Se não há notícias, então são boas notícias

Cada vez menos usamos o telefone e quando o fazemos, as pessoas podem pensar que é porque temos más notícias

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A vida instagramável é viciante – e é preciso tomar cuidado com isso ; imagem mostra duas mulheres se olhando e dando risadas
Buscador de educadores parentais
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Março fechou-nos em casa e a internet e as redes serviram de ponte e ponto de contato para além das paredes do lar. Ainda que fechados, sentimo-nos mais ligados uns aos outros – passamos a estar mais horas online, a ver o que os outros faziam e a partilhar os pães e os exercícios que realizávamos. Agora que desconfinamos, continuamos a manter contato da mesma forma – através das redes e das mensagens.

Agora que desconfinamos, continuamos a manter o contato da mesma forma – através das redes e das mensagens.

A mãe de um amigo do meu filho descreveu-me um evento com características de ficção científica que aconteceu com a sua filha mais velha, Inês. Chegados à escola, e estando à procura de informações, viram um colega de turma de Inês. A mãe sugere-lhe que pergunte ao menino onde era a sala de reunião e recebe um “não vou nada perguntar, achas? Mas posso enviar um WhatsApp”. A mãe esperneou, mas de pouco valeu – a filha enviou mesmo a mensagem escrita e recebeu resposta logo em seguida, do menino que estaria nem a seis passos delas.

Deixamos de ligar uns aos outros, como se uma nova etiqueta social tivesse emergido nos últimos anos, sem que nos tenhamos dado conta.

Sabemos dos nossos amigos pelas redes sociais. Desligamos chamadas pedindo que nos escrevam e não queremos áudios de voz porque nos consomem tempo. Começamos a viver, progressivamente, mais tempo nas nossas cabeças, nos nossos mundos, fechando-nos às várias possibilidades que as relações, as conversas, o olho no olho, o entusiasmo da troca de ideias nos dão.

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Esquecemo-nos que somos seres sociais. E, como seres sociais vivemos dentro de redes sociais, interagindo com texto escrito, fotografias e vídeos que, por mais que nos possam dar uma sensação de proximidade, não são possuidores da magia daquilo que acontece em tempo real num “tête à tête”.

Quando é o meu aniversário e os meus amigos me ligam, sinto-me uma privilegiada. Coisa rara, atualmente, ter amigos que telefonam. Recebo muito mais mensagens de “Feliz aniversário” pelo Facebook, Instagram ou ainda via Whatsapp – sinal de que a notificação do calendário funcionou. 

Qual foi a última vez que ligaste àquela amiga cujas horas voam quando estão juntas, mas que mesmo assim é raro encontrarem-se? Qual foi a última pessoa a quem felicitaste o aniversário por telefone, de viva voz? E a última antes dessa?

Por mais preguiça que possamos ter, por mais cômodas que nossas vidas possam ter se tornado graças aos aplicativos, precisamos contrariar esse fenômeno. Somos seres racionais, é verdade. Antônio Rosa Damásio, neurocientista português, autor do livro “O erro de Descartes”, diz ainda melhor. Diz que não somos máquinas de pensar, mas antes máquinas de sentir, que pensam. É que qualquer decisão é tomada com base nas nossas experiências emocionais, mesmo que possamos não ter essa noção. Para que possamos viver emoções, e emoções saudáveis, necessitamos nos relacionar, na certeza que estamos protegidos, mas relacionando-nos. E este relacionar veste-se de chamadas telefônicas, de videoconferências, que nos fazem esquecer o quanto é viciante a vida instagramável. 

Quando foi a última vez que ligaste aos teus amigos ou familiares para saber como estavam? Eu, da última vez que liguei à minha tia, há uma semana, ela atendeu o telefone assustada e disse: “Conta-me, aconteceu alguma coisa?” E eu respondi: “Não, mas acho que já não falamos há tanto tempo que achas que se há notícias, elas só podem ser más…”

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.

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