O ChatGPT e as crianças: ‘A tecla que a gente precisa bater é no uso consciente’

Para o coordenador pedagógico Renê Oliveira, essa tecnologia veio para ficar e ignorar ou proibir o seu uso não é a melhor saída

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Para educador, ferramenta tem "potencial infinito"
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O ChatGPT foi lançado no final de novembro de 2022 e desde então tem levantado muitos debates acerca dos benefícios e prejuízos que o seu uso pode trazer para a sociedade. O robô responde às perguntas que lhes são feitas e interage de forma bastante semelhante à de um ser humano, estabelecendo uma conversa com o usuário a partir do processamento de um imenso volume de dados. Ele é capaz, por exemplo, de resolver problemas de matemática, escrever artigos, notícias e redações, dar sugestões de festas temáticas para crianças, criar músicas e poemas, demandar informações diversas e até elaborar códigos de programação. 

Um dos receios de pais e educadores diz respeito ao uso desse assistente virtual para atividades escolares como as lições de casa, visto a dificuldade em detectar se as respostas trazidas pelos alunos serão deles mesmos ou eles contaram com o apoio da inteligência artificial para realizá-las. Assim como em outros canais digitais de informação, as críticas também falam sobre a qualidade e veracidade dos conteúdos divulgados, dados tendenciosos, imprecisos ou que não estão devidamente atualizados.

Em visita ao Brasil na semana passada, Sam Altman, presidente executivo da OpenAI, empresa que criou o chatGPT, disse que essa inteligência artificial funcionará nas escolas como uma espécie de tutor especializado em qualquer assunto, que conhece bem o aluno ao longo de toda a vida. Segundo Altman, isso será bom para a educação e vai permitir que os professores possam dar um apoio, levando a resultados melhores. “Claro que precisaremos ter cuidado, mas considero muito promissor”, disse Saltman ao jornal o Globo.

O criador do chatGPT também falou sobre a necessidade de regulamentação da inteligência artificial, mesmo reconhecendo que essa não será uma tarefa simples. Ele defende que os países criem regras próprias, considerando o contexto local.

Para Renê Oliveira, coordenador pedagógico do Colégio Módulo e do FIAP School, em São Paulo, o chatGPT veio para ficar e ignorar ou proibir o seu uso pelas crianças não é a melhor saída.

“Os jovens têm acesso à tecnologia de uma maneira muito fácil e rápida. Não tem mais como ignorar isso e muito menos proibir que os alunos a utilizem”, disse o coordenador.

Entusiasta do assunto, Renê ressaltou que ferramentas de inteligências artificiais são “super aliadas” que servem para aproximar – do conteúdo, da interpretação de texto e de um aprendizado pontual, por exemplo. E também têm um uso positivo, principalmente entre as crianças menores, segundo o educador, no desenvolvimento da criatividade, criação de personagens e histórias. 

Contudo, ele reforça a importância do uso crítico e do acompanhamento dos pais para orientar os filhos quanto ao que acessar e como utilizar de forma construtiva o chatGPT na educação. “A tecla que a gente precisa bater é no uso consciente. Encontrar, em uma coisa relativamente nova, o estabelecimento de boas práticas é muito importante para que a ferramenta seja usada o tempo inteiro para o bem.” Em entrevista à Canguru News, ele fala sobre riscos e benefícios da ferramenta, papel dos pais e da escola para a educação responsável e regulamentação, entre outros aspectos.

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Como você avalia o uso dessa tecnologia nas escolas?

Os jovens têm acesso à tecnologia de uma maneira muito fácil e rápida. Não tem mais como ignorar isso e muito menos proibir que os alunos as utilizem. A gente, que está dentro dos colégios, principalmente aqui do grupo, usamos bastante o chatGPT e as inteligências artificiais generativas (que têm a capacidade de criar novas informações a partir de conjuntos de dados pré-existentes) como super aliadas. Precisamos partir desse ponto porque isso cada vez mais faz parte do dia a dia dos jovens. A gente não bloqueia, muito pelo contrário. A gente faz questão que os alunos utilizem o chatGPT porque ele aproxima. Ele aproxima do conteúdo, ele aproxima de uma interpretação de texto, ele aproxima de um aprendizado, que eu vou chamar aqui de pontual. Porque o aluno, a partir do prompt, das perguntas que ele insere ali, as respostas chegam pra ele ler, ele interpreta e tem contato com o conteúdo. Então, essencialmente hoje, pra gente, o chatGPT é um aliado. Ele não é meu inimigo de jeito nenhum. 

Você poderia citar alguns exemplos positivos de uso da ferramenta?

Os alunos utilizam muito em processos criativos, envolvendo arte, produção de texto, negócios e empreendedorismo, por exemplo, podendo também criar suas próprias apresentações e roteiros. Na matemática, podemos pedir aos alunos que resolvam contas simples e complexas e depois o professor pode provar aquele resultado de forma diferente à escolhida pelo chatGPT, mostrando que existe uma crítica e uma outra maneira de fazer, e a gente utiliza bastante isso. E para as crianças menores, permite trabalhar muito a criatividade, criar personagens, histórias e a interpretação infantil, por exemplo.

Um colunista de tecnologia do jornal New York Times sugeriu que as escolas devem tratar o ChatGPT da mesma forma que tratam as calculadoras – permitindo-o para algumas tarefas. Você concorda com essa ideia?

Sim, completamente. Sempre que ele tiver um contexto, uma necessidade atrelada à pedagogia, a didática da aula permitir e existir um espaço, ele tem que ser utilizado sim em todas as suas formas, mas especificamente quando ele tem a sua utilidade. Fora isso não faz sentido. É claro que a gente tem atividade dentro da escola usando a criatividade e atividades desconectadas. A gente não está conectado 100% do tempo, mas o aluno tem esse recurso, dependendo do professor, do componente curricular. 

