Em fevereiro desse ano, meu filho estava feliz e ansioso para conhecer sua nova escola e ir às aulas. Achava que usar máscaras e seguir protocolos seria um pequeno preço a ser pago para fazer novos amigos. Mas a escola que voltou não era a mais a mesma. As brincadeiras barulhentas do intervalo deram lugar a um controle rígido de distanciamento, pontuado pelo desconforto respiratório das máscaras. As crianças aguentam tudo com uma resiliência de envergonhar alguns adultos, mas estão cansadas.
Algumas mães da escola relataram que seus filhos agora preferem ficar em casa e brincar com os amigos nos videogames. A tecnologia do entretenimento que estávamos tanto criticando acabou virando o oásis de vida de muitas crianças. Muitas adaptaram-se às aulas on-line e preferem nem sequer voltar para a escola presencial. Meu filho chegou a dizer que gostaria de ir na escola duas vezes por semana, somente para ver professoras e amigos. Ainda não consegui decidir se isso é bom ou ruim. Sou defensora da tecnologia, mas acho que a forma com que ela foi usada na escola ainda está longe de ser a ideal. A sombra da doença, da morte de familiares, do medo de ser culpado por ter infectado sua própria família assombra esses pequenos corações.
Durante uma das conversas no grupo de pais, uma mãe desabafou dizendo que sua filha de dez anos tinha ficado desesperada ao ter sintomas de gripe. Começou a chorar e a pensar que poderia ter passado isso aos pais e que, por causa dela, eles poderiam morrer. Meu filho tem agido de forma similar. Quer ficar o tempo todo perto de mim, chora antes de dormir dizendo que não saberia o que fazer se perdesse a mim ou o pai. As conversas entre as crianças na escola agora abordam o tema luto, morte e medo. Os relatos do meu filho, das mães e de outras crianças remetem ao que mencionei no início dessa pandemia. Precisamos de uma escola com mais afetividade e menos conteúdo, mais amor e menos cobrança, mais diálogo e menos obediência.
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Sigo acreditando no que o romeno Basarab Nicolescu recomenda enquanto atitude transdisciplinar no mundo. Para o astrofísico e filósofo é preciso manter sempre em mente que existem diversos níveis de Realidade e que cada pessoa percebe essa Realidade de uma forma diferente. Saber transitar entre tantas formas de ser e ver o mundo deveria ser o objetivo principal da Educação, seja ela voltada para crianças ou adultos.
O elo mais frágil dessa corrente continua sendo as nossas crianças. São seres em fase de desenvolvimento e depende de nós adultos ajudá-los a fortalecerem suas emoções e mentes.
Ouvir as crianças agora é essencial. Acolha a dor do seu filho ou da sua filha. Se preciso for, pare tudo, dê um abraço e diga que tudo vai ficar bem, vai passar. Tire tempo de qualidade, cultive a poesia da vida, seja com um bolinho de chuva ou bom filme.
Tenho consciência da necessidade de acolher e ter empatia com professoras(res), gestoras(res) e donas(os) de escola. Também sei do massacre que as mulheres, em especial no Brasil, estão sofrendo por conta da sobrecarga doméstica causada pela pandemia. A pergunta que nunca deveria ter sido silenciada: quem cuida das cuidadoras? Falo cuidadoras de propósito. No Brasil, salvo exceções, os cuidados diários com a casa e as crianças – que pouparam e poupam tantas vidas nessa Pandemia- estão sob as costas das mulheres que ainda precisam ser efetivas no trabalho e no casamento. O pior, ainda tem gente romantizando essa violência e chamando as mães, filhas e irmãs exaustas de heroínas. As redes sociais contribuem de forma massacrante para silenciar nosso cansaço na forma de fotos e homenagens, feitas para embelezar o indescritível. Mais uma vez a tecnologia usada para consolidar velhas ideias. A Revolução tecnológica sem inovação humana somente cristaliza velhas formas de ver o mundo…
Não precisamos ser heroínas. Ao contrário, temos que ser mais humanas(os) do que nunca.
Precisamos resgatar a afetividade que, para Nicolescu, repousa sobre o princípio feminino do universo. Feminizar a sociedade, tornando-a mais cuidadosa e protetora é essencial para que saiamos mais fortes e sábias dessa crise. Ao dizer isso defendo a valorização da economia do cuidado, do trabalho doméstico e das tarefas relativas à garantia do bem-estar das crianças, dos idosos e das pessoas com necessidades especiais. Uma crise desse tamanho deveria levar a humanidade a uma reflexão profunda sob o que realmente importa: como equilibrar a efetividade, necessária à sobrevivência, e a afetividade, essencial para a continuidade da vida. Sinto falta desse espaço de diálogo nas escolas bem com na sociedade em geral. Sinto falta de ser ouvida e não somente cobrada. Se eu, com 44 anos de vida, sinto falta de empatia e escuta, imagine meu filho de 10 anos ou minha sobrinha de 6. Imagine seu filho ou sua filha. Precisamos ouvir as crianças.
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