‘É impossível querer ter uma família equilibrada sem olhar para dentro de você’, diz Telma Abrahão

Entrevistamos a educadora parental, que acaba de lançar o livro "Pais que evoluem", um sucesso de vendas no país

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A educadora parental Telma Abrahão (na foto) fala da importância de investir na educação dos filhos
Buscador de educadores parentais
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“Talvez tenha sido efeito da pandemia, que levou muitos pais ao desespero”, disse a mineira Telma Abrahão, referindo-se à grande procura que seu livro “Pais que evoluem – um novo olhar para a infância” tem tido desde que foi lançado, em julho. Em plena pandemia e confinados em casa com os filhos, muitos pais se viram desesperados ao tentar dar conta das demandas domésticas, do trabalho e da educação dos filhos. E o livro de Telma, que se propõe a discutir e ensinar pais e mães a terem uma família equilibrada e filhos emocionalmente saudáveis, pode ter surgido como o assunto certo na hora certa. Não à toa, o livro está há nove semanas na lista da PublishNews dos mais vendidos do país da categoria “não-ficção”.

Mas, para além desse contexto favorável, há um aumento crescente de interesse dos pais em querer aprender mais sobre a criação dos filhos. Telma foi, ela mesma, uma das que se aproximou do assunto por causa própria, há cerca de três anos, quando nem imaginava se tornar educadora parental.

Biomédica de formação, ela decidiu mudar de carreira após sofrer alguns “percalços” com a maternidade. No fim de 2017, se mudou com o marido e dois bebês pequenos – Lorenzo e Louise, na época com 3 e 2 anos, respectivamente – para Boca Raton, na Flórida (EUA). Lá, passou a viver sem família nem ajuda por perto, dedicando-se exclusivamente à maternidade, inserida numa cultura bem diferente da brasileira. E o que poderia ser um sonho – casamento, filhos e vida no exterior – estava mais para um tormento.

“Eu não conseguia fazer nada sem ter uma grande dose de estresse e pisava em ovos para evitar qualquer conflito com os meus filhos. Até que, um dia, estava em casa tão exausta com a minha rotina de mãe que, pela primeira vez, pensei: “Preciso aprender algo novo. Alguma coisa que eu ainda não sei! Não é possível, devo estar fazendo algo muito errado e preciso descobrir o que é! Se eu não entender o que preciso mudar, simplesmente vou fracassar como mãe”. O casamento ia muito bem, mas a maternidade estava realmente desafiadora, lembra Telma.

Foi quando ela decidiu fazer, sem acreditar muito que daria certo, o primeiro curso de disciplina positiva. “A mudança foi rápida, como por exemplo, conseguir ir a um restaurante com meus filhos sem ter que ficar o tempo todo pedindo pelo amor de Deus para sentarem na mesa ou se comportarem. A rotina diária de banho, hora das refeições e sono mudaram completamente porque entendi onde estava errando. Comecei a atender as necessidades emocionais das crianças e fiquei maravilhada com o novo ambiente mais harmonioso que comecei a ter em família”, recorda.

Telma fez vários cursos e, apaixonada pelo assunto, tornou-se educadora parental certificada pela Positive Discipline Association Americana, com especialização em Inteligência Emocional e em Análise de Perfil Comportamental. Na Flórida, fundou a empresa Positive Parenting Education, uma escola de pais que ajuda famílias a encontrarem mais equilíbrio em suas relações entre pais e filhos. E apesar de viver no exterior, ela também participa e promove cursos diversos no Brasil. Neste mês de setembro, passou a fazer parte da equipe de colunistas Canguru News e, logo em seguida, nos concedeu esta entrevista em que fala de temas como as dificuldades que enfrentou como mãe, a formação em biomedicina, limites, assertividade e a forma americana de criar filhos, entre outros temas fundamentais a quem quer saber mais sobre educação dos filhos. Confira!

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1. O seu livro está há nove semanas na lista dos mais vendidos do país na categoria “não ficção”. Como você avalia esse sucesso, levando em conta que é uma obra que fala de educação dos filhos?

