Teresa chegou tranquila à sessão, mas assim que começou a falar a senti ansiosa, volátil, saltitante em pensamentos como uma abelha que voa de flor em flor. Dizia-me que tinha marcado sessão comigo porque estava com sérias dúvidas se não deveria mudar a filha de escola ou até retirá-la. Em cima da mesa estava mesmo colocar uma licença sem remuneração, para ficar com ela, em casa, até ao início do 1º ano. A menina tinha quase 5 anos.
Os motivos? O fato de sentir que as crianças não podiam brincar livremente. Tinha sempre a impressão de que as educadoras e as auxiliares não deixavam os pequenos fazerem o que queriam e que no final tinham de arrumar, mesmo que nem sempre essa fosse a vontade das crianças. “Eu não obrigo a minha filha a arrumar logo. Se não lhe apetecer, eu espero. E sei que por vezes não o fará, mas está aprendendo”, adicionou. Falou-me de um dia ter chegado à escola e uma das auxiliares estava retirando uma criança do recreio para dar uma bronca nela, pois tinha dado um pontapé ao coleguinha. Afinal, são crianças e estão a experimentarem-se. Não era preciso dar uma bronca, disse-me.
Perguntei-lhe qual era o maior receio dela? Que tipo de ameaças sentia que existiam na escola? Silêncio. Procurava informação na sua cabeça, mas não consiga construir um discurso com sentido. Decidi facilitar-lhe o pensamento e perguntei: “Do que não gosta, exatamente?”. A resposta saiu imediatamente: “Acho que castram as crianças, não as deixam livres. As crianças devem ser livres. Já não vivemos numa altura em que elas têm de ser obedientes. Não quero que a minha filha seja obrigada a fazer coisas que não quer e que não possa ser livre para explorar como quiser.”
Voltei à questão anterior e perguntei-lhe: “Onde está a ameaça, então?”
Respondeu-me: “Tenho medo que a minha filha não se sinta livre, que esteja impedida de pensar de forma livre. Não é algo que queira, foi assim comigo.”
E é assim? Sente que ela não se exprime, não diz o que deseja dizer?, insisti. Bem, na verdade, não… mas incomoda que as crianças não possam fazer o que desejam, ela justificou. Não podem mesmo?
Não, algumas vezes não podem: são corrigidas porque estão sendo mais agressivas, outras vezes querem brincar, mas é hora de formarem a fila para irem à cantina. Vão para o primeiro ano e estarão impedidas de brincar tanto tempo. É isso que uma criança tem de fazer: brincar.
– Então está dizendo que lhe parece que a sua filha não brinca o suficiente, nem quando quer?
– Não é bem assim, mas sim… é um bocado isso.
Sorri e voltei com uma questão: E o que não é bem assim…?
– Magda, não sei. Acho que não devíamos ter tantas regras. Acho que são pequeninos. Vão para a escola para o ano e acabou-se a brincadeira.
O excesso de informação e, frequentemente, a falta de tempo para refletir acerca dela, leva-nos a lugares de confusão, ansiedade e alguma culpa. Se é verdade que os miúdos devem ser livres para brincarem – ou seja, explorarem e experimentarem-se em diferentes aspectos – essa brincadeira tem limites porque os limites protegem.
Quando a auxiliar retirou o menino que tinha dado um pontapé no outro do recreio, pode ter sido para ajudá-lo a se acalmar e lhe dizer que aquele comportamento não é aceitável. Ao mesmo tempo, estaria protegendo também o outro menino. O que seriam dos nossos recreios se as crianças fizessem tudo o que desejam, sem cautela por eles nem pelos os outros? O que seria das nossas estradas se não parássemos no sinal vermelho ou cedêssemos a passagem quando há sinais que o indicam?
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E é aqui que reside o principal perigo nesta coisa que é a parentalidade: não pensarmos, em condições, na informação que consumimos.
Há dois tipos de obediência: a que é cega, nos diminui e é ditada por um déspota; a que nos protege e permite que possamos viver em sociedade. É dentro dos limites que a criança explora. Sem eles, tudo transborda. E à medida que vai dominando esses espaço e a si própria, os limites expandem-se.
Todas as crianças podem e devem brincar livremente. Dentro dessas liberdade existem limites que servem para protegê-las e ensiná-las a se autorregularem. Dentro desses limites, garantimos que todos têm o seu espaço e não se atropelam, como poderia acontecer se não houvesse sinalização no trânsito. Uma criança incapaz de o fazer, de forma frequente, aos 6 anos, precisa urgentemente de aprender a fazê-lo. Por que? Para conseguir focar-se nas aprendizagens, para conseguir se organizar internamente quando recebe uma resposta que não gosta, para conseguir pensar quando está sob tensão.
Criamos bichos de sete cabeças, ansiedades, e ficamos confusos tantas vezes, sem haver necessidade disso. E com todos estes ingredientes, damos à criança a sensação que o mundo não é um mundo confiável. E não se confiar no mundo onde se vive torna-se impossível viver.
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