazer coisas com ela. E essas coisas podem ser imensas, não apenas as que estão no scroll do pinterest. E esta quarentena é uma excelente oportunidade para ensinarmos tudo aquilo que sempre quisemos mas nunca tivemos tempo para tal.
Passar tempo com os meus filhos, passa por lhes mostrar como é que se confecciona o Chili con Carne que a avó francesa fazia para o pai, ou abrindo o meu livro de receitas e partilhando com eles o bolo que a minha mãe mais fez na vida dela. A passagem destas informações e ritos, que fazem parte da nossa história têm um valor inegável na história que cada um deles vai construir, também.
Somos feitos de histórias, de partilhas e herdar estas histórias que ilustram as nossas origens enriquece-nos.
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Aproveito esta quarentena para lhes mostrar como se trata das nossas coisas, desde o dobrar da roupa na hora de ir dormir a deixar limpar e arrumar o quarto deles. Insisto nos pequenos detalhes como a forma de pousar os talheres quando se põe a mesa, por exemplo.
A quarentena dá-me tempo para me sentar com eles e explorarmos os livros de cozinha que temos. Dá-lhes tempo para decidirem qual vai ser o menu da semana, escreverem a lista de compras comigo e combinarem em que dia é que cada um deles cozinha.
A quarentena permite-nos ensaiar o parabéns a você tocado à guitarra e no piano e ligar aos amigos, e cantar-lhes.
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E, com isto, a quarentena encheu-se de pequenas surpresas – acordar com a mesa do café pronta e com o quarto arrumado e a cara deles cheia de orgulho. A quarentena veio reforçar o valor que cada membro da nossa família tem no nosso todo e como cada um contribui e é importante para que tudo funcione. Reforçou também a autonomia e a noção de que são capazes de fazerem as coisas, de tratarem deles e daquilo que lhes diz respeito e pertence.
Se dá trabalho? Claro que dá. Precisamos de insistir, lembrar, corrigir. Mas, para quem, como eu, não ama trabalhos manuais e retira pouco prazer de uma construção de legos, saber que estou a ensinar todas estas coisas aos meus filhos tira-me a culpa de não saber nem gostar de fazer essas coisas. Mais tarde, saberei que algumas das coisas que eles sabem fazer foram ensinadas por mim e que eles as fazem, não porque eu mando mas porque se apropriaram delas.
A culpa continua à porta e, como se diz em bom português, corre o risco de morrer solteira, enquanto espera.
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