Telma Abrahão: Na verdade, sempre sonhei em escrever um livro. E depois que me tornei mãe, tive a certeza que não existe coincidência. Somos frutos do meio. Impossível querer ter uma família equilibrada e filhos emocionalmente saudáveis se não olharmos primeiramente para dentro de nós, para a nossa história de vida, para aquelas questões mal resolvidas que por tanto tempo foram “jogadas para baixo do tapete”. Quando nasce um filho, ganhamos um espelho que nos mostra tudo aquilo que ainda precisamos melhorar internamente e esse papel me trouxe muitos questionamentos e dores também – além do amor que era muito grande. Acredito que o sucesso do livro aconteceu justamente por mostrar essa parte mais vulnerável da maternidade, de pegar na mão do leitor e dizer: olha, eu também já me senti perdida sem saber como agir com os meus filhos e eu aprendi a fazer diferente, então eu quero ajudar você a descobrir esse caminho junto comigo”. Compreender que somos nós que precisamos mudar e não os nossos filhos, abre um novo caminho nas relações entre pais e filhos. Quando mudamos, eles também mudam e para muito melhor. 

Compreender que somos nós que precisamos mudar e não os nossos filhos, abre um novo caminho nas relações entre pais e filhos.

2. Você é biomédica de formação. Essa experiência contribuiu de alguma forma para o trabalho que você realiza hoje?

Telma: Sim, com certeza. Desde pequena tinha curiosidade para saber como funcionava o corpo humano. Pensava: “como vou entender o mundo sem entender como meu próprio corpo funciona?” Acredito que a saúde emocional e física andam juntas. Se estamos estressados, nosso corpo vai comunicar isso com dores de cabeça, insônia, ataques de raiva, falta de paciência. E isso afeta diretamente o comportamento humano. As relações entre pais e filhos também são impactadas pela falta de cuidados com a saúde. Pessoas que possuem amor próprio, que cuidam de si mesmas, se alimentam melhor, dormem melhor e isso vai refletir não somente na qualidade de vida em geral, mas também no humor, na disposição para brincar e na disponibilidade emocional dos pais em relação aos filhos. Ter formação nessa área também facilitou meus estudos na area de neurociências, conhecimento tão importante para uma melhor compreensão de como nosso cérebro pode aprender novas habilidades, mudar antigos hábitos e portanto transformar positivamente o convívio familiar. Essa história de que “nasci assim e vou morrer assim” já não cabe mais em lugar nenhum. A ciência já provou que nosso cérebro tem capacidade de mudar até o último dia de vida e isso faz muita diferença quando se trata de eliminar crenças e hábitos negativos.

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3. Soube que você estuda a relação entre ciência e educação dos filhos. Poderia falar mais sobre isso?

Telma: Na verdade tudo que ensino possui embasamento científico. Sempre me preocupei em estudar e aprender com autores, cientistas e especialistas que pesquisaram por anos o comportamento humano e com evidências clínicas de suas descobertas. Procutei compreender como o corpo humano reage por exemplo quando sofre abusos físicos e emocionais, quando está diante de uma emoção paralisante ou de uma violência doméstica. Queria entender essa dinâmica e os impactos dessas experiências na vida de uma criança pequena que teve pais abusivos por exemplo.Também passei meses estudando sobre o comportamento dos seriais killers nos Estados Unidos – sempre tive muito medo dessas mentes por ter meus filhos estudando em escolas americanas e queria  entender o que motivava esse tipo de crime no país. Acabei descobrindo que a maioria desses assassinos tiveram traumas severos na infância e também foram abusados ou violentados por seus cuidadores. Sempre falo que a educação dos filhos não é algo instintivo. Precisamos aprender maneiras de comunicação que façam sentido para as crianças e que possam ser melhores compreendidas por elas.

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4. Você é especialista em parentalidade positiva. Embora o termo hoje seja mais difundido, ainda há muitos pais que desconhecem o assunto. Você acredita que esse conceito com o tempo se tornará mais popular?

Telma: Eu realmente desejo que sim. Essa é uma profissão que, apesar de nova, é muito necessária não somente nas escolas, mas nas famílias e na sociedade. Por que investimos tanto para aprender uma profissão, montar uma empresa, aprender outros idiomas e não queremos investir para aprender a desempenhar o papel mais importante de nossas vidas? Educar um ser humano para que seja capaz, responsável, respeitoso, próspero, empático e melhor para o mundo vai exigir nosso preparo e esforço. Meu sonho é ver todos os pais tomando uma atitude consciente ao decidir colocar uma criança no mundo compreendendo seu papel diante dessa escolha. Ninguém pede pra nascer e todas as crianças merecem receber amor, segurança e atenção positiva de seus pais.

