Se os seus filhos usam telas você já deve ter percebido sinais de irritação ou nervosismo quando eles têm de parar de assistir ao desenho, sair da rede social ou encerrar o videogame. Uma das causas relacionadas a essas alterações de humor é o excesso de estímulos que as telas provocam, mas, afinal, o que exatamente isso quer dizer?
“Geralmente, quando as pessoas falam sobre telas e superestimulação, estão falando sobre o que acontece no sistema sensorial de uma criança. O processamento sensorial refere-se à maneira como capturamos, filtramos e damos sentido às informações sensoriais (por exemplo, sons, imagens, movimento e tato) de nossos ambientes”, explica a psicóloga norte-americana Jacqueline Nesi, autora da newsletter Techno Sapiens e professora assistente de psiquiatria e comportamento humano na Brown University (EUA), onde estuda o impacto das mídias sociais na saúde mental das crianças.
No caso de uma experiência como um jogo de videogame barulhento, rápido e com cores vivas, por exemplo, quando a demanda de informações é grande demais para ser regulada de forma eficaz surgem os comportamentos explosivos, acessos de raiva e sentimentos de perturbação após o uso.
Isso pode ocorrer com todas as crianças, em maior ou menor grau, mas se torna mais desafiador para aquelas que têm uma sensibilidade maior a alguns estímulos sensoriais, como é o caso de pessoas com o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno do Espectro do Autismo e, em alguns casos, ansiedade, explica Jacqueline.
Contudo, há ainda outras causas potenciais para o mau humor ou comportamento desafiador após as telas, conforme Jacqueline explica a seguir:
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As crianças estão (momentaneamente) sem algumas habilidades
Certos tipos de uso de tela podem causar nas crianças déficits de curto prazo nas habilidades de funcionamento executivo, como memória, atenção e autorregulação, as quais são necessárias para gerenciar o nosso humor e comportamento. Portanto, regular as emoções pode não ser o forte de nossos filhos momentos após o término do tempo de tela.
É difícil parar de fazer coisas divertidas
As telas provavelmente ativam o sistema de recompensa do cérebro, que nos leva a querer seguir ali eternamente. Além disso, ninguém gosta de parar de fazer algo que é bom, e isso pode facilmente nos deixar de mau humor.
É difícil parar uma atividade no meio
Imagine que você estava perto de terminar um e-mail longo e detalhado para seu chefe quando seu cônjuge, sem avisar, apaga tudo porque “é hora do jantar”. Os sentimentos que surgem nesse momento certamente não serão os melhores. E isso pode acontecer com o seu filho quando ele tem de parar um jogo no meio – talvez ele estivesse trabalhando em equipe ou prestes a conseguir um prêmio ou ainda alcançar o próximo nível. Dá para esperar que fique chateado nessa hora.
As crianças são imitadoras
As crianças copiam as coisas que veem, e isso vale para comportamentos positivos e negativos. Há evidências de que jogar videogames violentos, por exemplo, pode fazer com que as crianças modelem um comportamento agressivo e, alternativamente, que assistir a programas com mensagens pró-sociais pode encorajar um comportamento positivo. A imitação é mais provável com crianças mais novas. Por isso, é importante ficar atento a personagens travessos, maldosos ou chorões, que podem estar influenciando o comportamento de seu filho.
As crianças não se exercitam
Há muitas evidências de que a atividade física impacta positivamente no humor, assim como o tempo passado fora de casa. Mas isso não vai acontecer se os filhos estão dentro de casa, sedentários e olhando para um dispositivo eletrônico. O humor pode, portanto, piorar após o tempo de tela em comparação com como eles se sentem após essas outras atividades.
As telas provocam emoções que se mantêm após o uso
As telas podem trazer à tona muitos sentimentos – tanto positivos, como a alegria por um episódio engraçado, quanto negativos, após perder um jogo. Em situações extremas, num filme de terror ou jogo com fortes emoções, isso pode incluir sintomas de “lutar ou fugir” com aumento da frequência cardíaca, suor e respiração rápida. E é provável que esses sentimentos se mantenham por mais um tempo após o uso da tela, dificultando a transição para outra atividade.
O que podemos fazer sobre isso?
A psicóloga diz que as telas podem ter um impacto negativo no humor e no comportamento das crianças, e a “superestimulação” certamente pode interferir nisso. Mas é importante lembrar que isso não ocorre sempre, nem com todas as crianças, nem com todo tipo de telas. Então o que nós podemos fazer? Aqui estão algumas ideias:
Reduza o tempo de tela
Parece óbvio, mas se o mau humor aparece com frequência após o uso das telas, considere fazer uma pausa, seguindo uma abordagem “menos é mais”. Ainda mais quando as telas prejudicam outras atividades que melhoram o humor, como sono, tempo fora de casa e atividade física.
Experimente diferentes tipos de uso e conteúdo de mídia
As experiências sensoriais são altamente individualizadas – desde as cores na tela até a familiaridade com um episódio, a trilha sonora e o tipo de dispositivo, tudo pode fazer a diferença. Então, descubra o que funciona (e o que não funciona) para seu filho.
Experimente diferentes momentos para encerrar o uso
Se o tempo de uso termina justo quando eles estão prestes a avançar para o próximo nível do videogame, ajustar o horário de término pode ser a saída. Já se o tempo de tela estiver longo a ponto de aumentar a inquietação, antecipe um pouco a parada.
Fale com seus filhos sobre isso
Em um momento calmo, converse sobre as transições de tempo pós-tela. Dependendo da idade, você pode dizer algo como “Percebi que é difícil desligar o tablet quando acaba o tempo. Por que você acha que isso acontece? O que podemos fazer para tornar isso mais fácil?” Nesse debate, avalie sugerir habilidades de enfrentamento para tentar na próxima vez que ficarem frustrados.
Faça um plano de transição
Combine com o seu filho qual a melhor maneira de encerrar a diversão. Pode ser um tempo pré-definido (30 minutos, por exemplo), ou após um número determinado de episódios ou níveis de videogame. Avalie incluir avisos prévios cinco minutos antes do término, assim como exceções aos combinados em certos horários, programas ou atividades na tela. Deixe claro que o plano pode ser revisado sempre que preciso.
Considere atividades pós-tela
Diante das variações de humor logo após as telas, lembre-se que esse pode não ser o momento ideal para atividades cognitivamente desgastantes como as lições de casa. Cogite atividades tranquilas como montar um quebra-cabeça ou que demandam mais energia como correr ou jogar queimada ou futebol.
Seja consistente
Por maior que seja a tentação de atender aos apelos da criança que chora, faz birra e reclama para não desligar a tela, ser firme é fundamental. Do contrário, a criança entenderá que com um pouco de insistência e lamentos conseguirá o que deseja.
Desligue a reprodução automática
Simples mas efetivo. Às vezes, uma “deixa de parada” (ou seja, o final de um vídeo ou episódio) pode sinalizar para as crianças que o tempo de tela acabou e tornar um pouco mais fácil a transição. Veja como fazer isso no YouTube e Netflix.
Por fim, Jacqueline ressalta que se a criança está com dificuldades de processamento sensorial, é importante conversar com o pediatra que, se preciso, poderá encaminhá-la para um terapeuta ocupacional, profissional de saúde mental ou outro profissional com experiência nesta área.