Novo Ensino Médio tenta responder a mudanças do mundo, mas implementação é incerta

Reformulação que entrou em vigor em 2022 aumenta carga horária, oferece disciplinas mais conectadas com o mercado e tenta preparar melhor os jovens para a escolha da carreira futura; especialistas endossam necessidade de mudanças, mas apontam percalços para que o novo modelo se torne realidade no país

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Alunos reunidos em sala de aula
O Novo Ensino Médio traz diversas mudanças necessárias à educação, mas pedagogos alertam sobre diferentes realidades nas escolas do país e falta de preparo de professores
Buscador de educadores parentais
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Neste ano de 2022 foi oficialmente implementado o Novo Ensino Médio nas escolas da rede pública e privada. A mudança, anunciada em 2017, começa pelo 1º ano do ensino médio e deverá atingir todos os três anos até 2024. Três grandes mudanças estão previstas: a carga horária será maior, partindo de 2.400 horas para 3.000 horas, parte das disciplinas será elegível e o ensino será mais voltado para o mercado de trabalho, com a possibilidade de formação técnica.

A discussão acerca de uma necessária reforma no Ensino Médio no Brasil é antiga. Essa etapa da formação estudantil é marcada por baixos níveis de aprendizado e alta taxa de evasão. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), realizada no terceiro trimestre de 2021, aponta que 4,4% dos jovens de 15 a 17 anos, o equivalente a 407,4 mil pessoas, estavam fora da escola. 

“O Ensino Médio do Brasil tem um perfil conteudista que não atende mais a realidade de mercado em que os estudantes estão inseridos ao terminarem a Educação Básica. Além disso, esse antigo modelo não responde às necessidades do jovem de hoje, com uma visão mais prática para aplicação prática dos conteúdos” afirma Márcia Régis, diretora do Colégio Presbiteriano Mackenzie Higienópolis. 

Ainda que nenhum especialista na área conteste que a revisão do modelo era necessária, é praticamente unânime o reconhecimento de falhas no processo e percalços para que as mudanças de ensino de fato sejam implementadas com êxito. Priscila Boy, pedagoga e especialista em Novo Ensino Médio e BNCC, ressalta um importante aspecto: a falta de preparo dos professores com relação à nova matriz curricular. “O grande problema da reforma é que não foi pensado um programa de formação dos professores. Eles dizem que foi pensado, mas as as instituições federais e governamentais alegam não ter dinheiro para que se faça uma formação dos docentes. Sem a formação, a reforma não vai acontecer.  A mentalidade precisa ser mudada, e caso o professor não receba acolhimento, essa mudança não vai ser possível.”

Carga horária maior e áreas de conhecimento

Diante da constatação de que os métodos utilizados no Ensino Médio brasileiro estavam defasados, o Ministério da Educação (MEC) propôs uma reformulação no modelo de ensino. O Novo Ensino Médio substitui um modelo único, pautado em disciplinas obrigatórias, por um ensino mais flexível, estruturado em três grandes frentes: 1) o desenvolvimento de um projeto de vida por meio de itinerários formativos; 2) a valorização da aprendizagem, com uma ampla carga horária; 3) a garantia de direitos de aprendizagem comuns a todos os jovens, definidos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). 

No novo modelo, as disciplinas passam a ser divididas por áreas de conhecimento, assim como realizado no Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM). Os conteúdos serão ministrados interdisciplinarmente, de maneira que, obrigatoriamente, os alunos verão todas áreas de ensino ao longo do caminho, mas, em algum dos anos, podem acabar não estudando todas elas. 

As únicas matérias obrigatórias ao longo dos 3 anos são Português e Matemática. Já as áreas de conhecimento foram divididas em 4: Linguagens e suas tecnologias (Língua Portuguesa, Artes, Inglês e Educação Física), Matemática e suas tecnologias (Matemática), Ciências da Natureza e suas tecnologias (Biologia, Química e Física) e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (História, Geografia, Filosofia e Sociologia).

Uma nova matéria, chamada “Projeto de Vida”, foi adicionada à matriz curricular.

“No Projeto de Vida, os estudantes têm a oportunidade de trabalharem com o autoconhecimento, com o aprofundamento sobre as diferentes profissões que podem escolher, com simulação de situações que fazem parte do mundo do trabalho e, assim, têm a possibilidade de construírem suas jornadas para alcançarem seus sonhos e/ou objetivos, acompanhados de um professor tutor para essa jornada” relata Márcia Régis. 

Antes da reforma atual, o currículo de treze matérias obrigatórias no Ensino Médio visava, principalmente, a preparação para exames de acesso ao Ensino Superior. Isso deixava de lado o preparo para uma formação integral dos jovens e desenvolvimento de habilidades exigidas no mercado de trabalho, argumenta Ana Carolina Calil, consultora pedagógica da Santillana Educação. 

“O Novo Ensino Médio é uma tentativa de sanar esses problemas. Ao garantir um rol de aprendizagens essenciais, referenciadas na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e oferecer ao estudante a possibilidade de escolher um itinerário, ou seja, um caminho, que esteja alinhado com seu projeto de vida, aproximamos a escola de seu protagonista e o corresponsabilizamos por essa construção”, completa. 

Foco na carreira futura

Enquanto 60% da carga horária é constituída pelas áreas de conhecimento, 40% da matriz é preenchida pelos chamados “Itinerários formativos”. Trata-se de uma formação à parte, em que o estudante poderá escolher as disciplinas a partir de suas preferências e pretensões de carreira.