Porque investimos tanto para aprender uma profissão, montar uma empresa, aprender outros idiomas e não queremos investir para aprender a desempenhar o papel mais importante de nossas vidas?

5. Quando você fez cursos de Disciplina Positiva e logo passou a usar as ferramentas desse conceito em casa com seus filhos, que mudanças percebeu?

Telma:  Tenho um casal, um menino de 6 anos e uma menina 5 anos. Tive um atrás do outro por opção, pois fui mãe tarde, aos 36 anos. O problema é que acabei com dois bebês ao mesmo tempo. Éramos meu esposo e eu para fazer tudo, cuidar da casa, das crianças, trabalhar e dar conta do estilo americano de viver. Ufa! Me canso só de lembrar. Os dois chorando ao mesmo tempo e eu gritando de um lado para o outro sem saber como lidar com aquelas birras. Falo que não tive outra opção a não ser aprender algo que eu ainda não sabia, pois a maternidade tinha se tornado pesada para mim. Quando decidi fazer o primeiro curso de disciplina positiva, não coloquei muita fé naquilo. Não conseguia imaginar que tivesse algo tão diferente para aprender na vida. A mudança foi rápida, como por exemplo, conseguir ir a um restaurante com meus filhos sem ter que ficar o tempo todo pedindo pelo amor de Deus para sentarem na mesa ou se comportarem. A rotina diária de banho, hora das refeições e sono mudaram completamente porque entendi onde estava errando. Comecei a atender as necessidades emocionais das crianças e fiquei maravilhada com o novo ambiente mais harmonioso que comecei a ter em família.

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6. O que significa educar forma assertiva? Poderia dar exemplos?

Telma: Educar de forma assertiva tem a ver com usar uma comunicação muito mais estratégica e que convide as crianças à colaboração e não à rebelião. Então, ao invés de passar o dia todo repetindo as mesmas coisas ou dando ordens pela casa, você pode simplesmente fazer combinados, trocar ordens por perguntas, preencher as necessidades emocionais dos seus filhos, confiar na capacidade deles de aprender, de contribuir e de serem úteis. Quando melhoramos a qualidade da relação que temos com os nossos filhos, o comportamento deles também melhora, o desgaste é muito menor e a relação se torna bem mais harmoniosa. Chamo isso de assertividade.

7. Ao colocar limites nos filhos, como os pais podem ser firmes e ter certeza de que tomaram a decisão correta?
Telma:
Acredito que os pais dizem muito mais “não” do que realmente precisam. Claro que o “não” é necessário e as crianças precisam de limites, porém muitos pais falam “não” e diante da pressão ou do choro dos filhos, acabam cedendo e dizendo sim. E isso sim vira um problema, porque a criança entende que toda vez que chora consegue o que quer. Ter um norte sobre como desejam conduzir a educação dos filhos é muito importante para evitar esse tipo de situação, pois pais mais conscientes e informados, se sentem menos perdidos e conseguem ter mais segurança sobre o que querem e o que não querem para os seus filhos. E isso inclui impor limites claros também.

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8. Especialistas tendem a recomendar aos pais que estejam mais presentes na vida dos filhos – e não só a seu lado. Como você disse: são pais de corpos presentes mas corações ausentes. Como colocar isso em prática?

Telma: Não existe receita de bolo, o negócio é começar a praticar de forma consciente, mesmo sem gostar, simplesmente porque você compreendeu a importância de estar conectado emocionalmente ao seu filho – e não somente ficar mandando, dando ordens e querer ser obedecido. Isso não funciona. Muitas vezes, precisamos fazer o que não gostamos também. Como quando decidimos fazer uma dieta e fazemos escolhas de alimentos mais saudáveis, não porque são mais gostosos, mas porque fazem bem para a nossa saúde. Com os filhos é a mesma coisa, educar bem vai dar trabalho mesmo e vai exigir muita dedicação. Como tudo que realmente vale a pena na vida.

9. Você fala dos sentimentos de pertencimento e significância como dois pilares fundamentais para uma infância emocionalmente saudável. Poderia explicar melhor esses sentimentos e por que eles são essenciais à infância?

