Especialistas afirmam que os distúrbios do sono em crianças têm crescido de forma clara nos últimos anos, devido, principalmente, aos impactos da pandemia da Covid-19. A concentração de atividades de estudo e lazer nos aparelhos eletrônicos, durante período de isolamento social, ainda que necessária naquele contexto, trouxe efeitos diretos na hora de dormir, prejudicando a saúde de muitas crianças.
Uma noite mal dormida traz uma série de consequências durante o dia, podendo deixar a criança mais agitada e com o rendimento escolar prejudicado, segundo explica a neurologista e neuropediatra Rosana Alves Cardoso, da Associação Brasileira do Sono (ABS), à reportagem do jornal O Globo.
“Sem dúvidas houve um aumento nas reclamações. Na pandemia, os jovens ficavam mais de dez horas ligados em eletrônicos. A criança na idade escolar ficava em média cinco horas assistindo às aulas, depois fazendo tarefa de casa e, no restante do tempo, o único lazer que eles tinham era com as telas. São tantas redes, tantas opções, jogos eletrônicos com barulho, estímulos visuais. E o que acontece é que eles não largam o aparelho e dormem, existe uma rotina para você desacelerar que leva tempo”, disse ao jornal o pediatra Gustavo Moreira, pesquisador do Instituto do Sono e presidente do departamento científico de Medicina do Sono da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Ele relata, inclusive, que esse é um dos motivos para a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que crianças até os dois anos não tenham acesso a aparelhos eletrônicos.
Há três principais distúrbios do sono que são mais comuns na infância e adolescência: insônia comportamental, apneia obstrutiva do sono e as parassonias (sonambulismo, terror noturno e despertar confusional). Veja a seguir as causas de cada problema, como identificá-los e formas de tratamento.
Insônia comportamental
A insônia comportamental em crianças é diferente da observada em adultos, que pode surgir a partir de problemas de saúde mental e mesmo predisposições genéticas. A dificuldade para adormecer nos pequenos tem muito a ver com hábitos inadequados da família. “É aquela criança que tem mais dificuldade para pegar no sono porque às vezes tem uma falta de limite, uma recusa ou demora para dormir no horário estabelecido pela família. Pode acontecer por associação, quando a família liga alguma coisa ao ato de dormir, o que é ruim porque a criança entende que ela só vai adormecer na cama dos pais, ou quando a família fica balançando, quando dão mamadeira, com situações específicas”, explica Rosana Alves Cardoso, da ABP.
Moreira, da SBP, esclarece que a situação é diferente do bebê nos primeiros meses de vida, que acorda para ser amamentado, por exemplo. A insônia ocorre entre o primeiro e o quinto ano de vida – sendo mais comum aos dois e três anos de idade. Nesse período, ocorre uma transição de um sono chamado de polifásico, fragmentado, para o que dura toda a noite, mas se a criança tem a insônia comportamental, esse processo é atrasado.
O pediatra relata que o problema impacta o sono do filho e também dos pais, que precisam acordar várias vezes à noite – esse, aliás, é um dos indicadores do distúrbio. Se a criança fica muito irritada também é sinal de que não está dormindo bem à noite.
Ensinar o filho a dormir sozinho e evitar a associação a hábitos específicos pode ajudar a resolver a insônia. Contudo, em alguns casos, a causa pode ter relação com questões médicas, como uma infecção ou alergia. Nesse cenário, é preciso buscar orientação médica para o tratamento adequado, sugere Moreira.
Apneia obstrutiva do sono
Comum entre crianças de 2 a 8 anos, a apneia leva ao bloqueio das vias aéreas repetidas vezes durante à noite, provocando interrupções na respiração. Devido aos riscos à saúde da criança, exige maior atenção dos pais ou responsáveis.
O ronco alto, semelhante ao de adultos, é o sintoma mais característico, se ocorre com muita frequência – 3 a 4 noites por semana. Os especialistas relatam que essas pausas na respiração podem levar a um atraso no desenvolvimento da criança, fazendo surgir por exemplo o xixi na cama em maiores de 4 anos. Alterações durante o dia, como hiperatividade e falta de atenção também são pontos de alerta.
Alterações no desenvolvimento motor, desenvolvimento da fala e mudanças comportamentais podem surgir com a apneia, ressalta o pediatra. Ele cita ainda quadros de hipertensão arterial, em casos mais graves. “A parte neurológica é a mais importante na criança, porque o cérebro está em desenvolvimento. Na apneia, o indivíduo ronca, engasga e não consegue puxar o ar, então ele tem interrupções frequentes da respiração o que leva a oxigenação mais baixa e, consequentemente, a essas questões neurológicas” acrescenta.
A principal causa, segundo os especialistas, é o aumento das amígdalas e da adenoide, tecidos que crescem durante os primeiros sete anos de vida. Se há um aumento excessivo, esses tecidos provocam a obstrução das vias aéreas, causando a apneia. Nesse caso, o tratamento envolve a retirada dos tecidos, porém é essencial consultar um médico para o devido diagnóstico e indicação de tratamento. Se a criança for obesa, o risco de apresentar o distúrbio é ainda maior.
Parassonias
Sonambulismo, terror noturno e o despertar confusional são exemplos de parassonias, que se manifestam em crianças na fase da pré-adolescência. Ligadas à fase inicial do sono, provocam um acordar parcial, quando a criança mistura elementos do sono, como não saber o que está acontecendo, com os da vigília, como grito, choro e até movimentos.
O sonambulismo, frequente entre crianças de 8 a 12 anos, faz com que a pessoa se levante, caminhe e até converse com outras enquanto está dormindo – e não se lembre de nada no dia seguinte. Durante o episódio, ela não deve ser acordada, para não se assustar, mas deve ser levada de volta à cama, orienta Rosana Alves Cardoso. O quadro tende a ser passageiro e pode ser influenciado por fatores de predisposição genética, com casos na mesma família.
A orientação, no geral, é esperar que os quadros passem – nos casos mais graves, algumas medicações podem auxiliar. Hábitos como o excesso de eletrônicos à noite prejudicam o distúrbio. Além disso, é importante adotar medidas de segurança para evitar qualquer acidente no período do despertar noturno. Entre elas, deixar as portas e janelas fechadas e impedir o acesso da criança a escadas e cozinha. Se a criança dormir fora de casa, é preciso avisar aos adultos que vão ficar com ela.
Gritos e choros enquanto a criança dorme são comuns nos casos de terror noturno. Embora possam parecer assustadores, os pediatras buscam tranquilizar os pais em relação a esses casos, que, no geral, são curtos e passageiros. Aumento da frequência cardíaca e sudorese também podem aparecer. Os pediatras explicam que é mais comum entre 3 e 6 anos, e orientam a procurar um médico diante de casos graves que acontecem diversas vezes.
Já o despertar confusional surge nas crianças de 7 a 12 anos, e pode ser identificado pela fala arrastada e por vezes agressiva da criança. Embora seja confundido com o terror noturno, não tem a mesma intensidade, e tende a ser mais curto, durando poucos segundos.
Hábitos de higiene do sono são recomendados pelos pediatras para ajudar a combater as parassonias, fazendo com que as crianças durmam melhor e menos agitadas. Isso inclui estabelecer horários fixos de dormir e acordar, evitar estimulantes, seja por comida, seja por comportamentos, como brigas, e retirar os eletrônicos horas antes de dormir.
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