Os itinerários variam de acordo com  as possibilidades de oferta das redes de ensino, somando uma carga horária de 1.200 horas, divididas entre os 3 anos de estudo. De acordo com um documento publicado pelo MEC, intitulado “Referenciais para elaboração dos itinerários formativos”, a formação organiza-se a partir de 5 eixos estruturantes. 

Os eixos tem como objetivo proporcionar aprofundamento na respectiva área de conhecimento escolhida pelo aluno. São eles: Investigação Científica, Processos Criativos, Mediação e Intervenção Sociocultural, Empreendedorismo e Formação Técnica e Profissional. 


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Críticas e problemas à vista

Dados divulgados pelo Índice de Desenvolvimento e Educação Básica (IDEB) revelaram que desde 2011 o ensino médio permanece estagnado, além de muito abaixo dos parâmetros de aprendizagem recomendados. De acordo com Priscila Boy, esses dados confirmam que uma reestruturação era realmente necessária, mas não da maneira como foi realizada. 

De acordo com a pedagoga, deveria existir uma matriz detalhada com as habilidades de cada componente da BNCC, para assim facilitar a compreensão de quais são os direitos de aprendizagem dos alunos em cada componente. “A BNCC do Novo Ensino Médio veio por área, a reforma faz um desenho em que você pega as áreas e depois as transforma em componentes.” 

“O documento original, publicado em 2017, estabeleceu cinco anos para que as escolas se adequassem ao novo modelo, que entrou em vigor em 2022. No entanto, nesse meio tempo, muitas coisas aconteceram, desde discordância política à falta de um posicionamento nacional quanto ao “como fazer”. Desse modo, os estados se organizaram de forma independente, o que gerou uma série de “modelos do modelo”, pois cada um escreveu as regras conforme as necessidades de sua região” relata Ana Carolina. 

Segundo a consultora pedagógica, entre a publicação do documento original, do cronograma de implementação e da criação da matriz do Enem (ainda em construção), abriu-se espaço para insegurança. “Acredito que a mudança gera desconforto e o sucesso do modelo vai depender, em grande parte, do que será feito na prática dentro das escolas. Reescrever o currículo e mudar a arquitetura do EM somente no papel não faz com que o Ensino Médio seja, de fato, novo.” 

Objetivo é desenvolver capacidades interpessoais

O Novo Ensino Médio foi concebido para desenvolver a autonomia e permitir que os alunos tomem suas próprias decisões, lidando com os fracassos e sucessos que isso pode implicar, explica Maria Luiza Borges Castro Campos, Coordenadora Pedagógica do Colégio Santa Marcelina, de Belo Horizonte.

“Nesse processo, os estudantes terão que lidar com desafios, gerir sucessos e também frustrações, aprender a trabalhar colaborativamente, reconhecer os limites pessoais e estabelecer relação de interdependência para se alcançar o objetivo que se propuseram. Teremos pessoas mais fortalecidas pessoalmente, com senso de competência aguçado e com capacidades interpessoais desenvolvidas.”

Parte do processo também cabe aos orientadores e pais. As escolas deverão fornecer uma base estruturada de ensino, que permita que os alunos passem pelas mudanças implementadas de maneira emocionalmente saudável. “Partir de uma situação problema, olhar e analisar cenários do mundo real, essa ênfase tende a tornar o ensino mais relevante para a vida dos alunos, o que não significa que será mais fácil. Esse fato, associado ao poder de escolha dos estudantes, resulta em alunos engajados em investigar e aprofundar nas áreas de interesses. Essa medida exige tanto do estudante quanto de todos os atores um novo modelo mental em relação ao processo educativo”, acrescenta Maria Luiza Castro. 

Escolas públicas x escolas privadas: o risco de aumentar a desigualdade

Mesmo que se trate de uma Base Nacional Comum Curricular, parte dos itinerários informativos e atividades que compõem o Projeto de Vida serão estabelecidos de maneira individual pelas instituições de ensino. O Brasil, por se tratar de um país de proporções continentais com elevadas taxas de desigualdade social, pode enfrentar dificuldades em estabelecer um parâmetro capaz de medir a eficácia do novo modelo de ensino instituído.

“se considerarmos a diversidade de nosso país, teremos uma grande variedade de propostas entre as escolas, o que pode acentuar a desigualdade ainda mais. Uma escola de pequeno porte tem menos espaço físico, menos mão-de-obra e menos capital para ofertar uma grande variedade de itinerários ou até mesmo unidades curriculares eletivas. Ao passo que, uma escola com um número grande de alunos, ou disposta a buscar parcerias estratégicas com escolas técnicas, cursos livres, empresas, ou até mesmo universidades, dará aos seus estudantes mais oportunidade de escolha”, afirma Ana Carolina Calil. 

“A rede pública tem um currículo que vem do Estado, já pronto, sendo que os Estados não ouviram os professores, não ouviram as famílias, não ouviram os alunos. Os Estados não desenharam uma proposta de forma colaborativa. Apesar de também não terem dado muito ouvido aos envolvidos, a rede privada buscou inovações necessárias. A rede privada teve mais autonomia ao desenvolver o plano de ensino, enquanto na rede privada os professores receberam um desenho pronto”, alerta Priscila Boy. 


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