Telma: Esse dois pilares são as bases da Disciplina Positiva. Alfred Adler, psiquiatra austríaco que estudou as necessidades emocionais humanas há mais de 100 anos, junto com Freud, demonstrou através de suas pesquisas que o ser humano necessita se sentir aceito, amado e parte do meio. Esse sentimento de pertencimento começa dentro da família e se estende mais tarde para a escola, para a sociedade e para as nossas relações pessoais e profissionais ao longo da vida. Quando os pais estão positivamente conectados aos seus filhos e oferecem atenção de qualidade, eles estarão preenchendo essa necessidade emocional básica. Todos nós desejamos nos sentir amados, especialmente pelos nossos pais durante a infância e essa relação será a base das outras relações que teremos ao longo da vida. O sentimento de significância se trata de dar para os filhos um senso de capacidade e utilidade. Todo ser humano nasce com um potencial enorme para contribuir, porém muitos pais acabam fazendo tudo para seus filhos e, mesmo sem querer, tiram essa oportunidade deles. Quando confiamos na capacidade de realização dos nossos filhos, eles também acreditam nisso que inclui deixá-los errar e aprender com seus próprios erros ao invés de querer protegê-los de tudo. Quando os pais atendem as necessidades emocionais de seus filhos oferecendo um sentimento de pertencimento e significância, eles se sentem amados e portanto tendem a colaborar muito mais e a se comportar muito melhor também.

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10.  Morando há dois anos e meio nos Estados Unidos, você percebe diferenças nas formas como os americanos educam seus filhos?

Telma: Sim, as diferenças são enormes. No início me pareceu um pouco assustador ver a forma com que os americanos confiam na capacidade das crianças e esse foi um grande aprendizado para mim. Para você ter uma ideia, uma criança a partir dos 3 anos de idade já precisa se limpar sozinha após usar o banheiro na escola, e precisei treinar minha filha com apenas 2,5 anos a aprender essa habilidade, pois na escola ninguém poderia fazer isso por ela. Me surpreendi muito positivamente ao ver como ela aprendeu rápido e se tornou orgulhosa de conseguir fazer isso sozinha. Outra diferença é que, desde cedo, as crianças americanas aprendem a arrumar suas camas e organizar suas bagunças. Acho isso incrível, pois reflete diretamente na responsabilidade e no senso de capacidade individual, o que contribui para um aumento na auto-estima em geral, além de aprender o respeito ao próximo e pelo ambiente onde vivem. No Brasil é comum os pais além de fazerem tudo para os filhos, normalmente também possuem uma ajudante ou babá que passam o dia todo limpando a bagunça que o filho fez, tirando o prato dele da mesa, arrumando os brinquedos para ele e mais tarde teremos um adolescente que não aprendeu a cuidar de suas coisas ou do espaço onde vive.Essas pequenas diferenças na forma de educar se tornam grandes no dia a dia e no desenvolvimento da autonomia da criança.

Nos Estados Unidos, uma criança a partir dos 3 anos de idade já precisa se limpar sozinha após usar o banheiro na escola.

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3 COMENTÁRIOS

  1. Oi, Helena, tudo bom? Fico feliz que você goste das nossas matérias. Essa é a intenção 🙂 De fato, eu gosto muito de cobrir temas desses níveis de ensino pois, como você disse, eles são a base para o que virá depois e precisam ser mais valorizados. Vou passar o contato da Telma Abrahão para você por email ok? Um abraço, Verônica.

  2. Verônica, acompanhe Conguru News desde o inicio da pandemia. Adoro seus artigos. Me identifico com vc pois tenho paixão pela ed infantil e os anos inicias. Acredito que a construção da base educacional é nesses seguimentos que se contrói. Fui empresária educacional por 18 anos. Desde dez19 tenho realizado cursos objetivando auxiliar professes, coordenadores, pais, famílias, cuidadores na tarefa das relações com crianças. Bem, adorei a iniciativa da Telma Abrahão em constituir uma escola de pais. Pergunto a vc, se há possibilidade de eu fazer um contato com ela e respeito desse assunto. Fiquei chamada para esse assunto. Obrigada pela atenção q vc dará a presente msg. Sou Helena Centurião, apaixonada pela educação e por ajudar pessoas. [email protected] / @hcenturiaocoach. Um abraço.

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