As crianças finalmente voltaram para a escola. E agora?

Para além da defasagem pedagógica, alunos enfrentam problemas de baixa autonomia, maior dependência e dificuldades de socialização; agora é hora de "retomar o ritmo, refazer os combinados e estabelecer novos objetivos", diz a psicóloga Patrícia Nolêto

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Menina sentada escreve no caderno sobre carteira escolar
Para a psicóloga, é importante ampliar o repertório emocional da criança e ajudá-la a ter mais recurso de autorregulação
Buscador de educadores parentais
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Recentemente fui convidada para fazer um trabalho com os professores do 1º ao 5º ano do ensino fundamental de uma escola particular da grande Belo Horizonte.

O objetivo era trabalhar com os professores que após dois anos de pandemia, estavam vivenciando uma constante adaptação. Como muitas outras escolas, lá os professores passaram por várias maneiras de dar aula durante todo esse tempo.

O primeiro momento foi quando a escola parou e acreditávamos que seria por poucos dias, depois quando entendemos que a volta não seria tão rápida assim e no improviso começaram a gravar aulas e enviar para os alunos.

O tempo foi passando e o ensino online se tornou oficial. As escolas se adaptaram, os professores desenvolveram habilidades. Passaram depois pelo sistema híbrido, um grupo pequeno de crianças em sala e as outras online.

Finalmente 2022 chegou trazendo boas notícias e as crianças puderam voltar para a sala de aula.

E é nesse ponto que estamos: uma sala de aula, cheia de crianças que ficaram tempo demais fora da escola!

E o que tanto tempo fora da escola pode trazer de prejuízo para uma criança entre 6 e 10 anos de idade?

Diversos! A lista é assustadora: vai desde crianças que caem da cadeira o tempo todo, que não sabem segurar no lápis de cor nem usar a tesoura a comer sozinha o lanche, brincar em grupo nem sozinhas. Além disso, a lista de dificuldades sociais é enorme. As crianças se comunicam de forma desorganizada, interrompem mais que o esperado pela idade, não respondem a comandos simples, têm um baixo repertório de manejo de emoções e muitas vezes usam agressão física para resolver qualquer desentendimento com outros colegas.

Tudo isso já acontecia na escola? Claro que sim. Mas não na proporção que se vê agora, o que gera um impacto enorme na educação.

Já existia um desnivelamento entre as crianças, inclusive esperado, respeitando a fase de desenvolvimento de cada uma delas, mas hoje isso é algo que salta aos olhos dentro da sala de aula.

Quero reforçar que o que chama a atenção não é a defasagem pedagógica, é claro que ela existe, mas essa não era a maior preocupação.

Hoje temos crianças com atraso de fala, crianças com dificuldades motoras que não conseguem quicar uma bola ou agarrá-la, crianças que não conseguem pular, algumas com muita dificuldade de se organizar dentro do espaço, seja para fazer um lanche ou tirar e colocar o próprio material da mochila. 

A percepção, de um modo geral, é que as crianças estão com baixa autonomia, mais demandantes e dependentes, com pouca capacidade para resolução de problemas e muita dificuldade de socialização.

De um modo geral percebo que as escolas estão buscando soluções. Vejo isso na escola da minha filha e na escola de muito pacientinhos que eu atendo. Mas saí desse encontro me perguntando o que nós, pais, podemos fazer.

Sei que durante a pandemia, todos nós estávamos no modo sobrevivência. Em alguns momentos ficamos mais permissivos – deixamos o filho ficar mais tempo na TV, adiamos aquela consulta com a fonoaudióloga ou avaliação com a terapeuta ocupacional que a escola havia pedido. Muitas vezes, escolhemos ter sossego a priorizar a rotina, preferimos fazer pela criança, para resolver logo, que deixá-la fazer sozinha no tempo dela. 

A verdade é que no modo sobrevivência precisamos deixar correr solto, fazer vista grossa e escolher muito bem a nossa batalha. 

Agora é hora de voltar para o rumo! Cuidar do que ficou de lado, retomar o ritmo, refazer os combinados, estabelecer novos objetivos.

E principalmente, aproveitar as oportunidades para ensinar, exercer o que chamamos de modelagem para nossos filhos. Eles aprendem nos vendo fazer. Seja na hora de se aproximar de uma criança no parquinho, se apresentar e perguntar se pode brincar junto ou instigar a criança a buscar uma solução para o suco que derramou no chão: como você quer resolver isso, filho?

Podemos aproveitar as oportunidades de manejo das emoções, para ensinar sobre elas, para ampliar o repertório emocional da criança e ajudá-la a ter mais recursos de autorregulação.

Agora que as crianças voltaram às aulas presenciais, não podemos cair na tentação de pensar que a escola assumirá todas as responsabilidades, já que estamos livres das aulas online.

Precisamos mais do que nunca ser time e, para um time ganhar, precisamos jogar juntos!


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