Como fazer com que as crianças usem o ChatGPT de maneira crítica?

Os alunos precisam, primeiro, entender o que foi pedido, depois, inserir essas perguntas de uma forma inteligente para que o chatGPT colete resultados e a partir do conteúdo gerado, o aluno leia, interprete, faça uma análise crítica e uma ligação com o tema da aula ou da atividade, para decidir se aquilo é útil ou não, se faz sentido ou não para a criação do conhecimento de uma forma geral. Se a gente pede algo autoral no colégio, o aluno não pode usar o chatGPT e dizer que o trabalho foi dele. A gente ensina sobre o uso consciente da ferramenta. A tecnologia é nossa amiga, nossa aliada, mas a ética tem que fazer parte do nosso trabalho o tempo inteiro. Tem todo um arcabouço de coisas ali que são trabalhadas em sintonia com as disciplinas. Usamos a partir do 8°, 9° anos do ensino fundamental, mas há escolas, principalmente as que têm a tecnologia como parte importante da educação dos alunos, que abordam o chatGPT e outras ferramentas com estudantes de todos os anos. Porque isso hoje já faz parte da nossa vida. Não é só no futuro que vai fazer, está aqui no presente, os alunos conseguem acessar agora de qualquer lugar.

Uma das preocupações dos pais é sobre o risco dos alunos usarem o ChatGPT para fazer as lições de casa, pois é difícil para o professor identificar a autoria do trabalho. Como você percebe essa questão?

Sim, esse risco existe e é bastante presente, mas o uso da ferramenta precisa vir junto com as boas práticas, precisamos ensinar os alunos a usar de forma consciente para que traga benefícios, mas o risco existe e a gente tenta mitigar isso. A tecla que a gente precisa bater é no uso consciente. Encontrar em uma coisa relativamente nova o estabelecimento de boas práticas é muito importante para que a ferramenta seja usada o tempo inteiro para o bem. Como eu disse antes, a ética e a conscientização são muito importantes. O potencial da ferramenta é praticamente infinito, mas precisa sim de um acompanhamento, de uma prática interessante em conjunto com a educação para que aí sim ela esteja 100% do lado das escolas. Isso sem falar do quanto é interessante para os professores, visto que o chatGPT traz insights muito importantes, assim como direcionamentos para a aula de conteúdos que há 30 anos são dados da mesma forma. Então, dependendo do prompt do chatGPT, eu consigo ter informações muito bacanas para levar para a minha própria aula, deixando uma dinâmica mais atrativa para os alunos.

Qual o papel do pais quanto ao uso dessa tecnologia?

Quando falamos de crianças estamos falando de um cidadão em formação – de caráter, de cultura e de conteúdo. Portanto, a gente tem que dizer que o que não pode ser feito na vida, digamos, normal, também não pode fazer na vida digital. Se a criança tiver acesso liberado a tudo, ela está sujeita a receber de tudo também. É muito importante ter o acompanhamento dos pais em tudo o que os filhos fazem online, seja no chatGPT ou outras ferramentas que interagem em tempo real. É necessário estar junto, direcionar e mostrar como usar as tecnologias de maneira adequada, seja para a educação, diversão ou criatividade. Sempre com essa orientação próxima, comentando, dizendo para que serve tal conteúdo, como ele pode ser usado e de que maneira não é  indicado utilizá-lo. Existe um conflito gigantesco com a questão de direitos autorais, ao escrever uma história no chatGPT e não citar a autoria, por exemplo. É preciso falar sobre isso com os filhos, dizer que isso não é uma prática legal. 

Escolas públicas de Nova Iorque e outras localidades proibiram o acesso ao ChatGPT. Como você avalia essa medida?

Nos colégios em que trabalho existe uma limitação da nossa rede mas o chatGPT não é bloqueado, e a gente faz questão disso porque, de fato, acredita no potencial que ele tem de auxiliar. O acesso é liberado porque muitos professores usam, principalmente nas turmas dos maiores, e a gente os ensina a utilizar seguindo boas práticas de uso. Mas na nossa rede, de uma forma geral, o aluno não consegue, por exemplo, acessar conteúdos impróprios nem jogos online, a não ser que isso tenha um fim pedagógico. O professor pode, sim, usar como estratégia um jogo, e aí a gente tem uma liberação pontual daquele determinado conteúdo naquele momento. Mas a nossa rede é super controlada, os alunos não conseguem acessar o que eles querem no momento que eles querem. Nossa rede está dentro do colégio e ela precisa seguir ali com todos os valores do colégio. 

Como você vê a questão da regulamentação do ChatGPT, que foi inclusive destacada pelo presidente executivo da OpenAI, Sam Altman, quando ele esteve no Brasil?

Eu acho muito importante, sim, que haja regulamentação e um controle. Hoje, quase todas as coisas que a gente usa são reguladas. Temos o Marco Civil da Internet, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), quer dizer, existe uma regulação. Recentemente, grupos do Telegram que falavam de neonazismo foram suspensos, porque falar sobre isso é crime no Brasil. E o chatGPT também não vai poder trazer essas informações, porque existe uma legislação para isso. Eu não posso admitir, por exemplo, que meu filho de 8 anos tenha acesso a conteúdos que não são adequados para idade dele. Claro que uma parte dessa história é responsabilidade dos pais, mas também precisamos poder contar com esse controle, essa ajuda mais ampla, para que as coisas funcionem de uma forma positiva sempre. 

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